segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Fraude à Lei

Na semana passada, o deputado Ronaldo Cunha Lima renunciou ao mandato, calculando que isso o livraria de ser julgado pelo Supremo na Ação Penal 333. Para surpresa geral, o processo não saiu da pauta do STF, e o relator, Min. Joaquim Barbosa, trouxe para deliberação coletiva uma questão de ordem. Saber se a renúncia do réu a esta altura da tramitação do processo (estava pronto para julgamento depois de 14 anos) teria o poder de afastar a competência do Tribunal. Quem justificou a questão de ordem e acabou conduzindo a posição do Tribunal foi o Ministro Peluso, ao esgrimir tese de sua predileção, emprestada da obra do jurista português Castanheira Neves, citado por ele em seu voto oral, de improviso: a tese do abuso do direito, ou da fraude à Lei. Segundo a tese, quem abusa do direito que possui exerce apenas um direito subjetivo aparente, pois não pode haver direito que viole as normas jurídicas ou o seu fundamento axiológico. No caso, o réu esperou 14 anos e a marcação de data para seu julgamento para só então exercer seu "direito de ser julgado pelos seus iguais". Ou seja, ao renunciar ao mandato de deputado federal - que lhe dava o privilégio de ser julgado pelo STF - Cunha Lima teria fraudado a norma constitucional que estabelece a competência do Tribunal para julgá-lo. É como dizer que ele, jogador, não pode mudar a regra do jogo aos 45 do segundo tempo... O Ministro Britto ainda acrescentou o argumento dogmático do § 4º do art. 55 da Constituição, exatamente aquele que agora diz que a renúncia de parlamentar não impede o prosseguimento de processo interno cujo desfecho seja a perda de mandato. A diferença, neste caso, é que não se trata de processo interno, mas externo, em tramitação na Justiça, porém, assim como aqueles processos por quebra de decoro, este também pode levar a perda de mandato, pois a condenação resulta em suspensão de direitos políticos. Analogia. Colhidos os votos, Peluso, Barbosa, Britto, Grau entenderam que se deve manter a competência do Supremo, mas o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia, que prometeu trazer o processo de volta à pauta na próxima sessão ou na seguinte. Até lá, o réu deve ter muitos motivos para se preocupar e os demais políticos para colocar as barbas de molho com o Supremo. Ele está ativo.

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