segunda-feira, 26 de março de 2007

Debate decisório: jurisprudência emocionante

Este debate se deu entre o Ministro Marco Aurélio, na época vogal no Tribunal, e o Ministro Humberto Gomes de Barros, relator, quando era julgado o Respe 25.127 (Ibirarema/SP, publicado no DJ de 12.8.2005, p. 159).

Estava em questão saber se o candidato que, condenado pela Justiça Eleitoral, teve sua votação anulada a ponto de anular toda a eleição; se este mesmo candidato poderia participar da renovação do pleito, marcada para o mês seguinte. Prevaleceu a tese do relator, contra os protestos do Ministro Marco Aurélio. Isso é o que eu chamo de jurisprudência emocionante. Reparem que o tom vai subindo:

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Tenho uma preocupação: um dos fundamentos do recurso é que se impõe ao recorrente uma suposta conseqüência de sentença que não impõe inelegibilidade.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Disse em meu voto que os institutos não se confundem. Não é inelegibilidade, Senhor Presidente. Não estou aplicando a Lei Complementar nº 64/90.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Parece-me que, antes do princípio da razoabilidade, está o princípio da soberania popular.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Assim, fechemos a Justiça Eleitoral, não atuemos mais julgando processos e verifiquemos apenas o resultado das eleições, pouco importando que a vontade do eleitor tenha sido conspurcada.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Conspurcar a vontade do eleitor é retirar, numa segunda eleição, 51% dos votos do eleitorado. Isso é conspurcar também.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Vamos declarar insubsistente o primeiro escrutínio? Essa estória de falar em vontade popular, como se estivesse acima do bem e do mal, do próprio arcabouço normativo, é um passo demasiadamente largo e perigoso, principalmente quando se avizinham eleições.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Penso ser perigoso também colocar a vontade de sete homens em Brasília acima da soberania popular.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: E o que estamos fazendo aqui? Cansando-nos à toa?

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Estamos aplicando a lei.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Sim, estou aplicando. Vossa Excelência a aplica ao seu modo e eu aplico ao meu.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): E eu estou dizendo justamente isso.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Mas não me venha com argumento metajurídico.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): V. Exa. é que veio com argumento metajurídico.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Não. Meu voto está fundamentado na Lei nº 9.504/97.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Aqui está-se falando num suposto princípio.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Não estamos aqui, Exa., para sermos bons, para passar a mão na cabeça de quem claudicou.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Gostaria de dizer que estamos para aplicar o que diz a lei. E ela diz que quem sofre uma sanção, sofre tão-somente essa sanção que se exaure nela. Não há uma lei dizendo que quem sofre cassação de diploma se torna inelegível. E nós estamos aplicando uma pena de inelegibilidade quando a lei não prevê e quando a sentença não condenou. Estamos aplicando uma condenação inexistente na sentença.
Essa é a minha dúvida, Ministro Marco Aurélio: como podemos prestigiar um sistema que é da legalidade aplicando sanções não previstas na lei, sanções presumidas?

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Ministro, quem provoca nulidade não pode se beneficiar dela própria, da própria torpeza.

O Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): A lei não diz isso. E eu estou aplicando a lei.

O Senhor Ministro Marco Aurélio: É uma conseqüência do próprio direito posto, do direito subordinante.

2 comentários:

Adriano De Bortoli disse...

Isso é uma obra rara!! Uma peça que não pode ficar esquecida! Um exemplar único do jusirracionalismo!
Vou postar no CIVITATES e recomendar a leitura!
abç

Mauro Noleto disse...

Obrigado pela visita e pelo comentário, Adriano. Bom saber que tem alguém por aí interessado nos assuntos que aponto.

Parabéns pelo CIVITATES.