Supremo reúne súmula vinculante e repercussão geral em decisão inédita
Juliano Basile
Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai promover em seus julgamentos, a partir de agora, a união de dois novos instrumentos processuais criados pela Emenda Constitucional nº 45, que implantou a reforma do Judiciário, para evitar a proliferação de causas repetitivas na Justiça brasileira: a repercussão geral e a súmula vinculante. A prática foi inaugurada na última reunião do pleno da corte, na quarta-feira, com o julgamento de dois processos, e representa um movimento inédito do Supremo na busca pela sua transformação em uma corte constitucional - a exemplo da Suprema Corte americana.
No primeiro processo julgado na sessão de quarta-feira, ficou decidido que adicionais ou gratificações de servidores públicos e trabalhadores de empresas privadas não podem ter o salário-mínimo como base de cálculo para efeito de indexação. Ou seja, o trabalhador pode ser remunerado de início pelo mínimo, mas empresas e setor público não são obrigados a seguir os aumentos do mínimo em seus salários. No segundo julgamento, os ministros concluíram que os soldos militares podem ser inferiores ao salário-mínimo. Para ambos os casos, os ministros do Supremo decidiram editar súmulas vinculantes. A primeira foi redigida pelo ministro Cezar Peluso e aprovada durante a própria sessão - é a quarta súmula vinculante da história do Supremo. A segunda será redigida por Ricardo Lewandowski e votada na semana que vem.
A nova sistemática inaugurada na quarta-feira começa com uma definição do Supremo - feita pelos ministros na intranet do tribunal - sobre quais processos devem ser objeto de repercussão geral. Para tanto, basta que os ministros identifiquem, entre os recursos que recebem, os casos de relevância social, jurídica, política ou econômica. Ao definir que um caso é de repercussão geral, o Supremo emite uma ordem a todo o Judiciário brasileiro para que suspenda a tramitação das ações que tratam do mesmo tema - o chamado sobrestamento de processos - até que defina o mérito do caso. Em seguida, os ministros colocam o caso de repercussão na pauta de julgamentos do pleno. Durante o julgamento, os ministros definem seu entendimento sobre a disputa, que deverá ser aplicado em todas as ações que repetem o mesmo tema em andamento na corte. A novidade agora é que, além de definir todos os processos repetitivos ao julgar apenas um processo, o Supremo decidiu transformar este entendimento em súmula vinculante - o que obriga todo o Judiciário e o poder público, em todas as suas esferas, a seguir a mesma posição adotada.
O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a nova prática de unir a repercussão geral com a súmula vinculante será utilizada em julgamentos futuros. "Vamos nos esforçar neste sentido", prometeu. Com isso, a idéia é a de que o Supremo deixe de julgar processos que só interessam às partes envolvidas e passe a se dedicar a temas de relevância. Ao priorizar esta nova prática, o tribunal indicou que, daqui para a frente, a imensa maioria dos julgamentos tratará de grandes questões nacionais, e não mais referentes às partes individuais de cada processo.
Gilmar Mendes comemorou o fato de, em um único dia em com apenas dois julgamentos, o Supremo ter decidido quase 800 processos em tramitação na corte - 580 referentes à indexação dos adicionais pelo salário-mínimo e outros 200 sobre o soldo dos militares. Estes números, no entanto, se referem apenas às ações que tramitam no Supremo. No restante da Justiça do país inúmeras ações discutem exatamente os mesmos temas e se repetem aos milhares. Mendes revelou que apenas o Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui 2.405 ações sobre o problema dos adicionais. "Esta foi uma sessão histórica", afirmou.
Cezar Peluso ressaltou ainda que o Supremo nunca mais irá analisar qualquer recurso sobre estes dois temas. "Estes casos nunca mais serão julgados por nós." O ministro explicou que a decisão sobre a correção dos adicionais - que foi desvinculada do mínimo pelo Supremo - valerá para Estados, municípios e o governo federal. Neste caso, o Supremo julgou um recurso de policiais civis e militares de São Paulo que queriam ampliar o adicional de insalubridade sobre a totalidade de seus vencimentos e não apenas pelo salário-mínimo. A ministra Cármen Lúcia deu o voto condutor ao alegar que o artigo 7º da Constituição Federal proíbe a vinculação do mínimo "para qualquer fim". Já no caso do soldo dos militares foi o ministro Ricardo Lewandowski quem proferiu o voto vencedor ao argumentar que o pagamento de um soldo diferente do salário-mínimo não fere qualquer regra de isonomia de vencimentos da Constituição. Segundo ele, nada impede que o Congresso Nacional fixe o soldo pelo mínimo, mas a Constituição não prevê essa obrigação.
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