sexta-feira, 30 de maio de 2008

Pra lá de Bagdá, uns três coqueiros


Relaxou. Mas quem vai gozar é Obama. Não entendeu, clique aqui.

A casa caiu



Aroeira

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Células-tronco: foi 6 a 5

Como diria meu colega lá da bancada da TV Justiça, o Cadu, placar de julgamento do Supremo não é como placar de futebol. Isso porque entre ganhar ou perder existe o ganhar ou perder parcialmente, e em extensões diversas. Foi isso que aconteceu no STF hoje.

Faltou apenas um voto para autorizar o Supremo a fazer acréscimos ao texto da Lei de biossegurança, restringindo sua aplicação imediata. Cinco Ministros votaram para que, em maior ou menor extensão, fossem impostas condições para a realização das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas no país.

Os mais restritivos foram os Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski. Para eles, a pesquisa não poderia: resultar na destruição do embrião; somente poderiam ser utilizados os embriões inviáveis; a autorização dos genitores deveria ser prévia e expressa; o Estado deveria fiscalizar as entidades de pesquisa.

Eros Grau considerou que somente o embrião implantado no útero materno poderia ser considerado protegido pela inviolabilidades do direito à vida, por isso votou pela constitucionalidade da lei. No entanto, exigia também o cumprimento de algumas condições.

Último a votar no primeiro dia de julgamento da ADIn, o Ministro Peluso também concluiu pela constitucionalidade da lei, permitindo as pesquisas com embriões, mas sugeriu que fosse necessário criar um comitê central de controle sobre os pesquisadores.

No dia seguinte, antes que o próximo voto fosse lido, o do Min. Marco Aurélio, Peluso declarou que havia sido mal compreendido, que não teria votado contra as pesquisas e que não havia criado qualquer restrição à constitucionalidade da lei.

Seguiu-se o voto do Presidente, Gilmar Mendes. Novamente, constitucionalidade desde que fosse criado um Comitê central do controle. Foi um voto muito interessante para se entender melhor o que pode fazer o Judiciário na democracia constitucional brasileira. Vou tentar colocar aqui a íntegra.

Mas aí, depois de 11 votos computados, qual teria sido o resultado?

Peluso se declarou do lado da maioria, mas queria ainda discutir algumas condições para a aprovação das pesquisas. “Por que o senhor está me excluindo?”, indagou o Ministro Peluso ao decano, Celso de Mello. Mello havia pedido a palavra, pela ordem, para cobrar do Presidente o encerramento dos debates - abertos por Peluso - e exigir a proclamação do resultado processual do julgamento, isto é, que por maioria de seis votos o Tribunal havia rejeitado a ação do então Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, ação que pretendia simplesmente proibir qualquer pesquisa com os embriões ataualmente congelados.

Peluso, que não havia aceitado a interpretação geral sobre seu próprio voto, teve que aceitar a proclamação final do resultado do julgamento tal como exigiu o decano Celso de Mello. Digamos que conseguiu levar o jogo para a prorrogação, mas no final o Tribunal, por maioria, vencidos em parte (e em maior ou menor extensão) os Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, julgou improcedente a Ação Direta de Insconstitucionalidade 3510.

Placar: 6 a 5.

A nova reforma política do TSE: vida pregressa

O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, disse nesta terça-feira (27/5) ao ministro Carlos Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que poderá apresentar nos próximos dias uma Consulta sobre a validade da candidatura de políticos com vida pregressa incompatível com a moralidade.

Em audiência com os membros da CCJ, Britto afirmou que uma Consulta neste momento será bem-vinda, porque fará o TSE se manifestar sobre ela antes do início do processo eleitoral. “É chegada a hora de partidos ou parlamentares tomarem a iniciativa de fazer uma Consulta ao TSE”, disse. Ele acrescentou, porém, que a decisão será tomada sem pressa.

Os parlamentares disseram que estão preocupados com a eventual demora de decisão do TSE. Eles afirmam que os políticos que tiverem o registro da candidatura negado pelo tribunal regional ficarão fora da disputa, ao menos até o julgamento de um recurso pelo TSE. Por isso ficarão em desvantagem em relação aos adversários.

Cunha informou que vai sugerir aos integrantes da comissão que a Consulta seja formalizada pelo conjunto de deputados que a integram. Ele acredita que, dessa forma, o questionamento terá maior peso político.

Em 2006, Britto ficou vencido no julgamento que discutiu a candidatura de Eurico Miranda, réu em vários processos criminais. Na ocasião, o TSE decidiu que mais vale a presunção de inocência do que a moralidade pública.

Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2008.

Comentário meu: Quem disse que o Legislativo se incomoda com a atuação criativa da jurisprudência eleitoral? Pelo que entendi, os parlamentares, que não conseguem votar a reforma política, descobriram que é mais fácil fazê-la por consulta ao TSE, afinal foi assim com a verticalização, a fidelidade partidária e, agora, com a inelegibilidade daqueles com a "ficha suja" na Justiça, ou seja, com vida pregressa desabonadora. Isso é que é harmonia entre os Poderes.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

ADIn 3685 - para entender o post anterior (corrigido)

ADI 3.685 (STF), relatora Ministra Ellen Gracie, publicado no DJ em DJ 10-08-2006 (ementa):

(...)

2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal.

3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93).

4. Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e "a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral" (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello).

5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).

6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral.

7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência.

PEC dos vereadores poderá valer em ano eleitoral?

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto (foto), disse hoje (28) que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera o número de vereadores, aprovada nesta terça-feira em primeiro turno pelo Plenário da Câmara dos Deputados, pode valer para as eleições de 2008 se for aprovada antes do início do processo eleitoral, ou seja, até o dia 30 de junho, que é o prazo final para a realização das convenções partidárias. O ministro não quis se pronunciar sobre o teor da Proposta que, se aprovada pelo Congresso Nacional, modifica entendimento fixado na Resolução 21.702/04 do TSE sobre o quantitativo de vereadores. “A Constituição impõe limites numéricos. Eu não sei, não posso dizer se essa lei esta se situando dentro desses limites. Aguardemos, porque a matéria poderá vir aqui ao Supremo como questionamento, contenda, em concreto, ou Adin e eu não posso antecipar julgamento”, esclareceu Britto. O texto da PEC, aprovado por 419 votos a 8 e com 3 abstenções, foi fruto de uma emenda relatada pelo deputado federal Vitor Penido (DEM-MG) à PEC 333/04, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS).

É a seguinte a íntegra da entrevista do ministro Carlos Ayres Britto:

Pergunta: Sobre a PEC que altera o número de vereadores e que foi aprovada, como o senhor vê isso ?

O que eu posso dizer é que no TSE já se respondeu uma consulta sobre o assunto e a resposta foi a seguinte: em se tratando de emenda à Constituição, o número de vereadores pode experimentar mudança, sem ofensa ao artigo 16 da Constituição. O artigo 16 vale para lei, ‘não se pode alterar o processo eleitoral se não respeitado o princípio da anualidade’. Ou seja, a lei entra em vigor imediatamente mas só produz os seus efeitos um ano depois de editada. Mas, como é uma emenda, não é lei, o TSE já assentou que é possível sim alterar. Agora eu não quero é me pronunciar quanto à validade material da emenda, porque a Constituição estabelece um princípio de proporcionalidade entre o número de habitantes do município e respectivos vereadores. A Constituição impõe limites numéricos. Eu não sei, não posso dizer se essa lei está se situando dentro dos limites. Aguardemos, porque a matéria poderá vir aqui ao Supremo, como questionamento, contenda, em concreto, ou Adin e eu não posso antecipar julgamento.

Pergunta: Agora então poderiam ser feitas mudanças das regras durante o jogo por PEC?

Isso. O artigo 16, que é um artigo de fixidez, de estabilidade em matéria processual eleitoral, não estaria ofendido. Porque não é a lei que está alterando o processo eleitoral, é uma emenda constitucional, que tem um status normativo superior ao da lei, é hierarquicamente superior.

TSE

Comentário meu: Ora, mas em 2006 a Emenda Constitucional 52 foi impedida de valer naquele mesmo ano por decisão do Supremo em processo de ADIn, ao argumento de que o art. 16 da Constituição é uma cláusula pétrea. Detalhe importante, essa emenda foi a que extinguiu a verticalização de coligações partidárias, criada pelo TSE e mantida pelo STF.

Vale recordar, a propósito, o “duelo” entre os poderes Legislativo e Judiciário que, travado em 2002, repetiu-se em 2006.

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 8 de fevereiro de 2006, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 548/02, do Senado, que acabava com a obrigatoriedade de verticalização das coligações nas campanhas eleitorais. A PEC, acatada por 329 votos favoráveis e 142 contrários, tornaria explícito na Constituição que os partidos não seriam mais obrigados a vincular as alianças nas candidaturas em nível nacional, estadual ou distrital.

Pois bem, veio à luz, no dia 8 de março de 2006, a Emenda Constitucional nº. 52, que dá nova redação ao artigo 17, § 1º, da Constituição Federal, para assegurar aos partidos o poder de adotar, na forma da lei, os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais no âmbito nacional, estadual ou municipal sem a obrigatoriedade de vinculação. A validade, ou melhor, a eficácia dessa Emenda, no entanto, foi submetida ao exame do Supremo Tribunal Federal. O STF, em 22 de março de 2006, apreciando a ADI 3.685, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, julgou-a procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo que previa a aplicação do novo regime constitucional já para as eleições de 2006.

Merece destaque a rapidez com que todo esse processo transcorreu. Apenas vinte dias entre o pronunciamento do TSE sobre a matéria (Consulta 1.185/06), a promulgação da EC 52 e o julgamento da ADIn 3.685/06. Tanta celeridade se explica facilmente. É que faltavam apenas três meses para o período das convenções partidárias que definiriam os candidatos para o pleito de outubro, assim como as eventuais alianças entre agremiações. É importante observar também que o Supremo, nessa ocasião, decidiu que uma emenda constitucional que altere regras do processo eleitoral não pode, por força do artigo 16 da Constituição da República (vacatio legis eleitoral), ter eficácia no pleito a se realizar no mesmo ano de sua promulgação.


Não pôde aquela Emenda valer há dois anos, poderia esta ter eficácia agora? Qual a razão nova? O art. 16 continua o mesmo, o STF não sofreu alteração substancial no período... Eu devo estar desinformado.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Propaganda negativa

A menos de cinco meses das eleições, o Ministério Público Estadual em Caxias (371 km de São Luís) colocou em um outdoor o nome de ex-prefeitos e ex-secretários municipais que respondem a processos por mau uso do dinheiro público. O outdoor foi colocado em frente à sede da Promotoria e relaciona o nome de 11 ex-gestores públicos e o número dos processos nos quais são réus. As ações civis foram propostas pela Promotoria em Caxias, que abrange também as cidades de Aldeias Altas e São João do Sóter. Segundo o Ministério Público, o prejuízo causado aos cofres públicos nos 61 processos chega a R$ 26 milhões. Para o promotor Márcio Thadeu Silva Marques, secretário para Assuntos Institucionais do órgão, o objetivo da placa é dar transparência às ações da Promotoria. "Esse outdoor informa a população sobre a existência da ação para que as pessoas possam acompanhar os processos", disse Marques. Segundo ele, as informações não estão sob sigilo e também podem ser obtidas na internet. Para Marques, não há extrapolação da competência da Promotoria ao dar publicidade às ações. Entre os citados está o ex-deputado federal e ex-prefeito de Caxias Paulo Marinho, com 27 processos que pedem o ressarcimento de R$ 4,9 milhões. A ex-prefeita de Caxias Márcia Marinho, mulher do ex-deputado, responde a 13 processos que reivindicam R$ 2,32 milhões.


segunda-feira, 26 de maio de 2008

Mirian Leitão X Ali Kamel

A luta contra a escravidão foi um movimento cívico de envergadura. Misturou povo e intelectuais, negros e brancos, republicanos e monarquistas. Foi uma resistência que durou anos. Houve passeatas de estudantes e lutas nos quilombos. Houve batalhas parlamentares memoráveis e disputas judiciais inesperadas. Os contra a abolição reagiram nos clubes da lavoura, na chantagem econômica e nos sofismas.

O país se dividiu e lutou. Venceu a melhor tese. Pena o país ter feito o reducionismo que fixou na memória coletiva apenas o instante da assinatura da lei pela Princesa. Tudo foi varrido. Do povo em frente ao Paço à persistência para se aprovar a lei que tornou extinta a escravidão no Brasil.

Foram seis anos de lutas parlamentares para libertar os não-nascidos, após quedas de gabinetes, avanços e retrocessos. Mais luta de vários anos para libertar os idosos. Por fim, a maior das batalhas: a libertação de todos.

Lutou-se com a poesia e o jornalismo. Com a política e o Direito. Lutou-se na Justiça com as Ações de Liberdade, incríveis processos que escravos moviam contra seus donos. Os negros lutaram de forma variada: com a greve negra em Salvador, com rebeliões e quilombos. Os escravocratas adiaram o inevitável, ameaçaram com a derrota econômica, assombraram com todos os fantasmas nacionais. Pareciam vencer, até que perderam.

Fica em quem revisita a história a constatação de um erro: os abolicionistas se dispersaram cedo demais. Era a hora de reduzir a imensa distância que a centenária ordem escravagista havia criado no país. Venceu a idéia de que, deixado ao seu ritmo, o país faria naturalmente a transição da escravidão negra para um outro país, sem divisões raciais. Idéia poderosa esta da inércia salvacionista. Ela construiu o imaginário de um país sem racismo por natureza, que teria eliminado o preconceito naturalmente, como se as marcas deixadas por 350 anos de escravidão fossem varridas por um ato, uma lei de duas linhas. Ainda há quem negue, hoje, que haja algo estranho numa sociedade de tantas diferenças.

O manifesto contra as cotas tem alguns intelectuais respeitáveis. Mais os respeitaria se estivessem pedindo avaliações e estudos sobre o desempenho de política tão recente; primeira e única tentativa em 120 anos de fazer algo mais vigoroso que deixar tudo como está para ver como é que fica. O status quo nos trouxe até aqui: a uma sociedade de desigualdades raciais tão vergonhosas de ruborizar qualquer um que não tenha se deixado anestesiar pela cena e pelas estatísticas brasileiras.Ora, direis: o que tem o glorioso abolicionismo com uma política tópica — para tantos, equivocada — de se reservar vagas a pretos e pardos nas universidades públicas?


Ora, a cota não é a questão. Ela é apenas o momento revelador, em que reaparece com força o maior dos erros nacionais: negar o problema para fugir dele. Os “negacionistas” — expressão da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP — sustentam que o país não é racista, mas que se tornará caso alguns estudantes pretos e pardos tenham desobstruído seu ingresso na universidade.

Erros surgiram na aplicação das cotas. Os gêmeos de Brasília, por exemplo. Episódios isolados foram tratados como o todo. Tiveram mais destaque do que a análise dos resultados da política. Os cotistas subver teram mesmo o princípio do mérito acadêmico? Reduziram a qualidade do ensino universitário? Produziram o ódio racial? Não vi até agora nenhum estudo robusto que comprovasse a tese manifesta de que uma única política pública, uma breve experiência, pudesse produzir tão devastadoras conseqüências. Os órgãos de comunicação têm feito uma enviesada cobertura do debate. Melhor faria o jornalismo se deixasse fluir a discussão, sem tanta ansiedade para, em cada reportagem, firmar a posição que já está explícita nos editoriais. A mensagem implícita em certas coberturas só engana os que não têm olhos treinados.Ora, direis, que vantagens podem ter políticas que atuam apenas no topo da escala educacional? Ter mais pretos e pardos junto aos brancos, nas universidades públicas, permite a saudável convivência no mesmo nível social. Na minha UnB, não havia negros; na atual, há mais de dois mil. Isso é um começo num país com o histórico do Brasil.

Melhorar a educação pública sempre será fundamental para construir o país futuro, mas isso não conflita com outras políticas desenhadas diretamente para derrubar as barreiras artificiais e dissimuladas que impedem a ascensão de pretos e pardos. O vestibular não mede a real capacidade do aluno de estar numa universidade, mas, sim, quem aprendeu melhor os truques dos cursinhos. Há muito a fazer pelo muito não feito neste longo tempo em que se esperou que, deixando tudo como está, tudo se resolveria. Ajudaria se intelectuais, ou não, quisessem avaliar as políticas de ação afirmativa, em vez de ter medo delas.

O racismo brasileiro é ardiloso e dissimulado. A luta contra ele será longa e difícil. Será mais eficiente se unir brancos e negros. Será mais rápida se o país não acreditar nas falsas ameaças de que tocar no assunto nos trará o inferno da divisão por raças. Ora, a divisão já existe; sempre existiu. O que precisa ser construído são os caminhos do reencontro.

Mirian Leitão

Não entendeu a polêmica com Ali Kamel-não-somos-racistas? Clique aqui.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral pede ao TSE...

Os participantes do Seminário Nacional de Juízes, Promotores e Advogados Eleitorais, que integram o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), pediram que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mantenha fora da disputa eleitoral de 2008 os candidatos que tiveram registro negado pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) por terem vida pregressa incompatível com a moralidade.


O presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, que recebeu o grupo nesta quarta-feira (21), garantiu que a questão será avaliada com atenção pelos ministros, assim que algum recurso relacionado com o caso for ajuizado no Tribunal. O ministro reconheceu que o mais importante na proposta é a atitude do grupo. “Vejo que há uma inquietação quanto ao descompasso entre prática e política. Quando vemos pessoas empenhadas ficamos felizes e confortados”, disse durante a reunião.

Em setembro de 2006 a questão entrou pela primeira vez na pauta do TSE. Foi no julgamento de um recurso do deputado federal de Eurico Miranda (PP-RJ), que teve pedido de registro indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) e, posteriormente, deferido pelo TSE. Hoje o ministro Carlos Ayres Britto reafirmou que a questão pode voltar ao Tribunal desde que seja em forma de processo, em caso concreto. “O TSE terá que se debruçar sobre o assunto. O ministro relator fará o relatório e voto, podendo seguir o precedente ou inovar. Certamente, se for para inovar, com o aporte de novos fundamentos”, afirmou Britto.

Em carta entregue ao ministro, os representantes do MCCE defenderam a efetividade da Lei 9.840/99, na parte em que trata da execução imediata das decisões referentes às condutas vedadas em eleições. Além disso, o grupo propõe a participação dos cartórios eleitorais como espaços para coletas de assinaturas para viabilizar a apresentação de projetos de iniciativa popular.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Com a bênção de Gravatinha

Por João Marcelo Garcez


Quando Washington subiu para cabecear o escanteio batido por Thiago Neves, milhares de tricolores, congelados pelo nervosismo da pseudo-desclassificação, prenderam a respiração. Na derradeira oportunidade da partida, o semestre dependia do êxito na conclusão do atacante. Sentado na quina da baliza são-paulina (junção da trave com o travessão) estava Gravatinha, evocado por tudo e por todos no mais importante momento da centenária história do Fluminense. Semblante plácido, limitou-se a apontar para aonde o Coração de Leão deveria colocar a bola. Com leveza e maestria, Washington subiu mais que a marcação e estufou a rede de Rogério Ceni. Explosão e alívio no Maracanã, que recebeu uma daquelas partidas imortais. Time e torcida, num só compasso, não cabiam em si de tanta emoção. Extasiados, pareciam envoltos por um imenso coração rodriguiano. Uma linda e épica festa de um clube que se agigantou de tal forma que está a dois passos de escrever a mais importante página de sua rica e gloriosa história. Time e torcida? Ah, continuaram por lá, se abraçado, se aplaudindo… Se ficassem assim para sempre, seriam felizes para sempre. Com a bênção de Gravatinha!

Que lindo!!!!!!



Em noite histórica no Maracanã, com 80 mil torcedores, o Fluminense venceu o São Paulo por 3 a 1, com dois gols de Washington e um de Dodô, e está nas semifinais da Copa Libertadores.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A pauta dos diálogos

DIÁLOGOS DEMOCRÁTICOS
Os novos papéis do Judiciário na democracia pós-88

Entrevistas

Mediador: Mauro Almeida Noleto


Carlos Britto: “Em matéria eleitoral vale a idéia de limpeza ética”

Sepúlveda Pertence: Desafios do Judiciário na Democracia.

Fernando Neves: Sobre o processo judicial eleitoral.

Gilmar Mendes: O novíssimo controle de constitucionalidade brasileiro.

Luiz Werneck Vianna: Judicialização da política: rumo à democracia jurisdicional?

Jairo Nicolau: Reforma política e eleitoral: De quê estamos falando?

Luis Roberto Barroso: Princípios jurídicos: justiça positivada ou discricionariedade legitimada?

Ricardo Noblat: A imprensa e a justiça se entendem?

Márlon Reis: Soberania popular e combate à corrupção eleitoral: custos democráticos do direito eleitoral.

Antonio Fernando Souza (PGR): A independência do fiscal da lei.

Walter Costa Porto: A República e os Tribunais: um século em revista.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Vem aí: Diálogos Democráticos pela Rádio Justiça

O "Diálogos Democráticos", série especial de entrevistas que será veiculada pela Rádio Justiça, pretende traçar amplo e multidisciplinar perfil do Poder Judiciário na sociedade brasileira. O pano de fundo é, pois, a experiência democrática contemporânea nesses vinte anos de vigência da "Constituição Cidadã".

Os novos modos de atuação judicial, tão presentes no cotidiano nacional, são prova notável da eficácia do texto constitucional. Foi a Constituição de 1988 que apostou na solução judicial dos conflitos sociais, ampliando o controle de constitucionalidade das leis e reforçando instrumentos como a ação civil pública e a ação popular, ou inovando, ao introduzir instrumentos de controle da omissão legislativa, como o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Outra grande aposta da Constituição, que agora, duas décadas depois, podemos avaliar melhor, foi a positivação de novos direitos individuais e coletivos, além do reconhecimento de princípios fundamentais. Desde sua promulgação, o Judiciário tem aumentado sensivelmente a participação na definição dos grandes problemas e conflitos nacionais. Suas respostas, no entanto, parecem exigir uma nova maneira de compreender o processo decisório que se passa nos tribunais. Sentenças de perfil aditivo, para usar uma expressão do Min. Gilmar Mendes, passaram a ser deveras frequentes; argumentação e fundamentação decisória calcada em princípios também ocorrem com notável regularidade no dia a dia das Cortes de Justiça.

Todo esse quadro, em que se destaca a participação ativa do Poder Judiciário, tem provocado, no entanto, críticas de setores acadêmicos e políticos apegados à visão clássica da teoria da separação dos poderes do Estado. Há quem afirme que este novo Judiciário avança sobre a seara reservada aos outros poderes, especialmente o Legislativo. Quando o TSE, por meio de interpretação, costruiu a tese da verticalização de coligações partidárias, houve muitas reações. O mesmo ocorreu, mais recentemente, com o episódio da fidelidade partidária, medida judicial de grande relevo para o saneamento dos costumes políticos.

Aí reside a importância destes "Diálogos Democráticos", ou seja, promover a reflexão, a partir de pontos de vista privilegiados dentro da magistratura, mas também fora dela (imprensa, advocacia, academia...), sobre a pertinência dos modelos clássicos de compreensão da atividade judicial na vida contemporânea.

Parte-se, portanto, do fato de que o Poder Judiciário brasileiro é hoje uma promessa realizada da Constituição de 1988, que, no entanto, desafia a melhor compreensão de seus próprios agentes e, mais ainda, de seus observadores.

Sobre o mediador:

Mauro Almeida Noleto é mestre em Direito e Estado (1997) pela Universidade de Brasília e especialista em Direito Constitucional-Eleitoral (2006) pela mesma Universidade. Leciona a disciplina Direito Eleitoral no Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). É analista judiciário do Supremo Tribunal Federal, onde atua como consultor jurídico da TV Justiça. Foi assessor do Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence no STF (1998-2003); foi Chefe de Gabinete da Presidência do TSE na gestão do Min. Pertence (2003-2005). Foi coordenador da Escola Judiciária Eleitoral do TSE na gestão do Min. Carlos Velloso (2005-2006). Foi assessor da Ministra Cármen Lúcia do STF (2006). Lecionou as disciplinas Introdução ao Direito e Monografia Jurídica (IESB e UNICEUB). É autor do livro "Subjetividade Jurídica - a titularidade de direitos emperspectiva emenacipatória", Sergio Fabris Editor, 1997.

hemorragia

... sei de todas elas, estas
bactérias da inconsciência
febril, doente
letras vomitando
abro-me as veias
para o conhecimento
meu sangue espesso
rubro vertendo

domingo, 18 de maio de 2008

Um diálogo entre juristas II

Após breve apresentação, o jurista tópico continua ditando o tom da conversa com o jurista lógico:

- Não é missão do juiz realizar a justiça de maneira imediata...

- Como? Não é missão do juiz fazer justiça com suas decisões? Quem pode sustentar tal coisa?

- Karl Larenz. Creio que tenha se precipitado com a palavra "imediata". Quando disse que a realização imediata (da justiça) não é sua missão, deverias alegrar-te, pois, contra o sociologismo e o Freirecht (direito livre), se afirma a importância do sistema, ou seja, das leis positivas, dos aportes conceituais da dogmática e dos precedentes judiciais. O juiz não pode se basear arbitrariamente em um topos para administrar a justiça, ele há de buscar uma decisão de acordo com as regras positivas, o direito posto, mas também com os princípios valorativos que servem de fundamento a tais regras e ainda com as pautas oferecidas nos precedentes. É missão da Ciência do Direito mostrar tudo isso. Não basta uma coleção de pontos de vista. Insisto nisso: não se pode deixar à livre escolha do juiz o topos aplicável. A Ciência do Direito, na opinião de Larenz, tem que tornar visíveis as conexões de sentido e o contexto espiritual do ordenamento jurídico, para o que há proceder sistematicamente, isso não quer dizer que todas as regras e conceitos jurídicos nos cheguem apenas por meio da lógica.

- E, se surge um problema novo, quer dizer, sem resposta pela autual Ciência do Direito?

- O sistema deve modificar-se para dar uma resposta satisfatória. A Tópica e o Sistema Aberto não se excluem, ao contrário, se exigem e se complementam. Assim afirmam Wieacker, Zippelius, Kriele e Coing, entre outros.

Tanta flexibilidade do sistema e tanta adequação aos novos problemas não diminuem a segurança jurídica? Parece que esse é o preço a pagar pelo afã casuístico e particularista.

- Esse é o afã da Common Law, extraordinariamente fecundo. Também foi esse o da jurisprudência romana clássica. É possível criticar esses sistemas por falta de segurança jurídica? Ademais, a legitimidade do topos reside no consenso e, ainda que este não seja garantia absoluta de racionalidade jurídica, tem a virtude de salvaguardar a segurança jurídica, pois as premissas se legitimam em função da aceitação do interlocutor. As premissas, os tópicos não levam necessariamente à decisão final - assim se cairia no puro decisionismo. Ocorre um processo seletivo e dialético, que se desenvolve sistematicamente para selecionar a opção justa e também formalmente correta. Claro que entender a Tópica como busca de premissas leva a afirmar sua insuficiência como teoria metodológica, uma vez que ela estaciona no primeiro estágio do raciocínio jurídico.

- Disseste que o método tópico foi usado em Roma. Será que Viehweg quer ressuscitar a tópica com base em que os juristas romanos - e também os medievais - estavam mais ocupados em encontrar argumentos do que em construir um sistema conceitual?

- Na verdade, Viehweg se pergunta se a jurisprudência romana seguiu ou não o modo tópico de atuar. Sua pesquisa, porém, não é propriamente histórica, mas de fundamentos. Ele reconhece que seu estudo é um projeto inacabado, que sua pretensão era ressaltar um ângulo poucas vezes observado...

(continua)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Resposta indecente


Olho da rua


Avisa lá

O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), indagou hoje (15) ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto (foto), qual é a posição do TSE sobre a validade da candidatura de políticos com processos criminais pendentes. Carlos Ayres Britto informou que, em 2006, o tribunal permitiu a candidatura de políticos com esse perfil, porque a maioria dos ministros entendeu que o princípio constitucional da não-culpabilidade se estende da área penal para a eleitoral. Porém ele lembrou que o tema poderá voltar à discussão neste ano com o surgimento de novos processos.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O declínio de um clã

Por Idelber Avelar


O declínio de um clã tende a ser mais melancólico que o de uma pessoa, já que ao indivíduo costuma estar dada a possibilidade de ir descendo com um pouco mais de dignidade. Os clãs, especialmente os da política, têm excessivas obrigações, digamos, teatrais. Quanto maiores e mais poderosos são, mais ampla será a discussão interna acerca de como admitir, com classe, que sofreram a derrota emblemática, a que indica, nas palavras do NYT, uma troca da guarda. É a história dos Clinton nos últimos poucos meses e, especialmente, nesta semana.

“Derrota” aqui é relativo, claro. Hillary continua senadora poderosa de NY e Bill uma referência ineludível de presidente de sucesso, apesar de tudo. Eles mantêm considerável poder de barganha e força no partido. Mas a história recente indica a derrota, mais que da candidatura Hillary, da estratégia que os Clinton canonizaram nos 90: a combinação entre a apropriação de bandeiras republicanas -- rigor fiscal, “transição do welfare para o trabalho” etc. --, as táticas violentas de corpo-a-corpo contra os adversários políticos e um componente populista com algumas bandeiras, defendidas com a consciência de que apelos simbólicos bem manipulados são suficientes para manter feliz uma parte cativa do eleitorado do Partido Democrata (leia-se aqui: negros).

Este último componente sustentou aquele escandaloso mito, o de Bill Clinton como o “primeiro presidente negro” dos EUA -- idéia que talvez seja a principal baixa, o mais ilustre cadáver da campanha destas primárias, em que Hillary concorreu contra Barack Obama como se ela fosse a candidata do Partido Republicano. Os Clinton não esperavam cair assim: no ano da “candidata inevitável” (slogan da campanha de Hillary até aproximadamente jan./08), surpreendidos por um garoto de 40 e poucos anos, senador júnior, ao mesmo tempo de origem humilde e de Harvard e, para piorar, mais brilhante retoricamente que Bill, pondo-o no chinelo na batalha discursiva da campanha. Para completar o baile, ainda por cima, o cara é preto. É surpresa demais para quem traz a história que trazem os Clinton.
Por isso há que se dar tempo para combinem entre si a forma mais elegante de ir admitindo a derrota (de qualquer forma, não interessa a Barack Obama ser coroado semi-oficialmente na semana que antecede a primária da Virgínia Ocidental). Esta derrota não seria difícil de assimilar para um grupo menos ambicioso que os Clinton: caramba, não é vergonha para ninguém perder por aproximadamente 52 x 48 no cômputo geral, mantendo um assento no senado por Nova York e a opção de ser líder da maioria ou qualquer outra coisa que quiser (não a Vice-Presidência na chapa Obama, que não é boa idéia para ninguém). Mas, para os Clinton, é uma dinastia que se desmorona.

Quando se diz aqui “os Clinton”, entenda-se não só Bill e Hillary, mas todo um grupo (cuja estratégia política fica em mãos de James Carville, Mark Penn etc.) que é diretamente responsável por uma campanha eleitoral que foi a maior acumulação de sandices das Américas desde que Parreira inventou o 6-0-4. Primeiro havia que se coroar Hillary antes de começar o jogo, pois era a candidata “inevitável”. Esta tática durou até as primárias de Iowa – estado branquelíssimo -- em que Barack levou, John Edwards ficou em segundo e Hillary em terceiro. Daí houve o breve momento pseudo-feminista da campanha, a rápida virada de Hillary em New Hampshire com o choro emocionado num diner e o tema do I found my voice. Quem conhecia sua trajetória com as bandeiras feministas --- assim como com as sociais, as raciais, as democráticas – sabia que a transcendência delas para Hillary sempre havia sido eminentemente eleitoral. Feministas atrás de feministas atrás de feministas já haviam aderido à campanha de Obama. Em todo caso, o momento morreu ali porque nas primárias seguintes Obama passou a vencer também entre as mulheres, na maioria dos estados.

Daí foi morro abaixo: dos ataques pessoais contra Obama inaugurados na Carolina do Sul aos argumentos usados para desqualificar os estados que votaram nele na Super-terça, definiu-se o que seria o perfil da campanha de Hillary. Era a chamada kitchen-sink strategy, que se poderia traduzir livre e futebolisticamente como abaixo do gogó tudo é canela ou se não sangrou nem fraturou, não é falta. A barragem de ataques foi coisa que não se via em décadas no Partido Democrata. Paralelamente, operava a tática da inevitabilidade: as vitórias do adversário haviam que ser desqualificadas. Não valem vitórias em estados que certamente votarão Republicano no outono (Utah, Idaho), não valem vitórias no Sul de concentração negra (Mississippi, Geórgia, Louisiana), não contam os estados que usam assembléias em vez de cédulas (Maine, Alaska, Kansas). Havia que se pensar no candidato que poderia derrotar McCain nos chamados swing states. Daí Obama passa a vencê-la em vários swing states (Virgínia, Colorado, Wisconsin, Missouri) e a estratégia da desqualificação assinada por Mark Penn e Carville em nome dos Clinton passa a precisar de malabarismos ainda mais mirabolantes. A última tentativa foi grudar em Obama o rótulo de inelegível porque ele continuava perdendo entre o eleitorado hillbilly dos Apalaches...

Leia a íntegra dessa excelente análise da campanha americana no blog do autor: o biscoito fino e a massa.

Ativismo judicial

por Maurício Rands


Quando os poderes Executivo e Legislativo não conseguem entregar os serviços públicos que esperamos, somos logo tentados pelas soluções simplistas. Quando a justiça é lenta, a tentação é a de fazê-la com as próprias mãos. Quando a reforma política resta paralisada no Congresso Nacional, recorre-se ao Poder Judiciário para que este estabeleça a fidelidade partidária, reduza o número de vereadores ou cancele a cláusula de barreira. Quando se discorda de certa obra pública, pede-se ao Ministério Público que a questione judicialmente. Quando um partido perde uma votação no plenário da Câmara ou do Senado ou discorda de um ato do Executivo, ingressa com Ação Direta de Inconstitucionalidade, como se o Judiciário fosse uma espécie de “plenário legislativo de segundo grau” (de 2003 até o presente, foram 36 ADIs propostas pelo DEM e 12 pelo PSDB). A tentação traz ao debate a questão das atribuições e dos limites dos Poderes da República.
Executivo e Legislativo, eleitos pelo voto direto, são os instrumentos através do qual o povo exerce o seu poder soberano (artigos 1º, parágrafo único, e 14, Constituição Federal). A eles cabe a formulação e a execução das políticas políticas. Ao Judiciário, a guarda da Constituição (artigo 102, CF) e das leis. Portanto, é de se indagar: quando e em que circunstâncias é legítimo o chamado ativismo judicial?
O problema surge quando, à guisa de preservar a Constituição ou de interpretá-la, o juiz extrapola seus poderes e passa a formular políticas públicas (ou cancelá-las), às vezes impondo suas preferências pessoais. O ativismo judicial, um fenômeno há muito discutido aqui e alhures, pode ser definido como o ato de "ignorar o pleno significado da Constituição em favor da visão pessoal do juiz" (Kermit Roosevelt 3º, "The Mith of Judicial Activism", 2006). Ou como a substituição dos Poderes Executivo e Legislativo pelo Judiciário na formulação e execução de políticas públicas.
Pode significar a alienação da soberania popular, expressa através dos mandatários eleitos pelo sufrágio universal, transferindo-a a um corpo técnico não eleito. Um recente best-seller sobre esse debate nos Estados Unidos (Mark Levin, "Men in Black: How the Supreme Court is Destroying America", 2005) alega que alguns juízes "têm abusado do seu mandato constitucional ao impor suas crenças e preconceitos pessoais ao restante da sociedade. E, assim, têm elaborado a lei, mais do que interpretado-a". Há muito o assunto tem despertado a observação crítica de grandes presidentes americanos. Em seu discurso inaugural, em março de1861 , Lincoln já advertia que, se as políticas públicas fossem deixadas nas mãos dos juízes, "o povo deixaria de ser seu próprio governante".

Theodore Roosevelt refutou a idéia de que "o povo tivesse entregue a um conjunto de homens o direito de determinação das questões fundamentais sobre as quais depende em última instância o livre autogoverno". E Franklin D. Roosevelt, seu primo, em defesa do "New Deal" e sua legislação social ameaçada pelo conservadorismo da Suprema Corte, acusou-a de "atuar não como um corpo judicante, mas como um corpo formulador de políticas públicas". Os excessos ativistas podem ser de esquerda ou de direita. A Suprema Corte americana presidida por William Rehnquist foi uma das mais conservadoras e ativistas da história. A corte que nos anos 50 considerou inconstitucional a segregação racial nas escolas, um exemplo de ativismo de esquerda. A questão, portanto, não é um debate entre esquerda e direita. Diz respeito à soberania popular na formulação e execução das políticas públicas. Soberania que, no regime constitucional republicano da democracia representativa, é exercida através dos representantes do povo mandatados para exercê-la no Legislativo e no Executivo, sob o controle de constitucionalidade e legalidade atribuído ao Poder Judiciário.

No Brasil, esse debate se torna necessário para o próprio fortalecimento da legitimidade do Judiciário. Muitas das ações que lhe têm sido submetidas buscam pronunciamentos que, em verdade, são da responsabilidade dos outros Poderes. E, com isso, desvia-se o Judiciário das suas reais atribuições, em desserviço ao seu augusto papel de garantidor do Estado Democrático de Direito.

Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2008

terça-feira, 13 de maio de 2008

Foi mal



Aroeira

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Um diálogo entre juristas

A primeira vez que ouvi falar em "teoria tópica" foi nas aulas de professor Gilmar Mendes, ainda na graduação da UnB, início dos noventa. Foi quando li o precioso "Tópica e Jurisprudência" de Theodor Viehweg. Consegui a edição de 1979, traduzida por Tércio Sampaio Ferraz Jr., que havia sido aluno do autor, entre 1965 e 68. Não dei continuidade a seu estudo na época, infelizmente, pois acho que me valeria bastante na investigação que passei a fazer sobre subjetividade jurídica.

Voltei à tópica por indicação de um amigo, o professor Rodrigo Kaufman, que me emprestou outro texto instigante, o livro de Juan Antonio Garcia Amado, "Teorias de la Tópica Jurídica". Edição de 1988, Civitas, Madrid. Ali pude perceber melhor o alcance da teoria para explicar certos movimentos da jurisprudência constitucional e eleitoral brasileira.

Apliquei o modelo na análise da jurisprudência do TSE quando me especializei em Direito Eleitoral na UnB. Boa parte dos apoios bibliográficos de minha pesquisa vieram da internet. Uma das descobertas foi a Revista Telemática de Filosofia del Derecho.

Foi lá que encontrei o texto que dá título a este post: "un diálogo entre juristas", de Jerónimo Corral Genicio. Um belo exercício dialético, bem ao estilo clássico.

Faz tempo tenho pensado em traduzí-lo, embora a leitura no original não seja tão complicada. Mas, creio estarmos vivendo uma verdadeira mudança em nossa cultura jurídica. O Judiciário é o novo ator do palco da formação do Direito brasileiro. E a teoria tópica se dedica a examinar o momento que antecede a formação da vontade decisória, a busca e o manejo das premissas decisórias. O que ela pretende mostrar é que essas premissas não são necessariamente as regras do sistema normativo, mas valores, opções éticas, princípios, topoi, uma lógica material que é muito mais presa aos fatos, aos problemas concretos, do que aos conceitos dogmáticos do sistema normativo. Algo muito parecido, a meu ver, com o que estamos a vivenciar.

Resolvi começar aqui n'APonte a tradução. Ei-la:

- Apresento-me. Sou um jurista convencido do brilho e do acerto do método axiomático-dedutivo.

- Eu sou o jurista tópico. Aqui conversaremos sobre a necessidade da argumentação racional no Direito e de substituir a lógica formal impessoal por uma lógica do razoável, para uma disciplina que, definitivamente, se baseia na intersubjetividade humana e na justiça que há de guiar toda alteridade. Do que se trata - e quanto a isto nenhum operador jurídico há de discordar -, é que a nossa legislação soluciona os problemas da convivência social, e por isso cabe a nós, os teóricos, elaborar uma técnica que oriente para a solução mais justa, mais razoável e mais de acordo com a ordem positiva, de tais problemas.

- Bem, se vamos refletir sobre nossos respectivos métodos, estaremos fazendo metodologia, estás de acordo?

- Estou.

- E como é possível que uma teoria do método esqueça o conceitual e se converta em tópica? Pois afirmo que não há método sem sistema.

- É que a sistemática própria do Direito é ser intrinsecamente problemática. Ou, se preferes, o problema vive enraizado no sistema, de maneira latente, e é a vida, com seus interesses, valores, necessidades, quem o torna manifesto.

- Vejo que falas conjuntamente de problema e de sistema. Não são irreconciliáveis os métodos de pensamento sistemático e problemático? Porque, no primeiro, as respostas se encontram por derivações lógicas dos elementos do sistema, rechaçando aquelas questões que não se ajustam a ele, enquanto que, no segundo, o centro de gravidade gira em torno do enunciado, relativizando a importância do sistema, que pode ser capaz ou não de oferecer uma solução.

- Nós tópicos não somos tão ingênuos, ou tão devotos do sentimento jurídico dos juízes como que para dar a eles uma liberdade assistemática na aplicação dos topoi. Já advertia Cícero que a disertatio se compõe de uma fase inventiva e outra formativa do juízo. À primeira corresponde a tópica, a ars inveniendi, ou de busca de premissas; e a segunda é dialética e corresponde à ars iudicandi.

(continua...)

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Os juízos do novo Presidente do TSE

O ministro Carlos Ayres de Britto, no Supremo Tribunal Federal desde 2003, assumiu ontem, por dois anos, a presidência de turno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ontem também, o jornal Valor lhe atribuiu a intenção de evitar o excesso de declarações públicas - à diferença do seu antecessor, Marco Aurélio Mello, de longe o mais loquaz dos integrantes das instâncias superiores do Judiciário. Britto pretenderia evitar comentários sobre assuntos pendentes de julgamento. É o que determina o princípio, infelizmente nem sempre seguido à risca, de que juiz só fala nos autos. Antes fosse tão simples nesse caso. O novo titular do TSE entende que a Justiça Eleitoral tem o papel de orientar o sistema político, pois uma das suas principais atribuições é dirimir questões da legislação sobre as quais têm dúvidas os partidos e os mandatários que a consultam.


O problema é o exercício dessa atividade tida como pedagógica, em circunstâncias de todo diversas - quando o magistrado aceita se pronunciar sobre questões políticas que lhe são levadas pela imprensa. Foi o que fez o ministro Britto, numa atitude paradoxal, à luz do seu manifesto propósito de ser parcimonioso nos comentários para a mídia.

De fato, na segunda-feira, a Folha de S.Paulo publicou uma série de juízos de valor que ele se permitiu emitir com desenvoltura sobre a política nacional. Ainda que estivesse rigorosamente coberto de razão em tudo que afirmou, o resultado é inquietante - e não só tendo em vista o citado princípio que restringe aos autos dos processos o espaço para a expressão dos julgadores. Uma das servidões que a vida pública impõe aos que a escolheram é a de não poder dizer o que se pensa com a mesma naturalidade de um cidadão privado - porque os efeitos são diferentes.

Mas, se disso antes não sabiam ou suspeitavam, agora os políticos - e os eleitores que tomaram conhecimento da entrevista de Britto - estão cientes de que, para o primeiro entre os pares da mais alta corte eleitoral do País, os partidos são 'a tristíssima expressão de um sepulcro caiado, que por fora está pintadinho, mas por dentro é uma putrefação só'. Decerto é o que acha parcela ponderável da sociedade - e não faltará quem observe que nem sequer o sepulcro 'por fora está pintadinho'.

No entanto, isso não altera a inconveniência da avaliação. Imagine-se, apenas para argumentar, o escândalo que seria um presidente da Câmara ou do Senado desqualificar, até com palavras menos contundentes, os órgãos que formam a estrutura do sistema judicial brasileiro. Ainda não é tudo. Os motivos que levaram o presidente do TSE a recorrer àquela analogia também chamam a atenção.

Solicitado a mencionar os principais temas que espera resolver antes das eleições municipais deste ano, Britto respondeu que, em primeiro lugar, 'precisamos aperfeiçoar o sistema de fidelidade partidária que nós implantamos no ano passado'. Deixou claro de saída, portanto, que esse aperfeiçoamento cabe à Justiça Eleitoral e não ao Legislativo.É água para o moinho da chamada judicialização da política, esse indesejável estado de coisas nascido - é bem verdade - da inaptidão, ou inapetência, do sistema partidário de reformar pelo menos os aspectos mais criticáveis de seu funcionamento. O que o ministro entende por aperfeiçoar é tornarem-se os partidos fiéis a si próprios. A intenção é evidentemente meritória, mas o juiz da menor ou maior afinidade entre o programa e as práticas de cada legenda só pode ser o eleitor.

Se é utópico esperar do grosso do eleitorado que vá às urnas resolvido a punir as siglas incoerentes e premiar as outras, paciência. Essa não pode ser atribuição do Judiciário - e, se pudesse, não se imagina como dela se desincumbiria a instituição para cobrar dos partidos a fidelidade que passou a cobrar dos seus parlamentares.

Tampouco parece louvável o titular do TSE, querendo ou não, respaldar com a sua autoridade - e de forma absolutamente taxativa - idéias no mínimo polêmicas, como a de que uma única reeleição 'já fragilizou a pureza do regime republicano'. Ou mesmo a de que 'o financiamento público de campanha é uma idéia cujo tempo chegou'. Dedique-se o ministro ao cumprimento das leis eleitorais. Já não será pouco.

Editorial do Estadão

Pediu pra sair

"Neste ato, viso a alternância, despedindo-me da corte e retornando ao Supremo e, com isso, deixando de servir, o que é muito difícil, muito sacrificante principalmente na área administrativa, a dois senhores”.


Min. Marco Aurélio, surpreendendo a todos os presentes à posse do novo Presidente do TSE, ao comunicar seu afastamento da Corte Eleitoral. Ele teria pelo menos mais 10 meses de mandato como ministro vogal do TSE, passando a receber processos da distribuição. Seria, ao que parece, a primeira vez que um Presidente da Corte voltaria à bancada, ao invés de renunciar ao resíduo de mandato. Com a renúncia de Marco Aurélio, abre-se mais uma vaga do STF no TSE que, pela ordem de antiguidade, seria preenchida pelo Ministro Eros Grau.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Britto: "Vamos ter boas novidades"

Propaganda na internet


Um dos temas, seguramente, é o controle ou não da mídia eletrônica a partir dos blogs. Isso virá à tona. A propaganda eleitoral via internet, via e-mail, via blog vai aflorar. Outro tema que virá à tona é o da vida pregressa do candidato.

Fidelidade

A democracia é um processo de aperfeiçoamento. É um processo cumulativo de qualificação. A democracia é crescentemente superavitária, ela incorpora mais saldos à sua conta bancaria e aos seus estoques de boas novidades. Nesse crescendo democrático, nós estamos pugnando pela fidelidade do filiado ao seu partido, mas em um segundo momento, nós encontraremos mecanismos para impedir, ou pelo menos dificultar, o mandonismo partidário, a oligarquia endógena partidária. Nós vamos chegar a esse ponto. O aperfeiçoamento também vai passar por esses questionamentos das figuras dos donos dos partidos, porque nós temos recebido esse tipo de queixa e é procedente. Os filiados dizem: “Vocês nos cobram fidelidade. A fidelidade a um partido que tem dono dirigido por oligarcas, cesaristas, mandões, coronéis, de terno e gravata”. Eles estão certos. Nós vamos aperfeiçoar o processo para divulgar essa idéia e criar mecanismos de que o partido tenha um compromisso, deva respeito a si mesmo, deva fidelidade a si mesmo. A primeira fidelidade é a do partido para com o seu programa e para com o processo democrático. Nós vamos descobrir mecanismos viabilizadores dessa idéia. Nós vamos chegar, já estamos chegando nessa fase da cobrança da fidelidade dos partidos ao seu programa e ao processo democrático, e aí o mandonismo, o cesarismo partidário, vai ser questionado.

Quociente eleitoral

Eu já tenho dito que o dogma é para ser convertido em problema. É para ser problematizado, analisado e estudado como todo problema. Se depois de problematizado, o dogma resiste a uma crítica consistente, devida, isenta, ele deve ser mantido e reverenciado de joelhos e mãos postas. Agora, se ele não resiste, é preciso ter coragem para estilhaçá-lo. O quociente eleitoral é um dogma. Ele resiste a uma análise na perspectiva, por exemplo, do eleitor soberano? A Constituição diz que o eleitor é soberano. O poder mais alto é o poder soberano. A soberania é o que está acima de tudo e acima de todos. O eleitor soberano, então, diz: “Eu vou votar em fulano de tal, filiado a tal partido” ou “eu não vou votar em nenhum candidato nominalmente, eu vou votar por sigla, nesse partido”. Aí vem a lei e diz que o partido que não conseguir o quociente eleitoral não se aproveita nem dos votos que lhe foram dados, nem seus candidatos se aproveitam dos votos que foram dados e partidos de candidatos que não tiveram votos se apropriam desses votos. O eleitor volta e diz: “Meu voto foi para onde? Não foi para meu candidato? Não, não foi. Não foi para o meu partido? Não, não foi. Espera aí, foi para um candidato de um partido que eu não votei”. Que soberania é essa?

Veja, não estou antecipando o meu voto, estou fazendo um questionamento. Eu já confirmei o que os sábios do direito já diziam desde sempre: quando o seu senso de justiça material reage a uma praxe, a uma tradição, preste atenção, ali está ou pode estar a grande oportunidade para se dar um salto quântico, de qualidade, para quem tiver coragem de problematizar os dogmas. Vão me dizer que o sistema é proporcional. Mas a gente não pode trabalhar com o sistema proporcional de outro modo, que não signifique uma apropriação indébita de votos do eleitor soberano? Isso é uma apropriação indébita. Não é possível bolar um sistema de representação proporcional impeditivo dessa apropriação. Nós temos um ranço autoritário que se disfarça, que se encobre, que se mascara. A quem serve o quociente eleitoral como cláusula de exclusão partidária, cláusula de barreira? Aos grandes partidos. É um mecanismo autoritário e elitista.

Ativismo judicial

Esse ativismo judiciário se dá no campo interpretativo, não é no campo legislativo. Eu nunca concordei com essa idéia de que nós estamos usurpando função. Não estamos. Esse nosso ativismo judiciário no campo interpretativo, ou seja, extraindo de velhos dispositivos jurídicos angulações normativas novas, isso faz parte do processo interpretativo, isso ajuda o Congresso Nacional a meditar sobre os temas e a ocupar o espaço que é dele. Qual é o espaço dele? É o legiferante. Então na medida em que a gente se antecipa no plano interpretativo apontando aspectos, visualidades, propriedades normativas, novas de velhos dispositivos, o Congresso se sente motivado.

É o novo olhar, o olhar democrático sobre o dispositivo, que pode desencadear uma reação normativa nova. Quem afirma isso no nível microscópico ou subatômico é a física quântica, que faz revelações extraordinárias. Ela diz que as coisas estão em movimento, que dialogam, se encontram, se interpenetram e se modificam. O observador, o cientista, consciente, atento, desencadeia reações no objeto, que acontece na realidade do observador e, em certa medida, do jeito que o observador quer. Se transportar isso para a área jurídica, o operador jurídico atento, consciente, tocado de pureza democrática, ética, projeta um novo olhar sobre o dispositivo que, por sua vez, revela uma angulação normativa imperceptível até então. É o que nós temos feito. Vamos ter boas novidades.

Ministro Carlos Britto, novo Presidente do TSE, em entrevista à Revista Consultor Jurídico

TSE quase salva Luis Henrique e etc.

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu nesta segunda-feira (5), em sessão extraordinária, manter a citação do vice-governador de Santa Catarina, Leonel Pavan, para se defender no processo movido contra o governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB), em que se pede sua cassação no Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED) 703.


A decisão foi tomada no julgamento de Embargos Declaratórios no RCED 703 interpostos pela defesa do governador, contra decisão do Plenário da Corte, em 21 de fevereiro deste ano, que determinou a citação do vice-governador para se pronunciar no processo. Os ministros entenderam, naquele julgamento, que a jurisprudência do TSE é no sentido de que o vice também perde o mandato nos casos de perda de mandato do titular.

O RCED foi interposto pela Coligação "Salve Santa Catarina" (PP, PMN, PV, PRONA), que representa o candidato derrotado Esperidião Amin (PP). A coligação acusa o governador Luiz Henrique de uso indevido dos meios de comunicação social, propaganda ilegal do governo em jornais de todo o estado e emissoras de rádio e televisão, com despesas pagas pelos cofres públicos, e objetivo de promoção pessoal.

Decadência

No julgamento de hoje, o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, alegou que o acórdão questionado seria omisso por não observar a decadência do prazo para que a coligação efetivasse a citação de Leonel Pavan. De acordo com o Código de Processo Civil cabe à recorrente promover a citação de todos os litisconsortes passivos necessários, no prazo de três dias. O ministro Marco Aurélio, ao término da sessão, disse que mostrou coerência no voto. “É um prazo de três dias que não pode ser elastecido para mais de ano a partir de um apego à segurança jurídica. Eu penso que a segurança jurídica está na observância dos prazos assinados em lei”, afirmou. Ao votar, o ministro afirmou que ainda que estivesse configurada a jurisprudência do Tribunal, esta “não teria o condão de colocar em plano secundário a disciplina relativa ao prazo para impugnação dos diplomas”.

Divergência

Em seguida, votou o ministro Carlos Ayres Britto, que abriu divergência. De acordo com ele, “o vice é eleito com o titular e, como acessório, segue a sorte do principal, sobe com ele, desce com ele”. Ainda de acordo com o ministro Carlos Ayres Britto, “quando o autor propôs o RCED o fez segundo as regras do jogo, segundo a interpretação consolidada das regras do jogo. Então não cometeu equívoco nenhum”. Também o ministro Joaquim Barbosa votou pela divergência: “A coligação embargada não tinha motivo para promover a citação do vice porque a jurisprudência da Corte era em sentido contrário. Esse embargo inova radicalmente”.

Os ministros Ari Pargendler e Arnaldo Versiani também votaram com a divergência. Votou com o ministro Marco Aurélio o ministro Felix Fischer.


Comentário meu: Se o entendimento do Min. Marco Aurélio vingasse, o processo contra o Governador de SC seria extinto sem o julgamento do mérito, pois seria reconhecida a decadência do direito da Coligação autora em relação ao pedido de cassação do diploma de Luis Henrique.

Agora o detalhe que a notícia do TSE não deu: foi o próprio TSE que mudou sua jurisprudência, para aceitar a tese do Min. Marco Aurélio de que não basta que o autor do pedido peça a cassação do titular do mandato, deve pedir também a de seu vice. Até então a jurisprudência do TSE era sólida no sentido de que a citação do Governador (cabeça da chapa) dispensava a citação do vice para se defender das acusações, pois a impugnação é da chapa, não dos candidatos isoladamente. Pois bem, o TSE mudou a interpretação, anulou todos os atos processuais já praticados, inclusive os três votos já proferidos e favoráveis à cassação do Governador por abuso de poder, determinou a citação do vice e aí, em embargos de declaração, quase decidiu que seu próprio acórdão deveria ser cassado porque a coligação deveria ter pedido a citação do vice desde o início do processo, obedecendo o prazo decadencial de 3 dias, contados da diplomação, para o ajuizamento do Recurso contra a Expedição de Diploma!

Quando teve a palavra para votar, logo depois do Presidente, o Min. Britto, que toma posse hoje na Presidência, disse que era preciso resguardar a segurança jurídica; que o próprio TSE, com a guinada radical que promoveu na sua jurisprudência sobre o tema, é que deu causa a essa "reabertura de prazo para citação" do vice; não poderia agora dizer que a parte havia perdido o prazo para fazê-lo, porque quando o processo foi ajuizado no Tribunal esse não era o entendimento dominante. O Ministro ainda falou que era preciso evitar o que denominou "babel" interpretativa, para proteger a segurança jurídica. O presidente que sai não gostou, mas ficou vencido.

Para finalizar, imeginem os efeitos da decisão pretendida por Marco Aurélio: reconhecer a decadência de todos os processos atualmente em curso que, obedecendo a orientação anterior do TSE, não tiveram a citação dos vices. Anistia processual ampla e irrestrita. Que perigo!

Natureza administrativa da prestação de contas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou, na sessão extraordinária desta noite (5) o entendimento de que não cabe recurso especial ou ordinário contra acórdão de Corte Regional que analisa prestação de contas de candidatos, por tratar-se de matéria puramente administrativa. A decisão se deu no julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento (AG 5364) interposto pelo presidente do Comitê Financeiro Municipal do Partido Socialista Brasileiro (PSB) nas eleições de 2000, Paulo Henrique Ribeiro Sandroni, contra a multa imposta a candidato apoiado pela “Coligação São Paulo Somos Nós”, da qual fazia parte o PSB, considerado litisconsorte passivo necessário.

O ministro Carlos Ayres Britto, ressalvou seu ponto de vista no sentido contrário, ou seja, “que só não cabe recurso para o TSE das decisões político-administrativas que se inscrevem no âmbito das atribuições de auto-governo e auto-administração dos Tribunais Regionais, de acordo com o inciso I do artigo 96, combinado com os incisos I e II do parágrafo 4º, do artigo 121 da Constituição Federal.

No entanto, o relator acatou o pensamento majoritário da Corte, que “assentou o não-cabimento de recurso especial ou ordinário contra acórdão de Corte Regional que analisa prestação de contas de candidatos, haja vista tratar-se de matéria puramente administrativa”. Assim, para o ministro Carlos Ayres Britto, “em decisões regionais que versem sobre questão incidente, em processos dessa natureza, também não cabe o apelo especial”, razão pela qual não conheceu o recurso.

O Plenário confirmou o entendimento do ministro, mantendo sua decisão.

TSE

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Britto Presidente: "buscar a pureza da democracia representativa"

O Novo Presidente do TSE, Carlos Britto, toma posse amanhã, dia 6 de maio. Na Folha de São Paulo de hoje foi publicada a seguinte entrevista. Confira o perfil do novo Presidente.

FOLHA - Quais são os principais temas que o sr. espera resolver até as eleições municipais deste ano?
CARLOS AYRES BRITTO - Precisaremos, antes das eleições, aperfeiçoar o sistema de fidelidade partidária, que nós implantamos no ano passado, e retomar uma discussão sobre o quociente eleitoral em eleições proporcionais. Mas não só isso: certamente voltará à tona o tema da vida pregressa de um candidato sob suspeita e a discussão sobre se a legislação que hoje dispõe sobre jornais, rádios e televisão pode ser aplicada à mídia on-line. Por último, é necessário que o TSE debata sobre programas como o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] em ano eleitoral.

FOLHA - O que seria aperfeiçoar o sistema de fidelidade partidária?
BRITTO - Estamos cobrando dos candidatos fidelidade aos partidos e ao esquadro ideológico que sai de cada eleição. Mas o partido tem fidelidade a ele mesmo? Pode ter um programa belíssimo e uma prática feiíssima? Se estamos cobrando dos candidatos eleitos postura compatível com uma idéia de qualificação política ou de autenticidade do regime democrático representativo, então como admitir partidos com as oligarquias partidárias? Que sepulcro caiado é esse, que por fora está pintadinho, mas por dentro é uma putrefação só? Até que ponto podemos conviver com tristíssimas expressões de sepulcros caiados?

FOLHA - O sr. foi filiado ao PT por muitos anos. Como é comparar o PT atual com aquele de 20 anos atrás?
BRITTO - Quando fui indicado para ministro do Supremo, virei minha página partidária. Não por me arrepender ou por refugar, não existe isso. Mas continuo achando que o PT, na retomada do processo democrático brasileiro, cumpriu um papel fundamental. Não posso desconhecer, porém, que passou e talvez ainda passe por uma grave crise de identidade.

FOLHA - Sobre o quociente eleitoral, existe um debate acontecendo no TSE que o sr. pediu vista...
BRITTO - Eu pedi vista do processo porque 16, 17 anos atrás, eu escrevi um artigo que foi publicado em uma revista do TSE já levantando esse tipo de questionamento. Até que ponto a lei pode, a pretexto de implantar um sistema proporcional de votação e apuração, desconsiderar o voto do eleitor e desviar esse voto para quem não o recebeu? A lei, ao que parece, está entrando em contradição ao permitir que partidos e políticos se apropriem de votos que não lhes foram dados.

FOLHA - Não seria esse o caso dos suplentes de senadores?
BRITTO - Pode-se discutir também se a legislação sobre os dois senadores suplentes é compatível com a pureza do regime democrático representativo. No mínimo, a própria Justiça Eleitoral terá de projetar na tela do computador, da urna eletrônica, a imagem dos dois suplentes e os nomes. O mesmo acontecendo para os vices das chefias executivas.

FOLHA - São mudanças que já podem acontecer nessas eleições?
BRITTO - Já. Porque, no fundo, você vota em três pessoas. Então o eleitor precisa saber: esse senador tem telhado de vidro.

FOLHA - Pode-se dizer que um possível terceiro mandato fere um dos pilares da democracia? BRITTO - A república é uma forma de governo contraposta da monarquia. Enquanto a monarquia é hereditária, a república é eletiva. Logo, na república, a renovação dos quadros dirigentes é uma necessidade. Ora bem, se você possibilita a renovação de mandatos, você golpeia a república nesse seu elemento da renovação dos quadros dirigentes. Quanto mais você prorroga um mandato, mais se aproxima da monarquia e se distancia da república. O pior de tudo da idéia de outro mandato é que cesteiro que faz um cesto faz um cento. Você permite uma reeleição, já fragilizou a pureza do regime republicano. Depois você tolera uma segunda reeleição. E porque não uma terceira? Aí você perde a noção de limite e teremos uma república no papel e uma monarquia de fato.

FOLHA - E a utilização eleitoral de programas sociais?
BRITTO - É algo que nos obriga a andar sobre um fio de navalha, pois é muito tênue a fronteira do legal e do ilegal. De uma parte, não se pode impedir o governo de governar. De outra, porém, há essa possibilidade da quebra do princípio da paridade de armas eleitorais. Não se pode aprioristicamente dizer que esses programas de governo são eleitoreiros, como não se pode também aprioristicamente cair na fórmula do liberou geral. A Justiça Eleitoral tem que analisar caso a caso.

FOLHA - Ao tratarmos do princípio da paridade de armas, entramos no debate de financiamento de campanha. Qual sua visão sobre o tema?
BRITTO - Victor Hugo [escritor francês] disse o seguinte: nada é tão irresistível quanto a força de uma idéia cujo tempo chegou. O financiamento público de campanha é uma idéia cujo tempo chegou. Chega de caixa dois. Porque caixa dois é caixa-preta. É espaço do subterfúgio.

FOLHA - E sobre voto obrigatório?
BRITTO - Sou a favor do voto facultativo. Porque ele não faz do ato de votar um peso. Faz com a noção de dever natural, cívico.

FOLHA - E se os insatisfeitos deixarem de votar e prevalecer o voto de quem ganha favores de candidatos?
BRITTO - Não é mais o eleitor vítima. É cúmplice. O processo eleitoral é como um concurso. Os candidatos são os políticos e os examinadores, os eleitores. Se passam nesse concurso maus candidatos, é porque os examinadores permitiram.

FOLHA - O sr. gosta de usar metáforas, citar escritores. Está para lançar seu sétimo livro de poesia. Como é mesclar vida de poeta e jurista?
BRITTO - Sou poeta antes mesmo de ser jurista. Quando assumi no Supremo decidi não deixar esse meu lado jurista passar por cima do poeta. A linguagem jurídica tradicional é muito fechada. Além de posuda. Quando permeada de literatura, ganha em clareza, beleza e, por conseguinte, fica atraente.

sábado, 3 de maio de 2008

A natureza das coisas

Existem coisas muito curiosas na "ciência" jurídica. Uma delas chama-se natureza jurídica. A dogmática se apropria dessa metafísica para classificar os eventos do Direito, separar os conceitos (institutos) e as regras que compõem o conhecimento jurídico em seus campos adequados: o público e o privado; o civil e o penal; o material e o processual; o constitucional e o infraconstitucional; o administrativo e o jurisdicional... Acontece que nunca foi tão difícil definir a natureza jurídica das coisas.

Se cada coisa, cada evento social, ficar no seu devido lugar os sistemas jurídicos prometem funcionar corretamente. O Direito administrativo, o penal, o civil, o processual, cada um tem seus "códigos"próprios de funcionamento.

Esse tipo de função reguladora, em termos conceituais, é exercida pela ciência do Direito, também conhecida como Dogmática. Embora não possa reconhecer isso abertamente, o papel da ciência no Direito é sim regulatório. É a prática dos juristas o alvo das categorias jurídicas construídas teoricamente. O objetivo é conferir a essa prática uma racionalidade funcional, ou formal. Esse é o plano do projeto kelseneano, grande filósofo do positivismo jurídico. Mas, parece que a tarefa se tornou muito mais difícil na vida contemporânea.

Kelsen foi o grande arquiteto da ciência jurídica moderna. Seu livro "Teoria Pura do Direito" foi o manual de instruções de mais de uma geração de professores e, principalmente, de aplicadores do Direito. Ele pretendia criar o estatuto científico para o Direito pela depuração de tudo que lhe fosse estranho (metajurídico), os valores, as ideologias, as crenças e até a própria natureza. O conhecimento jurídico deveria apenas descrever o modo de criação e funcionamento das normas jurídicas em vigor numa determinada sociedade. Tal como o físico que contempla e descreve o mundo da Natureza, o jurista científico deveria explicar o mundo do Direito, sem pretender avaliar, muito menos transformar esse mundo. Essa não seria a tarefa de um cientista, mas de um político, ou de um filósofo.

O tempo de Kelsen (século XX) era o da objetividade, da centralização do poder, da polarização ideológica, da segurança jurídica. Seu modelo teórico, nesse contexto, é honestamente coerente. A justiça aí é sinônimo de estabilidade, previsibilidade, numa palavra, controle.

Nessa virada de milênio, porém, o mundo parece ter ganho tanta complexidade que torna muito mais difícil o projeto dogmático de controle conceitual sobre a prática jurídica. A terceira e a quarta gerações de direitos, que inundaram todas as Constituições da atualidade, trouxeram novos direitos difusos, coletivos, comunitários, trans-individuais para dentro do sistema jurídico, até então dominado pelo liberalismo contratual e pelo direito de propriedade. Novos direitos, novos conflitos e novas práticas, isto é, novos modos de agir na hora de aplicar e de interpretar o Direito.

Como classificar o direito do consumidor, o ambiental, o da criança e do adolescente, o do idoso, o das cidades, o eleitoral... ? Qual a sua natureza jurídica?

Responder essas perguntas com as categorias dogmáticas causa alguns desconfortos. Vejamos, por exemplo, o Estatuto de defesa da Criança e do Adolescente (ECA). Essa lei não se encaixa em nenhum dos campos isoladamente. Possui regras civis de filiação, de paternidade, de adoção, mas também normas penais e processuais, além de normas de organização destinadas à Administração Pública, como as regras que definem a internação em estabelecimento de reeducação e recuperação. Esse é o perfil da nova legislação democrática brasileira, uma legislação estatutária, garantista, composta de elementos dos diversos sistemas jurídicos, ela própria, o estatuto, um micro-sistema normativo. Esse modele se repete nos estatutos do consumidor, dos idosos, das cidades, do torcedor, e também no estatuto do eleitor, a lei das eleições (9.504/97). Ao perfil desses estatutos acrescente-se o caráter vago, impreciso, aberto de muitos de seus enunciados (boa-fé, urgência, relevância, abusividade, decoro, ordem pública etc.)

Essa pluralidade de sistemas e de micro-sistemas normativos traz legitimidade social ao Direito, mas gera também uma competição interna muito mais difícil de ser controlada teoricamente. A teoria jurídica que não observe essas transformações será simplesmente abandonada, por obsoleta. Apegar-se à objetividade, como faz a mateodologia positivista é não perceber que a subjetividade faz parte do modo de conhecer o próprio Direito contemporâneo. Ele pede para ser interpretado, suas normas abertas semanticamente precisam de concretização quando aplicadas. E para piorar, os estatutos também se diferem dos códigos (civil, penal, processual, eleitoral) porque assumem um dos lados do conflito social que pretende organizar. O lado do consumidor contra o poder econômico; o das crianças contra a violência dos adultos; o dos bens e recursos culturais, históricos e ambientais contra o patrimonialismo e a degradação; e também, para finalizar, o lado da liberdade de escolha do eleitor e do equilíbrio das disputas frente os abusos de poder político e econômico.

A questão, portanto, não é eliminar a subjetividade para atingir a objetividade do conhecimento científico no Direito. Isso não é possível. Nunca foi, na verdade. Antes, a legalidade liberal disfarçava as escolhas. Hoje, para aplicar o Direito é preciso escolhera o caminho para a solução do conflito nos sistemas disponíveis, às vezes, antagônicos. O juiz precisa decidir de verdade, ou seja, optar por uma ou outras soluções para seu caso concreto. São cada vez mais raros os casos em que ele apenas deduz a solução daquela norma, a única, aplicável. De vez em quando, perplexos, alguns apelam para a natureza das coisas.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Boca de urna dá cadeia

Condenado à prisão e multa por realizar boca de urna, o eleitor Josivan Pereira Dias, da cidade de Itaporanga (SP), teve negado recurso (AG 9079) no qual pedia a revisão de seu julgamento. Ele foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral por ter distribuído santinhos do candidato a deputado estadual Guilherme Campos, além de ter aliciado eleitores em frente a uma escola durante o primeiro turno das eleições de 2006. O TRE paulista aplicou multa de R$ 6,2 mil e condenou Josivan Dias a sete meses de detenção em regime inicial aberto, sanções previstas no artigo 39 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97). Em sua defesa, Josivan Dias alegou que a decisão Tribunal Regional Eleitoral paulista (TRE-SP) teria violado os princípios da ampla defesa e do contraditório estabelecidos nos artigos 5º, LIV e LV da Constituição Federal. Isso porque, teriam ocorrido contradições entre os depoimentos de testemunhas e falta de prova robusta para condenação. Ele alegou ainda divergência jurisprudencial com julgados de Tribunais Regionais Eleitorais. O ministro Joaquim Barbosa (foto), do Tribunal Superior Eleitoral, entendeu que a ação contra ele foi regularmente julgada pelo Regional paulista e que a condenação está em harmonia com a jurisprudência do TSE. “A Corte regional entendeu existir provas robustas para a condenação do agravante”, assinalou em sua decisão. Para o ministro, a defesa do recorrente pretendia, na verdade, o reexame de provas e fatos, o que é inviável por meio de recurso especial.


Jogava bonito


Cuidado com a pressa do Judiciário

Wanderley Guilherme dos Santos

Valor Econômico

Em sóbria entrevista quando já presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes expressou a dificuldade de encontrar uma solução para o excesso de medidas provisórias sem comprometer a capacidade do chefe do Executivo de atender à urgência dos programas ministeriais. Compensando as razões do governo para desejar decisões rápidas, o ministro ponderou que "muitas vezes temos a tendência de criticar a atividade política e dizer que ela é muito lenta. É lenta porque é complexa. É difícil produzir o consenso e o fato de ser lenta não significa que seja errada".

Sem dúvida. O tempo da política é muito diferente do tempo da economia e da administração e a suposta morosidade legislativa representa um obstáculo aos possíveis danos de decisões emocionadas. Os trâmites de uma proposta de legislação propiciam as oportunidades para aperfeiçoar a proposta, esclarecer dúvidas, sanar equívocos e, quando é o caso, constituir a maioria que vai aprová-la.

Foi com surpresa que li, a seguir, o ministro utilizar esse mesmo argumento da lentidão do Congresso para justificar a interferência do Judiciário em área de competência parlamentar. Na mesma matéria, afirma ele que "quando o Congresso demorar a agir ou ficar inerte, o STF irá atuar" (Valor, idem). Como? O tempo próprio do Congresso não justifica exagerado número de medidas provisórias, por parte do Poder Executivo, mas serve para dar ao Poder Judiciário legitimidade para atropelá-lo? Se há lógica no raciocínio, me escapou.

A atribuída inércia do Legislativo nunca foi fundamento constitucional ou doutrinário para qualquer violação da divisão entre os três poderes. O Legislativo esgota as razões da existência, assim como da não-existência, de leis específicas e qualquer ação supletiva não autorizada implica em indébita amputação do Parlamento. As razões das leis que existem se encontram no caput que as introduz e são três os conjuntos de razões que explicam as leis que não existem. Em primeiro lugar, não existem leis para assuntos que não alcançaram a agenda pública. Não quer dizer que os problemas por elas tratados não existam, mas somente que não entraram em pauta, inclusive, em alguns casos, porque ainda não existiam soluções para eles. Exemplo mais recente está ainda em curso no tema das pesquisas com células-tronco. Há cerca de dez anos o tema não entraria em pauta porque não existia como possível solução para problemas milenares.A segunda ordem de razões para o silêncio legislativo pode ser a ausência de maioria capaz de decidir o que fazer de uma proposta que está, todavia, em pauta. O exemplo conspícuo aqui seria a legislação sobre divórcio, cruzada do falecido e bravo senador Nelson Carneiro. O assunto levou anos zanzando pelos corredores do Senado e da Câmara dos Deputados até que, finalmente, se construiu a necessária maioria para aprovar a lei. Quando ocorreu, as objeções da Igreja Católica já haviam sido superadas na percepção do grande público e poucos membros das diversas denominações religiosas se sentiram ofendidos em suas convicções transcendentais. A matéria era terrena e foi enfim terrenamente decidida.Em seu ativismo, o Poder Judiciário está respondendo a uma pressa que não é necessariamente só dele.

O terceiro conjunto de razões se refere a assunto altamente explosivo, pois toca em matéria sobre a qual existe majoritário consenso contra. Assuntos como "reforma agrária", por exemplo, passaram praticamente os cem anos republicanos sem alcançar sequer a condição de item controverso. Simplesmente gigantesca maioria formada por membros de quase todos os partidos não queria nem ouvir falar em legislação sobre o assunto entrando em pauta, ainda que fosse para derrotá-la fragorosamente.

Foram apresentados mais de 200 projetos, antes de 1964, e só no período final é que, com a confusão política então estabelecida, a matéria foi posta em votação. Tanto pertencia ao universo da não-decisão, por acordo tácito entre todos os partidos relevantes, que uma coalizão PSD/UDN derrotou a proposta do PTB, uma coalizão PTB/PSD derrotou a da UDN e, oh!, uma coalizão PTB/UDN derrotou a do PSD. Ficou tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Até mesmo tópicos constitucionais podem ficar décadas esquecidos por acordo informal entre os partidos. E nem sempre por cumplicidade perversa. De um modo geral os partidos se comportam de forma amadurecida e compreendem que não adianta agitar bandeiras ainda excessivamente verdes na sociedade. Um exemplo contemporâneo está no artigo constitucional sobre os direitos sociais contemplando a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas. Tal participação não significa automaticamente distribuição de parcela dos lucros, mas pode tomar a forma de decisões sobre a partilha entre consumo e investimento. Ou constituição de um fundo complementar de aposentadoria.

Nenhuma das decisões abalaria os fundamentos do sistema e, na verdade, algumas das propostas já são políticas em curso em países nórdicos. Não é por preguiça, inércia ou falta de óleo no carburador que o assunto não é abordado no Parlamento. Trata-se, por enquanto, de um não-assunto. Tente o Poder Judiciário alegar inação do Congresso e legislar sobre a matéria para ver o que é ter editoriais contra a sua autoridade institucional, além, não tenho dúvida, de alguns sensacionais escândalos públicos envolvendo insignes membros do egrégio poder.A alegação de lerdeza do Congresso para justificar implantação judiciária de quesitos constitucionais suscita, ademais, sério problema de soberania. Se o STF se autocredita Poder Legislativo, por que não poderia parcela do povo, origem de todo poder, se creditar um naco do Executivo? Não é outra coisa que faz o MST ao pretender cumprir o artigo constitucional que atribui função social à propriedade. Salvo má lembrança, não creio que o Congresso já tenha deliberado sobre a matéria, definindo o que seja função social da propriedade, e o Poder Judiciário não tem sido hospitaleiro a essa interpretação constitucionalista do MST.

Pessoalmente, creio que já está praticamente terminada a reforma agrária capitalista iniciada pelos governos militares. O problema agrário, e urbano, remanescente, é o de políticas distributivas, em larga medida, antes que maçiçamente redistributivas. Aconteceu em todos os países depois da transformação capitalista industrial de cada um, assim como está acontecendo na China contemporânea, em seqüência à real privatização da propriedade agrícola.

Mas não é esse o ponto. Politicamente relevante é saber até onde o Judiciário entende que pode definir os limites temporais da chamada modorra do Legislativo e interferir judicialmente. Mais ainda: em tudo aquilo que a Constituição é silenciosa deve o Judiciário legislar, mesmo se solicitado por partido político? Não se trata de questão simplória a que se deva dizer sim ou não, sem mais. O Poder Judiciário, em seu ativismo, está respondendo a uma pressa que não é necessariamente só dele. Existe uma urgência social que o progresso recente, inegável, exceto para a oposição, só faz alimentar. É curial: quanto mais os países progridem, mais as respectivas sociedades desejam aumentar a velocidade do progresso. O Legislativo está sendo convocado a ajustar seus ritos e trâmites, sem perder a cautela democrática, às carências do país. Mas se eventual lentidão parlamentar preocupa, a pressa do Judiciário não é de forma alguma a mezinha adequada.

Wanderley Guilherme dos Santos, membro da Academia Brasileira de Ciências

Supremo reúne súmula vinculante e repercussão geral em decisão inédita

Juliano Basile

Valor Econômico

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai promover em seus julgamentos, a partir de agora, a união de dois novos instrumentos processuais criados pela Emenda Constitucional nº 45, que implantou a reforma do Judiciário, para evitar a proliferação de causas repetitivas na Justiça brasileira: a repercussão geral e a súmula vinculante. A prática foi inaugurada na última reunião do pleno da corte, na quarta-feira, com o julgamento de dois processos, e representa um movimento inédito do Supremo na busca pela sua transformação em uma corte constitucional - a exemplo da Suprema Corte americana.

No primeiro processo julgado na sessão de quarta-feira, ficou decidido que adicionais ou gratificações de servidores públicos e trabalhadores de empresas privadas não podem ter o salário-mínimo como base de cálculo para efeito de indexação. Ou seja, o trabalhador pode ser remunerado de início pelo mínimo, mas empresas e setor público não são obrigados a seguir os aumentos do mínimo em seus salários. No segundo julgamento, os ministros concluíram que os soldos militares podem ser inferiores ao salário-mínimo. Para ambos os casos, os ministros do Supremo decidiram editar súmulas vinculantes. A primeira foi redigida pelo ministro Cezar Peluso e aprovada durante a própria sessão - é a quarta súmula vinculante da história do Supremo. A segunda será redigida por Ricardo Lewandowski e votada na semana que vem.

A nova sistemática inaugurada na quarta-feira começa com uma definição do Supremo - feita pelos ministros na intranet do tribunal - sobre quais processos devem ser objeto de repercussão geral. Para tanto, basta que os ministros identifiquem, entre os recursos que recebem, os casos de relevância social, jurídica, política ou econômica. Ao definir que um caso é de repercussão geral, o Supremo emite uma ordem a todo o Judiciário brasileiro para que suspenda a tramitação das ações que tratam do mesmo tema - o chamado sobrestamento de processos - até que defina o mérito do caso. Em seguida, os ministros colocam o caso de repercussão na pauta de julgamentos do pleno. Durante o julgamento, os ministros definem seu entendimento sobre a disputa, que deverá ser aplicado em todas as ações que repetem o mesmo tema em andamento na corte. A novidade agora é que, além de definir todos os processos repetitivos ao julgar apenas um processo, o Supremo decidiu transformar este entendimento em súmula vinculante - o que obriga todo o Judiciário e o poder público, em todas as suas esferas, a seguir a mesma posição adotada.

O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a nova prática de unir a repercussão geral com a súmula vinculante será utilizada em julgamentos futuros. "Vamos nos esforçar neste sentido", prometeu. Com isso, a idéia é a de que o Supremo deixe de julgar processos que só interessam às partes envolvidas e passe a se dedicar a temas de relevância. Ao priorizar esta nova prática, o tribunal indicou que, daqui para a frente, a imensa maioria dos julgamentos tratará de grandes questões nacionais, e não mais referentes às partes individuais de cada processo.

Gilmar Mendes comemorou o fato de, em um único dia em com apenas dois julgamentos, o Supremo ter decidido quase 800 processos em tramitação na corte - 580 referentes à indexação dos adicionais pelo salário-mínimo e outros 200 sobre o soldo dos militares. Estes números, no entanto, se referem apenas às ações que tramitam no Supremo. No restante da Justiça do país inúmeras ações discutem exatamente os mesmos temas e se repetem aos milhares. Mendes revelou que apenas o Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui 2.405 ações sobre o problema dos adicionais. "Esta foi uma sessão histórica", afirmou.

Cezar Peluso ressaltou ainda que o Supremo nunca mais irá analisar qualquer recurso sobre estes dois temas. "Estes casos nunca mais serão julgados por nós." O ministro explicou que a decisão sobre a correção dos adicionais - que foi desvinculada do mínimo pelo Supremo - valerá para Estados, municípios e o governo federal. Neste caso, o Supremo julgou um recurso de policiais civis e militares de São Paulo que queriam ampliar o adicional de insalubridade sobre a totalidade de seus vencimentos e não apenas pelo salário-mínimo. A ministra Cármen Lúcia deu o voto condutor ao alegar que o artigo 7º da Constituição Federal proíbe a vinculação do mínimo "para qualquer fim". Já no caso do soldo dos militares foi o ministro Ricardo Lewandowski quem proferiu o voto vencedor ao argumentar que o pagamento de um soldo diferente do salário-mínimo não fere qualquer regra de isonomia de vencimentos da Constituição. Segundo ele, nada impede que o Congresso Nacional fixe o soldo pelo mínimo, mas a Constituição não prevê essa obrigação.