quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Diálogos democráticos

Ano passado, estava pesquisando para redigir minha monografia de conclusão da pós-graduação em direito eleitoral na UnB. Senti falta de uma bibliografia mais crítica ou pelo menos mais reflexiva sobre a matéria, especialmente sobre o ponto mais inquietante desse campo do Direito, a transitoriedade da jurisprudência.

Será que a proximidade com a política faz do direito eleitoral algo também em trânsito perene?

Para testar essa hipótese central de trabalho, imaginei fazer algumas entrevistas. Imaginei, na verdade fazer uma série de entrevistas que se chamaria Diálogos Democráticos. Em outro post posso explicar melhor a idéia que ainda não foi descartada. Bom, consegui realizar apenas uma, com o advogado Torquato Jardim, que atualmente preside o Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral. Será pois a primeira a abrir os diálogos.

Para Torquato Jardim, "o horizonte do direito eleitoral é sempre a próxima eleição". Ele parece indicar nessa assertiva que o casuísmo das regras do jogo político é da natureza desse mesmo jogo, e não seria pelo fato de termos, no direito eleitoral, regras jurídicas a disciplinar as disputas políticas que alcançaríamos a estabilidade dogmática de um campo como o direito penal.

Embora contrarie minhas convicções mais arraigadas, essa frase e muito do que ouvi e documentei durante a entrevista confirmaram o que eram para mim àquela altura ainda apenas suposições, boas, mas carentes de segurança.

Torquato Jardim é suficientemente cético para compreeder a lógica - ou sua ausência - do direito eleitoral.

Abaixo alguns trechos da entrevista:


Mauro Noleto - O senhor tem afirmado em conferências que o direito eleitoral tem DNA. Poderia explicar melhor de que se trata?

Torquato Jardim - O direito eleitoral é o único ramo do Direito em que a norma de conduta é redigida pelo agente a quem se dirige. Quer dizer, na lei eleitoral você tem gravados o nome, o endereço, grupo político etc.

Para lembrar as três características da norma jurídica em sentido próprio, o Direito Eleitoral não tem universalidade, nem impessoalidade, nem temporalidade. O horizonte é sempre a próxima eleição.
...
MN - Ao longo da segunda metade do século XX e até os dias atuais, o Brasil conheceu 3 Constituições (4, se considerarmos a Emenda de 69); o regime democrático das liberdades civis e políticas foi interrompido durante o longo período em que vigorou o regime militar; o país consolidou sua transição do campo para as cidades; mais recentemente, em um verdadeiro teste para a solidez institucional, promoveu-se o impeachment do primeiro Presidente da República eleito pelo voto direto desde a eleição de Jânio Quadros; rompendo a tradição republicana brasileira, instituiu-se a possibilidade de reeleição dos chefes de poder executivo; adotou-se o voto eletrônico na totalidade das eleições do país...Depois de tantas mudanças no plano fático (social, político e econômico) como explicar a permanência da Lei 4.737, de 1965, que instituiu o “novo” Código Eleitoral brasileiro?

TJ – Ah, a pergunta ficou fácil. O código eleitoral de 65 é tecnicamente quase perfeito, e por quê? Porque ele é um sistema de vasos comunicantes: você esvaziou um vaso e trancou o canal de comunicação, continuaram os outros; as competências são aquelas, o alistamento é aquele, pedido de registro de candidato é aquele. Depois, ficou ultrapassada toda parte da fase de apuração de votos manualmente, que agora é feita de modo eletrônico, mas continuou a parte dos crimes eleitorais; as leis que vieram criaram novos crimes em função da informática. Agora, as inelegibilidade viraram lei especial

...
MN Mas, e quanto ao problema do casuísmo em matéria de legislação eleitoral, que o art. 16 da Constituiçãotem a missão de mitigar.

TJ - O artigo 16 tem esse mérito de impor o limite temporal ao casuísmo. No caso brasileiro, isso é muito interessante, não pelo limite temporal de 1 ano, mas porque exige um consenso que é impossível um ano antes (da eleição). Isso pra mim é a coisa mais curiosa do artigo 16, porque o indivíduo escolhe o domicílio eleitoral, a filiação partidária um ano antes, e aí passa a negociar a aliança. Agora, com a verticalização - que ele não acreditou que fosse ser mantida para esse ano - a gente fica no mato sem cachorro, porque feito o acordo lá atrás...

MNDe qualquer modo, há quem critique esse casuísmo, afirmando que o Direito Eleitoral é disponível, não tem essas características de estabilidade que se espera de uma legislação.

TJ – Mas é da natureza do direto eleitoral o casuísmo, nós temos que aceitar essa realidade, ou seja, é preciso analisar o direito eleitoral como fenômeno político de curto prazo. Ele não é como a norma do direito de família, direitos das obrigações, em que você está imaginando 25, 50 anos à frente; não é como a norma de direito penal que se pretende estável ou a relação de direito administrativo que se pretende estável, a estabilidade do contrato administrativo, ou da relação de trabalho. O direito eleitoral, em qualquer sistema, é inerentemente casuístico: o horizonte é a próxima eleição.

MN - Outra questão que incomoda os que passam a estudar o direito eleitoral é o confuso modelo processual que se adota nesse campo: ações com nome de recurso, matérias ou litígios idênticos veiculados em ações distintas e simultâneas, prazos exíguos...

TJ - Aí você tem razão, realmente o modelo processual é confuso; aí já não é mais norma de conduta. O casuísmo do direito eleitoral - vamos distinguir aqui – é o casuísmo de direito material. Não precisava haver essa “bagunça” de direito processual. Eu já propus ao Congresso diversas idéias, mas não se interessaram os parlamentares sobre isso.

Realmente, é uma falha muito grande não se ter um direito processual pensado sistematicamente. Com rito sumaríssimo - que esse deveria ser sempre o rito em todo direito eleitoral; como também – e isso eu já coloquei em muitos projetos em que me pediram ajuda e nunca passou – com a preferência pela a ação de direito processual eleitoral que tem que ser permanente, e não só na época da eleição. À exceção do mandado de segurança e do habeas corpus, tinha que ser sempre preferencial sobre todos os demais, porque de que adianta você decidir bem uma ação um ano depois, se o sujeito já perdeu um ano, ou teve um ano de mandato que não podia ter, não é.

MN - E o Tribunal vem criando, por jurisprudência, regras processuais. A mais recente parece que foi esse prazo decadencial de 5 dias nas Representações...

TJ - Não só do 73, como do 41-A.

MNExato, todas as Representações da Lei 9.504.

(no julgamento do RO nº 748, o TSE definiu, em questão de ordem, que o prazo para o ajuizamento de representação por descumprimento das normas do art. 73 da Lei das Eleições é de cinco dias contados da prática do ato ou data em que o interessado dele tomar conhecimento.)
...
TJ - Mas é aquela velha história, os juizes estão agindo – e isso é ativismo judicial - porque o Legislador está calado, está quieto. O julgador está corrigindo a falha do sistema. Não me surpreende esse tipo de decisão, e podem ocorrer outras, justamente porque, na omissão do Legislador, o juiz se vê na iminência de ter que criar a regra...

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