Itamar na Piauí
Itamar Franco esperava na porta da sala, às 15h30 em ponto, conforme o combinado. Antes mesmo de alcançar a mesa de reuniões, avisou: “Me chame de Itamar e de você. Não sou mais presidente, não sou senador, não sou ministro”. Usava terno cinza, camisa de listas, gravata creme com estampas azuis e um broche com as bandeirinhas cruzadas de Minas Gerais e do Brasil. No pulso esquerdo, um lustroso relógio dourado. Mais magro que nos tempos da presidência, abandonou a armação estilo aviador e agora adota óculos ovalados pretos, da marca Giorgio Armani. O topete ainda se equilibra firme, mas dá a impressão de estar um pouco mais ralo. Em seu escritório, no último andar do prédio do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em Belo Horizonte, onde desde março ocupa o cargo de presidente do Conselho de Administração, Itamar havia separado uma pilha de papéis. Eram recortes de jornal, um livro, Xerox de documentos e cinco folhas digitadas por ele próprio, nas quais registrara seus pensamentos sobre temas atuais, como éticas e assistencialismo. Mal se sentou, apressou-se em sacar uma dessas folhas. Era um trecho copiado de um artigo de frei Betto. As primeiras sete linhas estavam realçadas. “Isso é o resumo do que eu sinto hoje. Vou ler só um pedacinho.” E começou: “Sofre-se, hoje, de utopia deteriorada, ceticismo, desencanto, que induzem muitos a se acomodarem tristes em seu canto”. Tirou os olhos do papel e comentou: “É isso mesmo. Eu estou no canto, eu estou sentado no canto”. Prosseguiu: “O que resta da esperança quando já não cremos em líderes, partidos, doutrinas e ideologias? O que resta quando, à nossa volta, se fecham todas as portas e janelas?”Fez uma pausa, e finalizou: “Resta à amargura, o desalento, a repulsa ao poder”. Há quinze anos, Itamar assumiu interinamente a presidência, em substituição a Fernando Collor, a quem se refere como “presidente Fernando”. Já o xará que o sucedeu é “Fernando Henrique”. Nos dois anos e dois meses de seu governo, diminuíram sensivelmente os escândalos e as denúncias de corrupção. Ao sair do Planalto, Itamar foi eleito governador de Minas Gerais, assumiu duas embaixadas — em Lisboa e Roma — e tentou, sem êxito, voltar ao poder. Com as mãos inquietas, pegando aqui e ali nos papéis, falou sobre a cena política: “Eu tinha certeza de que o Renan ia ser absolvido. Era tão óbvio. Um governo que vive de barganha, que emprega especialistas em barganhar, em vender promessas e favores... Isso tudo me desanima. Eu perdi o fervor político. Ainda tenho o patriótico, mas não sei até quando”. A bronca com o governo Lula é evidente. Mencionou nomeações de ocasião, bandalhas administrativas, descasos institucionais, ministérios de ficção e politicagens variadas. Em sua opinião, o governo está acabado. “Espero que o professor Mangabeira Unger ainda possa melhorar alguma coisa”, disse. Para Itamar, a última inteligência do governo Lula foi José Dirceu, com quem ele conversa esporadicamente por telefone.
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