domingo, 30 de agosto de 2009

Justa causa

Judiciário promete rigor, mas tolera infidelidade partidária

Dos 18 políticos julgados pelo TSE, 17 tiveram autorização para mudar de sigla

Encorajados pelas decisões da Justiça Eleitoral, políticos retomam o troca-troca; TRE paulista chancelou todas as 27 mudanças contestadas

FÁBIO ZANINIFELIPE SELIGMANDA
SUCURSAL DE BRASÍLIA

O debate que movimenta o Congresso sobre a criação de uma "janela" para que políticos com mandato possam mudar livremente de partido não faz muito sentido. Na prática, essa "janela" já está aberta, proporcionada pelo Judiciário -o mesmo Poder que, há quase dois anos, divulgou uma resolução para garantir a fidelidade dos congressistas às legendas pelas quais eles se elegeram.

Levantamento feito pela Folha constatou que, encorajados pela tolerância da Justiça Eleitoral nos processos de cassação de mandato, deputados e senadores retomaram um intenso troca-troca partidário.Dos 18 casos de perda de mandato de congressistas julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral desde o ano passado, em 17 o deputado ou o senador saiu vencedor, seja por ter vencido a causa ou pelo processo ter sido arquivado.Em geral, foi aceita a justa causa para a desfiliação com base em duas exceções abertas: "mudança substancial do programa partidário" e "grave discriminação pessoal". Os antigos partidos ou suplentes que seriam beneficiados foram derrotados. A única exceção foi o ex-deputado Walter Brito (PB), que perdeu o mandato ao se transferir do DEM para o PRB.Em São Paulo, o Tribunal Regional Eleitoral chancelou as 27 mudanças de partido (todas de vereadores) que foram objeto de disputa."A resolução implicou uma mudança de mentalidade. É natural que precise de algum tempo para ser implantada com mais rigor", justifica o presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, que promete mais rigor a partir de agora. "As teses jurídicas já estão amadurecidas e a tendência é concretizar a resolução de forma mais firme, principalmente com a proximidade das eleições", diz.

Uma análise dos julgamentos do TSE mostra relatos similares de deputados e senadores que se colocam como vítimas de perseguições injustas."O requerente passou a ser vítima de odiosa e injusta campanha difamatória, certamente organizada em razão de interesses escusos", diz, por exemplo, o senador Lobão Filho (MA), referindo-se ao DEM, que trocou pelo PMDB.O deputado federal Gervásio Silva (SC), que pulou do DEM para o PSDB, apresentou como prova de perseguição o fato de ter recebido do partido apenas R$ 50 mil para sua última campanha, menos do que lhe teria sido prometido. A justificativa foi aceita pelo TSE.

Seu colega de Câmara Marcos Antônio (PE) venceu a disputa com o antigo PAN sob o argumento de que não podia concordar com a incorporação da sigla pelo PTB. Justificativa aceita, filiou-se ao PRB.Falecido recentemente, o deputado Clodovil Hernandez (SP) teve uma longa disputa com o nanico PTC, quando decidiu se mudar para o PR.Elencou como justificativas o fato de ter sido eleito com votos suficientes para não depender do quociente partidário e uma suposta falta de apoio da legenda na disputa travada com a deputada Cida Diogo (PT-RJ), a quem teria acusado de ser "tão feia que não serve nem para ser prostituta".Clodovil alegou ainda que o partido queria dele "o aproveitamento da densidade eleitoral esperada para um artista com 40 anos de vida pública". O TSE não acreditou no partido quando disse que o deputado "sempre foi tratado com muito acatamento e prestimosidade" e autorizou a transferência.

A maioria das mudanças é da oposição para o governo, mas partidos que apoiam Lula também perderam parlamentares.O PT tentou ficar com o mandato de Paulo Rubem (PE), que se transferiu para o PDT. "Mas é de se reconhecer que a postura ideológica e a política desempenhada pelo PT terminou por sofrer modificações a partir de 2003, com a assunção ao governo federal", disse o voto vencedor, do ministro Arnaldo Versiani.

Folha de São Paulo, 30 de agosto de 2009.

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