sexta-feira, 25 de abril de 2008

Entrevista coletiva de Gilmar Mendes

O novo Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, concedeu entrevista coletiva à imprensa ontem, dia 24 de abril. Prometeu fazer uma gestão transparente do Tribunal com acesso franco aos órgãos de comunicação. Durante a entrevista, o Ministro não "correu" de nenhum tema mais espinhoso sem, no entanto, antecipar juízo sobre assuntos que ainda estão na pauta de julgamentos do Tribunal. Selecionei abaixo dois trechos da entrevista em que se discute a questão da judicialização da política. Confira.

Como o senhor pretende lidar com essa tensão criada nesses casos como da fidelidade partidária?

Gilmar Mendes: As situações são um pouco diversas, mas há algum tempo o país experimenta o debate da reforma política. Esse debate vinha sendo desenhado, mas por razões que nós conhecemos, acabou por não sair. Essa reforma política tinha como elemento central dar maior densidade programática e consistência aos partidos. O Tribunal já fora um pouco crítico do quadro de infidelidade partidária quando decidiu o tema em 1989. Os senhores devem se lembrar, quatro votos, dentre os quais o do ministro Celso de Mello, se pronunciaram no sentido de que a fidelidade partidária continuava a estar prevista no direito constitucional e deveria dar ensejo apenas à perda do mandato. Ao longo de todos esses anos passou a acontecer uma prática de cooptação. As eleições se realizavam de forma aberta em um sistema pluripartidário. Mas, encerrado o processo eleitoral, logo após a diplomação começava o fenômeno de cooptação. Qual a conseqüência disso para a democracia? É a distorção do próprio resultado eleitoral. Foi essa a avaliação que o Tribunal fez. Entendeu que o principio democrático estava sendo comprometido e fez uma rescisão de sua própria jurisprudência. E acabou por produzir também uma sentença de perfil aditivo ao dizer que enquanto o Congresso Nacional não regular o procedimento de perda de mandato, valerão as resoluções estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral. O Supremo fez uma ponderação e entendeu que o modelo democrático estava sendo comprometido com este processo que se tornara comum, quase que natural, de pessoas mudarem seqüencialmente de partido. Vimos que alguns parlamentares mudavam de três a cinco vezes na mesma legislatura. Isso levava a uma distorção na relação entre governo e oposição. Governadores de Estados que não tiveram um grande apoio nos municípios, no dia seguinte à eleição, conseguiam fazer uma cooptação. Isso produz uma distorção no sistema democrático. O Tribunal viu nisso um risco para o modelo democrático e entendeu que era preciso se pronunciar, especialmente diante de uma reforma política frustrada. Portanto, embora os casos não sejam perfeitamente análogos, aqui cabe uma analogia entre o caso do direito de greve e da fidelidade partidária.

Governo e oposição sempre disputam, no Congresso Nacional, e toda disputa sempre vem parar aqui. O senhor acha que já é hora de governo e oposição dialogarem e chegarem a um consenso, sem precisar de um poder moderador?

Gilmar Mendes: Essa é uma questão interessante, que a gente pode tratar no plano político e no plano filosófico-constitucional. Quando se concebeu a jurisdição constitucional, na década de 1920, se dizia que uma de suas funções era a de proteção da minoria. E assim tem sido nos modelos que se projetaram desde então. Dá-se à minoria a possibilidade de trazer a questão ao judiciário nas ações diretas [de inconstitucionalidade]. Se os senhores olharem o modelo alemão verão a seguinte situação: um terço dos membros do parlamento pode fazer uma ADI. Entre nós, basta um representante de um partido político — porque a legitimação é do partido político, com representante no Congresso Nacional. Muitos temas poderiam realmente ser tratados no âmbito do próprio Congresso Nacional. Matérias de caráter regimental, disciplinas específicas. Agora, eu não lamento que haja essa provocação do STF, mesmo pelos partidos políticos.
Por exemplo, a questão da CPI dos Bingos. Se ficasse nas mãos da maioria não teria havido a instalação da CPI. E não só me referi à CPI dos Bingos, também referi ao direito da oposição de poder requerer CPI. Nesse caso a judicialização foi correta, porque diante do impasse ou do massacre que a maioria teria sobre a minoria, o STF deu uma resposta. No modelo institucional desenhado há essa possibilidade. Um maior uso, ou menor, depende realmente dessa maior capacidade de consenso, ou dessa maior incapacidade de consenso. Creio que nos últimos tempos nós temos vivido mais, essa tendência de incapacidade para o consenso, mesmo quanto à norma de organização e procedimento. Porque não se trata de chegar a um consenso sobre as matérias de fundo, em geral, não se trata de um consenso quanto ao aspecto base, mas quanto a regras e procedimentos. Diante desses impasses, eu acredito que o Tribunal acaba sendo chamado para resolver de forma legítima. Se houver questão constitucional relevante, o Tribunal há de se pronunciar.

Leia a íntegra da entrevista do Ministro Gilmar Mendes, aqui.

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