domingo, 4 de fevereiro de 2007

Diálogos Democráticos II - Torquato Jardim

Os diálogos continuam.

Mais trechos da entrevista de Torquato Jardim:

MN - E as condutas vedadas(Artigos 73, 74, 75 e 77 da L. 9.504/97)? Não seria uma matéria típica de sistema, de um código eleitoral?

TJ - Você está imaginado que haja necessidade de código. O código é coisa do século XIX. Daí a grande critica dos pensadores modernos contra o novo código civil, que engessou uma porção de coisas.

O código tinha por pressuposto uma unidade de harmonia social e unidade de pensamento. Na virada do século XIX para o XX, quando as ideologias socialistas e os movimentos operários trabalhistas romperam com a harmonia e a estabilidade burguesa, não se pode mais falar em código. São tantas transições, tantas mutações sociais, hoje não há um pensamento dominante, hoje não tem harmonia social que havia no meu tempo de criança nos anos 50, começando a escola primária: todos os professores davam aula de historia com uma perspectiva, hoje seu filho está na escola e não tem dois anos consecutivos de aulas de história com a mesma perspectiva. Então, eu acho que essa idéia de código já está ultrapassada.

O mundo das obrigações é um mundo muito criativo. Você pode ter, sim, princípios gerais, mas não pense que pode vir o código especificar diversos tipos de contrato, que acaba excluindo outros...

MN - Nesse cenário, o papel do Judiciário tem que ser diferente, não é, pois os códigos vieram num momento histórico em que se imaginava o juiz boca da lei.

TJ - Os códigos napoleônicos vêm com a Revolução Francesa, os dois, o civil e o comercial, como uma reação contra a magistratura do Ancién Regime. Depois é que o alemão consolida isso como uma reação à magistratura prussiana, quando tenta consolidar a unificação alemã depois de 1870 e 71, para conter a preeminência militar, política e econômica da Prússia, trazia-se uma igualdade no plano do direito. Essa não é nossa realidade e nunca foi nossa realidade, até porque no Brasil socialmente nunca se fez a Revolução Francesa.

MN - Foi o positivismo jurídico que reforçou esse papel passivo para os juizes com seu estatuto epistemológico a guiar os procedimentos objetivos dos juristas científicos, entre os quais a adoção do silogismo como método dedutivo próprio para a aplicação das normas aos casos concretos. Na sua avaliação, a simples dedução formal como método decisório não está cada vez mais difícil, levando-se em conta o perfil "aberto" dos enunciados normativos atualmente? Refiro-me às chamadas cláusulas gerais, normas em branco, aos princípios, que passaram a freqüentar o texto da legislação e das decisões judiciais. Isso não estava no script positivista!

TJ - Toda essas críticas...Não é só em direito não, é em economia, filosofia, sociologia, em tudo que informa o direto, não há mais aquilo que o alemão chamava de “idéia força”; você não tem hoje mais harmonia social, você tem micro-sistemas. Há uma reportagem famosíssima, publicada na revista americana chamada US News and World Report, do final dos anos 70, sobre o novo conceito de democracia. Qual o novo conceito da Democracia? É uma vontade que surge da acomodação de microcosmos. Então, hoje como é que se compõe a democracia? É um movimento gay, mais um movimento lésbico, mais um movimento do que quer legalizar as drogas, mais um movimento do que quer invadir terra, mais um movimento do que quer indenizar a terra antes da invasão, e assim sucessivamente.

Aí, no plano político, o que acontece no Congresso Nacional? Não se tem mais uma grande marca de interesse, todos são micros, e para obter a vantagem X do micro A, você tem que votar a favor da vantagem Y do micro B. Então, um vota para outro, para poder passar sua proposta. A conseqüência é a Constituição Brasileira, que tem de tudo, todos os princípios, é multicolor, é uma colcha de retalho, todos ficaram, tudo ficou na Constituição. Você tem desde de pressupostos clássicos da economia liberal, até pressuposto clássico do socialismo e do marxismo...Você tem essa colcha de retalhos literalmente, pode até ficar bonita, muito colorida, mas torna possível qualquer interpretação. A interpretação jurídica dos princípios da ordem econômica, por exemplo: se você quer compreender um contrato administrativo em face dos princípios gerais da ordem econômica, você vai a Stalin ou a Adam Smith, os dois estão na Constituição.

Assim também no Direto, você hoje não consegue hoje um método único.

Veja esse último livro da Ana Frasão que é a dissertação de mestrado dela, sobre conceito Empresa e Abuso Poder Econômico (Empresa e Propriedade: Função Social e Abuso de Poder Econômico. Editora Quartier Latin.)

Eu acho excepcional quando ela sintetiza Raws, Dworkin, Hayeck, Nozick e faz crítica do liberalismo clássico, do neoliberalismo, as falhas do socialismo...E a conclusão que ela mostra é essa conclusão que a gente percebe intuitivamente, ela demonstrou por escrito: não tem nenhum sistema que explique o fenômeno social de hoje!

Quando você vê o Direito Eleitoral brasileiro: se você quiser compreender essas leis todas, esses fenômenos todos dentro de um sistema coerente de Estado, fica difícil, pois não há mais sistema coerente de Estado! Nosso desafio, enquanto bacharéis em Direito - ainda herdeiros das escolas do século XIX, herdeiros de Miguel Reale, de Moreira Alves, que são homens do século XIX, notáveis pensadores do século XIX - é conseguir pensar casuisticamente. O casuísmo, pra mim hoje, não é um conceito negativo, é um desafio intelectual, e no mundo hoje, multipolarizado, só há um método, que é costurar casuísmo após casuísmo, harmonizar casuísmo de uma forma empírica, sem nenhum preconceito intelectual, filosófico, biológico, o que for!

O fascínio do Direito hoje - e o Direito Eleitoral reflete isso - é que há tantas categorias novas pra pensar, cada uma delas respondendo a um interesse diferente.

E quando se traz isso para o Direito Eleitoral, não há um método único.

Nenhum comentário: