quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Soberania

1. Poder de não ser submetido a nenhum outro.

a) Tratando-se do Estado, o poder daquele que não depende de nenhuma autoridade externa (uma igreja, por exemplo) ou externa (o imperador). Hoje: o Estado que não depende de outro Estado (a soberania internacional), com exceção, portanto, do Estado membro de um Estado composto.
b) Tratando-se de um órgão, o poder daquele que, estando no topo de uma hierarquia, não é submetido a nenhum controle e cuja vontade é produtora do direito. Fala-se assim da soberania do Parlamento ou de uma corte soberana.

2. A totalidade dos poderes que este ser pode exercer: trata-se quer lato sensu de todos os poderes do Estado (a potência de Estado), quer stricto sensu do poder mais importante, ou seja, no constitucionalismo clássico, do poder legislativo.

3. Na teoria do governo representativo, a qualidade do ser, real ou fictício, em nome de quem é exercido o poder do órgão soberano (a soberania do povo ou da nação).


ARNAUD, André-Jean. Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 741.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Princípio da insignificância

Esta notícia foi extraída do site Consultor Jurídico:


O Tribunal Superior Eleitoral aguarda parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral para julgar recurso do Ministério Público paulista contra a aprovação das contas de campanha do presidente do PT, Ricardo Berzoini. O relator do Recurso Ordinário é o ministro Gerardo Grossi (foto).

Reeleito deputado federal em 2006, Berzoini declarou ter arrecadado na campanha R$ 2,065 milhões e gasto R$ 2,061 milhões. As contas do deputado foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral.

O procurador Regional Eleitoral, Mario Luiz Bonsaglia, alega que ao aprovar as contas de Berzoini, o TRE paulista teria contrariado o dispositivo que diz o candidato terá as contas desaprovadas se os recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais não se originarem de conta bancária específica, aberta em nome do candidato e do comitê financeiro.

Bonsaglia sustenta que a Secretaria de Controle Interno do TRE verificou que houve omissão de duas despesas, no valor total de R$ 6 mil, para a aquisição de material impresso na empresa Graftec. Sobre essa questão, o entendimento do TRE foi de que o valor da irregularidade é irrisório, por representar menos de 1% do total de recursos arrecadados.

Para o MPE, o princípio da insignificância não deve ser aplicado na hipótese de contas de campanha eleitoral, por ferir o artigo 34, item III, da Lei dos Partidos Políticos. Esse dispositivo diz que cabe à Justiça Eleitoral fiscalizar as prestações de contas, observando a documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro ou de bens recebidos e aplicados. “O rigor na exigência do cumprimento da lei deve ser antecedente e conseqüente ao pleito eleitoral, a fim de que se tenha realmente assegurada a lisura do pleito”, argumenta o MP.

A tese de que mesmo de pequeno valor, a irregularidade compromete a prestação de contas foi desenvolvida pelo Ministério Público Eleitoral em São Paulo em outro recurso, que também será analisado pelo TSE. O deputado estadual Antônio Carlos de Campos Machado teria omitido doações de R$ 4,1 mil em uma campanha que arrecadou R$ 1,018 milhão.

Recurso Ordinário 1.401
Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2007

Debatendo a reforma política

Mais um registro do seminário de abril de 2005. Novamente, o debate sobre os sistemas eleitorais. Que sistema seria mais adequado para a escolha dos legisladores brasileiros?

Com a palavra o Ministro Sepúlveda Pertence, o Dr. José Antonio Dias Toffoli e o Dr. Torquato Jardim:

MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE:

Uma das coisas mais curiosas de todo o problema de sistema político e sistema eleitoral é como os temas voltam ciclicamente.

Enquanto no Brasil, hoje, forma-se uma grande massa de opinião favorável à lista fechada, à exaustão da lista aberta, temos assistido no México e na Argentina – para ficarmos nos dois maiores países latino-americanos, depois do Brasil –, com cansaço, os defeitos da lista fechada.

Este é o problema dramático, realmente, em termos do sistema de financiamento, que está evidentemente vinculado, porque é difícil pensar de fato num financiamento exclusivamente público com o sistema que praticamos, cujo grande mal é esse: o principal adversário na eleição não é o homem do outro partido, mas o seu correligionário. E quanto mais próximo da sua base ideológica, social ou geográfica, mais adversário será.

TORQUATO JARDIM:

Há alguns anos, compunha eu um grupo de estudiosos que foi à Colômbia por duas vezes ajudar aquele país na reforma constitucional, quando aconteceu algo muito interessante: surgiu um garoto de 27 anos, recém-chegado de um magnífico doutorado em Londres, filho de uma das famílias mais antigas, tradicionais e influentes da história da Colômbia, para apresentar um projeto, com o apoio do presidente da República. Ficamos todos quietos e, conforme expunha ele o grande projeto de inovação e resolução de todo aquele conflito que até hoje vive a Colômbia, os argentinos me cutucavam, porque a grande pedra de toque daquele projeto era copiar o sistema brasileiro.

Quando comecei a expor essas dificuldades, sem querer, matei o projeto do garoto.

JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI:

Partindo do pressuposto da liberdade do voto e da representação – e a democracia busca o máximo de representação –, quero fazer algumas reflexões.

Primeiro, partindo do sistema brasileiro atual, que é o do voto proporcional em listas abertas, o que temos? Li a respeito em pesquisas que levantam o número de votos dados a candidato não eleito para o parlamento.

Se analisarmos, dos votos dados aos candidatos, quantas daquelas pessoas que votaram elegeram os seus representantes, muitos não elegeram e não estão representadas no Congresso Nacional. Mas, de qualquer forma, esse voto foi computado para o partido e, em que pese as fragilidades do nosso partido, foi computado para uma determinada linha ideológica e partidária.

Em tese, no sistema brasileiro, nenhum voto dado a um candidato ao parlamento foi perdido. O cidadão tem lá seu representante e, com a base proporcional, há maior possibilidade de acesso das minorias na representação parlamentar.

MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE :

Embora falemos nas grandes virtudes teóricas da representação proporcional pura que praticamos com nossa dança partidária durante a legislatura, somada à coligação para a representação proporcional, fica um certo ar de ficção. Afora um dado de sociologia eleitoral, que deixa muito claro da magnífica pesquisa que consta do relatório das eleições de 2002 do Tribunal Superior Eleitoral, um percentual altamente significativo dos parlamentares eleitos já são, na prática, deputados distritais. Deles escapam algumas grandes lideranças políticas, e outro tipo de deputado de hoje, que é o deputado corporativo, o deputado de classe, além do deputado de si mesmo.

Breve apresentação da matéria

O Direito eleitoral é um ramo especializado do direito público que trata da regulação do processo de renovação periódica dos representantes políticos, as eleições propriamente ditas, mas também das regras sobre o regime partidário e sobre a disciplina dos chamados sistemas eleitorais praticados no país (proporcional e majoritário).

Alcança desde etapas preparatórias para o exercício do voto, como o alistamento de eleitores, a filiação partidária e a escolha convencional de candidatos, até a diplomação dos eleitos e a análise das contas de campanha, passando obviamente pela regulação das próprias campanhas eleitorais.

É durante as campanhas eleitorais que ocorrem, como sói, os fatos jurídicos mais palpitantes do direito eleitoral:

· Os pedidos de registro de candidatura e as eventuais impugnações por inelegibilidade;
· A formação de coligações partidárias;
· A propaganda eleitoral e suas eventuais impugnações e pedidos de direito de resposta;
· As práticas eleitorais abusivas (abuso de poder político, econômico ou de mídia) e as ações que buscam coibi-las.
· A captação ilícita de sufrágio (“compra de voto”) e as ações que buscam coibi-la.
· A arrecadação de recursos de campanha e as respectivas prestações de contas.

Após a diplomação e a posse dos eleitos, os atos praticados no exercício do mandato conferido pelas urnas já se encontram fora do alcance das regras do direito eleitoral. Assim, por exemplo, a perda de mandato por quebra de decoro parlamentar é um fato estranho ao direito eleitoral, insindicável, pois, pelos órgãos de jurisdição eleitoral.

A disciplina tem ganhado importância progressiva na medida em que o país aprofunda e consolida sua democracia política. Atualmente, a cada dois anos, são realizadas eleições no Brasil (eleições municipais e eleições gerais).

A consolidação do regime democrático, o acirramento das disputas, a extensa cobertura normativa e a melhoria das assessorias jurídicas de partidos e candidatos têm feito aumentar a demanda de ações e recursos que trazem para o campo da jurisdição eleitoral aspectos e fatos controvertidos surgidos no ambiente da competição política.

Alie-se a tudo isso a instabilidade que parece caracterizar o ambiente político - as idas e vindas da legislação em matéria eleitoral emprestam a esse ramo especializado um traço particular de dinamismo e transitoriedade – e será fácil constatar que o estudo do direito eleitoral é imprescindível para que se possa acompanhar melhor a evolução da democracia no Brasil.

Mas não é só. Como em nenhum outro ramo do direito, é no campo do direito eleitoral que se tem feito sentir a presença criativa da jurisprudência.

Em primeiro lugar, em razão da competência normativa do Tribunal Superior Eleitoral, que está autorizado a editar Instruções para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral, além da competência de que dispõe para responder consultas sobre a interpretação em tese das normas eleitorais.

É, aliás, na experiência recente da prática judicial eleitoral que se encontram exemplos contundentes do caráter criativo da jurisprudência, especialmente no âmbito do TSE.

Programa de Direito Eleitoral

Parte I – Direito Eleitoral material

  • Objeto e Fontes do Direito Eleitoral. Constituição. Lei Complementar 64/90 (inelegibilidades); Código Eleitoral (4.737/75); Lei das Eleições (9.504/97); Lei dos Partidos Políticos (9.096/95); Resoluções do TSE; Jurisprudência.
  • Princípios fundamentais em Direito Eleitoral. Princípio republicano; princípio da universalidade e igualdade do voto; princípio do equilíbrio entre candidatos em disputa; princípio da moralidade; princípio da anterioridade da lei eleitoral; princípio da celeridade...
  • O voto no Brasil. O processo de conquista da universalização do direito de votar; eleições diretas, secretas, periódicas, livres, universais e incertas; sistemas eleitorais (proporcional e majoritário); quociente eleitoral.
  • Direitos políticos. Direito de votar e de ser votado; capacidade eleitoral ativa (obrigatória e facultativa); capacidade eleitoral passiva (condições de elegibilidade); limitações e impedimentos: inalistabilidade, inelegibilidades, suspensão e perda dos direitos políticos.
  • Elegibilidade e inelegibilidade. Classificação das inelegibilidades (espécies, duração, desincompatibilização); divergências doutrinárias; a posição da jurisprudência. Conseqüências práticas.
  • Partidos políticos. Natureza jurídica; criação e extinção; coligações partidárias; funcionamento parlamentar; filiação partidária.
  • Justiça Eleitoral. Estrutura orgânica: TSE – TRE – Juiz Eleitoral – Junta Eleitoral; composição; repartição de competências.
  • Alistamento eleitoral. Prazo; procedimento; impugnação; domicílio eleitoral; cancelamento e exclusão de eleitores.
  • Escolha e registro de candidatos. Convenções partidárias; legitimidade para requerer registro de candidaturas; competência; nome e número de candidatos; impugnações; substituição de candidatos.
  • Propaganda eleitoral. Princípios fundamentais; período; veículos; “horário político”; vedações; sanções; direito de resposta.
  • Organização do corpo eleitoral e votação. Circunscrições, zonas e seções eleitorais; mesa receptora de votos: composição, convocação, fiscalização, nomeação e poderes do presidente da mesa; medidas preparatórias e votação; urna eletrônica; apuração (transmissão de dados); totalização e proclamação dos resultados; diplomação.
  • Tópicos especiais. Arrecadação de recursos e prestação de contas de campanha; condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral; captação ilícita de sufrágio; abuso de poder (político, econômico e de mídia); anulação do pleito e renovação da eleição. Consultas; calendário eleitoral.

Parte II - Jurisdição Eleitoral

  • Ação de Impugnação de Registro de Candidaturas (AIRC). Legitimidade; competência; prazos; provas; julgamento; recursos; efeitos.
  • Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). Legitimidade; competência; prazos; provas; julgamento; recursos; efeitos.
  • Recurso Contra a Expedição de Diploma. Legitimidade; competência; prazos; provas; julgamento; recursos; efeitos.
  • Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Legitimidade; competência; prazos; provas; julgamento; recursos; efeitos.
  • Representações.
  • Mandado de Segurança.
  • Hábeas Corpus.

Parte III – Fundamentos teóricos

  • Eleições e Democracia: a lisura e eficiência do processo eleitoral para a garantia da realização da democracia em seu sentido minimalista; as promessas pendentes da democracia; a crise da representatividade política: desencanto, alienação X cidadania do protesto e democracia direta ou participativa (Bobbio, o Futuro da Democracia).
  • História eleitoral: a criação da Justiça Eleitoral e o combate à corrupção sistêmica na administração do processo eleitoral; a universalização progressiva do direito ao voto (representatividade); o voto eletrônico. O deslocamento dos litígios eleitorais; a judicialização das eleições.
  • A judicialização da política: revisão histórica do princípio da separação dos poderes; o Estado Social e as mudanças no perfil da legislação: regras abertas e voltadas para o futuro; o Estado Social e as mudanças no perfil do Judiciário, o “terceiro gigante” de Capelletti; do silogismo ao ativismo judicial.
  • Tópica e Jurisprudência: sobre a teoria tópica e sua pertinência empírica para a análise da formação da vontade decisória. “O que é o justo aqui e agora?”: ativismo ou construtivismo judicial, segurança jurídica ou realização judicial de valores e princípios. Jurisprudência provisória: catálogo de tópicos decisórios.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Jararaca no cabresto

As eleições puseram-me em contato direto com a parte mais necessitada da população e em mais de uma morada pobre tive uma lição de coisas tão pungentes e tão sugestiva dos que nada possuem (...)

Eu visitava os eleitores de casa em casa, batendo em algumas ruas a todas as portas (...) Doía ver o quanto custava a essa gente crédula a sua devoção política (...) Uma vez, por exemplo, entrei na casa de um operário para pedir-lhe voto.

Chamava-se jararaca, mas só tinha de terrível o nome.

Estava pronto a votar em mim, tinha simpatia pela causa, disse-me ele; mas votando, era demitido, perdia o pão da família; tinha recebido a “chapa de caixão” e se ela não aparecesse na urna, sua sorte estava liquidada no mesmo instante.

-No entanto, estou pronto a votar pelo senhor, se o senhor me trouxer um pedido do brigadeiro Foriano Peixoto. Pode vir por telegrama...E o que ele pedir, custe o que custar, eu não deixo de fazer.

- Não, não é preciso, vote como quer o Governo...Há de vir o tempo em que o senhor poderá votar em mim livremente.

Joaquim Nabuco. Apud DIAS, Maurício. A Mentira das Urnas. Rio de Janeiro: Record, 2004, pp. 80-81

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Carta carioca


A política, as milícias, o direito?

As milícias no Rio de Janeiro, grupos armados integrados por "homens da segurança pública", estão em destaque na Folha de hoje. Um dos líderes foi entrevistado, sob promessa de anonimato. Orgulhoso da proclamada vitória sobre o tráfico, o chefe dos milicianos não se incomoda em utilizar os mesmos métodos do tráfico para combatê-lo: o extermínio. Este trecho da reportagem ilustra bem a falta de preocupação com o problema ético:

Fim da procura e da oferta

Além de reprimir e tentar acabar com a oferta de drogas, as milícias atacam também os consumidores nas favelas."Viciado não pode usar drogas mais. Na primeira vez, a gente chama a atenção e avisa a família; na segunda, leva um pau [surra]. Aí levamos para a pastora, que encaminha para centro de reabilitação. Não acontece mais. Um cara foi pego quatro vezes. Hoje passa aqui com calça social, camisa de linho. Antes, entrava um cara aqui e acendia a maconha na sua cara, e a ia falar o quê?"Essa é a versão admitida pelo miliciano.

Mas, em reincidência, o usuário de droga pode ter o mesmo destino de seu fornecedor: o "microondas", forno arcaico montado com pneus e que derretem os corpos de inimigos fazendo que engrossem a contabilidade dos "desaparecidos" no Rio.

Segundo a polícia, as milícias invadem as comunidades, matam os traficantes ou provocam sua fuga e passam a controlar com mão-de-ferro os negócios da favela. Dão "proteção" a comerciantes e moradores em troca de pagamentos mensais."É a Santa Inquisição: "a gente mata por um bem maior". Chegam com arma na mão e se tiver confronto eles matam. A milícia surge da pobreza, a pretexto de salvar a comunidade dos traficantes, mas ela cai nas mãos de outra tirania, que não tem boas intenções: os objetivos são financeiros e políticos", afirma Alexandre Neto, da Delegacia Anti-Seqüestro.

Em setembro do ano passado, quando a milícia atuava para tomar parte das favelas na região, foram registrados dez homicídios na 30ª DP, responsável pela área.Foi o maior índice desde março de 2005 e representou aumento de 233% em relação a setembro do ano anterior. Em julho e agosto, houve duas e uma morte, respectivamente (em 2005 foram uma e cinco mortes nesses mesmos meses).

Pois bem, agora, ao que parece, as milícias terão uma bancada no Congresso Nacional. Segundo reportagens já mencionadas aqui e divulgadas no blog Deu no jornal, as regiões do Rio controladas por milícias tiveram participação eleitoral importante para 9 candidatos, 5 deles eleitos.

Na reportagem da Folha, chega-se, agora, a sugerir uma parceria com o Governo do Estado para regularizar o "gato-net", instalações clandestinas de TV a cabo.

É inegável o pluralismo jurídico instalado há muito tempo em regiões conflagradas como o Rio e outras cidades com problemas semelhantes. A eficácia da norma jurídica formal é mínima ou nula nesse contexto. Mas as conexões entre "legalidades" existem e são até desconcertantes para o mundo oficial.

A eleição dos representantes dos justiceiros pelo voto é um desses momentos estranhos de intersecção.

Pode-se até ficar assustado com a força eleitoral do movimento, mas não há ilegalidade nenhuma em eleger militares ou agentes civis de segurança.

Teria havido abuso de poder econômico?

Chamar as comunidades pobres, que recebem "assistência social" dos milicianos, de alvo do poder econômico exigiria um contorcionismo hermêutico de quebrar pescoços jurídicos ilustres.

Compra de votos?

A despeito do que possa ser demonstrado em processo judicial que esteja em curso (desconheço se há algum contra os deputados citados na reportagem), provar a compra de votos contra o poder de fogo (literalmente) dos milicianos seria um heroísmo.

O problema é bem maior do que essa permeabilidade entre legalidades, que permite o trânsito de lá pra cá e vice-versa. É de legitimidade.

As comunidades pobres sofrem com a tirania, mas ganham benefícios que nunca ganharam do Estado. Viveram sempre na indigência e sob a ameaça do tráfico. Agora, vão ao piscinão e ao baile funk sem tiroteio, recebem remédios, TV a cabo barata, cestas básicas, material de construção, ou seja, a hipótese do 41-A toda, bem de frente. Mas, quem testemunhará em processo judicial eleitoral para implicar-se e implicar todo a vizinhança em um crime eleitoral? E mais, se a comunidade apóia majoritariamente a ação dos justiceiros, tem formalmente o direito de eleger quem representar melhor esse interesses, que seriam os seus, dos cidadãos dessas comunidades.

O problema é dizer para os que estão para além do alcance da lei que não fiquem à mercê de justiceiros.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Alfredo Rossetti

Alfredo Rossetti é poeta daqueles que lavram a palavra. Da estirpe de Leminski, Arnaldo, mas também apreciador do poema narrado, contado, como em Drummond. Mora em Ribeirão Preto, mas o conheci na web, no fórum de poesias do sobresites. Também tenho uns poemas cometidos lá.

Tornamo-nos amigos à distância. Em uma de nossas "conversas", perguntei-lhe se tinha contato com editoras, se era difícil publicar, essas coisas afoitas. E ele, experiente, me disse que nunca havia publicado por nenhuma editora, apenas confeccionava seus cadernos de poemas e divulgava na cidade (entre seus muitos admiradores, presumi). Seu grande veículo é a web.

Para apreciação dos leitores deste APonte, estes são alguns poemas do "mimeógrafo" de Rossetti.

Se quiser (recomenda-se) confira a obra deste poeta da internet em seu sítio de poesia.

Sistemas Eleitorais

I. GENERALIDADES

A complexidade dos processos de formação das decisões políticas exige a maior simplificação possível, compatível com o direito, hoje mais do que nunca reconhecido a todos os indivíduos que fazem parte de uma organização política, de influir de qualquer forma sobre esses processos.

Quase unanimemente se reconhece que o mecanismo mais conveniente, para fins de redução dos custos decisionais, consiste na participação popular através das eleições. Estas permitem, e de alguma forma garantem, ao menos no sistema ocidental de tipo liberal-democrático, não só a escolha de pessoas a quem se confia a alavanca do Governo, mas também a expressão do consenso e do dissenso, a representação dos interesses, o controle das atividades do Governo e a mobilização das massas.

Em todo o caso, porém, parece que, para se poder falar de representatividade das eleições, é necessário que estas apresentem as características de liberdade e periodicidade. Se estas faltarem, a relação de responsabilidade política que liga os governantes aos governados é esvaziada e, com ela, as funções de investidura e controle que são essenciais a uma eleição.

Como procedimentos institucionalizados para atribuição de encargos por parte dos membros de uma organização ao de alguns deles, as eleições são, sem dúvida, historicamente, bastante antigas. Em sua função e em suas dimensões atuais, porém, só adquiriram importância crescente a partir da época em que o Estado começou a perder suas características personalísticas e patrimoniais para assumir as de um Estado democrático ou pelo menos burguês.

Os mecanismos idealizados para operacionalizar a redução do “mais” das massas ao “menos” das elites de Governo são numerosíssimos. Se quisermos nos limitar aos que, nos diversos sistemas políticos e diversas épocas, tiveram uma atuação prática, a tarefa fica igualmente árdua, já que se calcula que, em qualquer caso, teríamos de trabalhar com cerca de trezentos modelos de Sistemas eleitorais.


Para destrinçarmos este acervo é necessária uma classificação, em ordem à qual foram propostos alguns critérios. Dado o caráter da presente exposição, podemos continuar a seguir o critério estatístico-matemático de classificação tradicionalmente usado. Quanto aos outros, ou são ainda teoricamente muito pouco conhecidos, ou estão relacionados com colocações particulares de estudo às quais dizem respeito.

II. SISTEMAS MAJORITÁRIOS

São dois os modelos tradicionais de Sistemas eleitorais: o majoritário e o proporcional. Todos os outros não são nem mais nem menos do que modificações e aperfeiçoamento destes. Compreende-se imediatamente por que todos os outros giram em torno deles, desde que se considerem as necessidades que devem ser satisfeitas: a instabilidade de Governo e do Sistema Político em geral e a representação de todos os grupos de interesse em que a sociedade está articulada.

Foi o sistema majoritário o primeiro a surgir. Baseado sobre o princípio segundo o qual a vontade da maioria dos eleitores é a única a contar na atribuição das cadeiras, a sua atuação está ligada ao fato de que o eleitorado está mais ou menos repartido em colégios.


A maioria requerida pode ser simples ou relativa (plurality system) ou então absoluta ou variadamente qualificada (majority system). Os pressupostos de funcionalidade deste sistema são:

a) uma equilibrada distribuição dos eleitores nos colégios, de tal maneira que cada eleito represente o mesmo “peso” e seja limitada ao máximo a sub-representação de alguns colégios em relação a outros;
b) a ausência de práticas de gerrymandering, de tal maneira que nenhum partido seja favorecido de maneira substancial pelo modo como foram traçadas as fronteiras dos colégios;
c) a ausência de uma maioria agregada por fatores metapolíticos (divisões étnicas, por ex.) que vote prescindindo constantemente das linhas políticas efetivamente em discussão.

III – OS SISTEMAS PROPORCIONAIS

O principio proporcional acompanha a moderna democracia de massas e a ampliação do sufrágio universal. Partindo da consideração de que, numa assembléia representativa, deve criar-se espaço para todas as necessidades, todos os interesses e todas as idéias que animam um organismo social, o princípio proporcional procura estabelecer a perfeita igualdade de voto e dar a todos os eleitores o mesmo peso, prescindindo de preferência manifesta.

Os Sistemas eleitorais que realizam o princípio proporcional atuam baseados em duas formas fundamentais: o voto individual, eventualmente transferível (sistema de Hare e Andrae), típico dos países anglo-saxônicos, e as listas concorrentes (escola suíça de Considerant) prevalecentes nos países fora das tradições inglesas. O mecanismo de base de ambos consiste na determinação de uma cota ou quociente em relação ao total dos votos: as cadeiras são atribuídas pelos quocientes alcançados.

No voto individual transferível, também chamado de quota system, o eleitor, enquanto vota num determinado candidato, exprime também sua preferência por um segundo ou por um terceiro, para o qual seu voto deverá ser transferido no caso de inutilização de sua primeira preferência, por ter já conseguido um quociente. Este sistema, adotado na Irlanda, difere do que foi originariamente idealizado por Hare. Ele é aplicado numa pluralidade de circunscrições antes do que num colégio único nacional. Como já foi sublinhado, constitui potencialmente a mais proporcional entre as fórmulas proporcionais (Fisichella, 1970, 198). Mas, na hipótese de um colégio único nacional, em que se registra apenas um quociente, ele realiza indubitavelmente a proporção integral.


Nos sistemas proporcionais de lista, ao contrário, são colocadas em destaque as listas como expressão de grupos de opinião concorrentes (partidos), às quais estão ligados tanto os eleitores como os candidatos.

Os tipos principais de listas são:

1) a lista rígida, na qual a graduação entre os candidatos para fins de eleição é prefixada pelos apresentadores e nenhum poder para modificá-la é reconhecido aos eleitores;
2) a lista semilivre de tipo belga, em que o eleitor que pretender modificar a ordem de apresentação dos candidatos na lista pode expressar, em vez de voto simples de lista, um voto nominal que serve ao mesmo tempo para votar na lista e no candidato preferido;
3) a lista livre de tipo suíço, que concede ao eleitor a mais ampla liberdade, podendo ele não só introduzir na lista escolhida qualquer modificação, como servir-se de uma cedula em branco na qual escreve nomes de candidatos de qualquer lista, formando assim uma lista própria. Ao eleitor são, pois, reconhecidas várias possibilidades intermediárias, segundo os sistemas: pluralidade de preferencias, gradualidade dentro da lista, votos negativos, votos compostos (chamados panachage), etc.

BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política. Coordenação da tradução: João Ferreira. 8ª ed. Brasilia: editora UnB, 1995, volume II, pp. 1175-1176.

De volta para o futuro: a reforma política

Em 2005, havia sido convidado pelo Ministro Velloso, então Presidente do TSE, para assumir a coordenação da Escola Judiciária Eleitoral. Em abril desse mesmo ano promovemos um seminário para que os integrantes da justiça eleitoral brasileira pudessem conhecer e discutir o projeto de reforma política, relatado pelo Deputado Ronaldo Caiado, que deveria ir à votação logo, mas foi atropelado pela eclosão da "crise política" - flagra de corrupção do funcionário dos correios, entrevista de Roberto Jefferson, CPI, cassações... Crise que durou até a campanha eleitoral do ano passado e que consumiu praticamente todo o oxigênio político disponível.

Para debater com o deputado, convidamos o professor Walter Costa Porto, que deu uma belíssima aula de história política.

O texto abaixo contém uma parte da exposição do professor Costa Porto. Trata das origens e propósitos da adoção do peculiar sistema proporcional brasileiro, o de listas oferecidas por partidos ou coligações com votação uninominal. Esse mesmo sistema que está correndo risco agora, como então, de dar lugar ao sistema proporcional de lista fechada ou até mesmo ao sistema majoritário (voto distrital) para a eleição de parlamentares.

Nunca vi ninguém contar melhor essa história do que meu caro professor:

Em 1932, Getúlio ocupa o cargo de presidente após perder as eleições e impor um golpe de estado, que modificou a face do país, ao trazer questões sociais para dentro da Constituição e criar a legislação do trabalho. Vejam que o quadro talvez tenha sido o fundamental motivo para a revolução de 30, que teve como lema “Representação e Justiça”, criado pelo grande Assis Brasil, do Rio Grande do Sul.

Getúlio Vargas chama Assis Brasil, Mário Pinto Serva e João Cabral da Rocha para escreverem o primeiro Código Eleitoral brasileiro, cuja primeira das grandes inovações foi trazer o sistema proporcional para o Brasil, antes sob o sistema distrital.

Desculpem a mania do professor, de andar explicando coisas, mas no mundo ninguém conhece o voto distrital, todos consideram os votos como do distrito, qualquer que seja a área desse distrito, denominado sistema majoritário para as eleições das assembléias. No Brasil, denominou-se voto distrital, mas se entrarmos em um desses buscadores da Internet e procurarmos por distrital vote, aparecerá tão-só sistema majoritário para as eleições das assembléias.

Muito bem, o Brasil tinha o sistema distrital na Primeira República, que passou, a partir de 1904, a ser o voto distrital de cinco nomes, ou seja, elegiam-se somente três, era o voto limitado, e se podia juntar esse voto num só, o voto cumulativo.

O grande nome dessa reforma, Assis Brasil, propôs um sistema muito complexo. Digamos que a eleição fosse em Brasília e o PTB apresentasse a sua chapa para deputados federais. São oito vagas e haveria oito nomes na lista que o eleitor colocaria na urna. Ele escreveria o primeiro nome e depois mais sete. Quando da apuração, o Tribunal, assim constituído pelo Código Eleitoral, verificava o quociente eleitoral, ou seja, a divisão do número de votos pelos cargos a serem preenchidos, e aquele partido que atingisse tantas vezes o quociente eleitoral elegia tantos candidatos de sua lista. Se Sobrassem cargos a ser preenchidos, seria feito pelo sistema de maior número de votos daqueles candidatos. (!!!!)

A primeira crítica feita a Assis Brasil foi a de que ele juntou os sistemas proporcional e majoritário. Ele aceitou a crítica, dizendo ser necessário, porque o sistema majoritário daria governabilidade. Talvez porque o modo de eleger fosse muito complexo.

Mas isso foi modificado em 1935 pela Lei nº 48: em vez de escrever os sete nomes, basta um.
O Brasil, a começar daí, adota um processo inteiramente peculiar e original, qual seja, o da escolha uninominal a partir da lista oferecida pelos partidos. Somente a Finlândia, em 1976, adotou esse mesmo sistema. E o pior, não somente esse sistema penaliza os partidos políticos, como é de difícil compreensão para cada um de nós.

Como exemplo concreto, costumo sempre citar o caso Enéas, cujo partido, o Prona, mereceu nas eleições de São Paulo em torno de 1,8 milhão de votos. O quociente eleitoral foi 280 mil, fez-se a divisão, o Prona teve direito a seis candidatos e apareceu um último com 300 votos.

Vejo, estarrecido, pessoas como Augusto Nunes, analista sério, correto, e Dora Krammer, minha amiga, escreverem não ser possível um sistema eleitoral que eleja uma pessoa com 300 votos quando seis pessoas obtiveram mais de 100 mil votos e não foram eleitos. Para o eleitor comum, é absurdo uma pessoa ser eleita com apenas 300 votos, só que ela não obteve apenas 300 votos, mas 1,8 milhão de votos para vir em sexto lugar e 300 votos para vir em primeiro lugar.

Faço uma grande ressalva à exposição do nobre Deputado Ronaldo Caiado, de que talvez se devesse permitir sobrevida a este nosso sistema eleitoral, para que as pessoas tenham consciência de que devem votar no partido. O primeiro movimento desse voto brasileiro é no partido. Depois digo quem eu quero que venha no início da lista.

A maior parte dos que aqui estão compreende o que seja lista fechada e lista aberta. No mundo todo, o sistema proporcional é sempre em listas. Não há nenhum país no mundo, menos o Brasil e a Finlândia, que tenha o sistema proporcional, em que o eleitor não ponha uma lista na urna. E há várias opções: essa lista é fechada ou bloqueada. Isto é, não cabe ao eleitor reordená-la, restando eleito o que vem em primeiro lugar, e não está eleito, de forma alguma, o que vem em oitavo lugar.

Digamos que em uma eleição de Brasília haja oito vagas e um candidato esteja em oitavo lugar e não vá se eleger. Por que ele aceita continuar naquele lugar? Primeiro, porque a convenção assim determinou, segundo, ele pode, mais tarde, dizer que já lutou muito, que esteve muitas vezes em oitavo lugar, e pedir que seja colocado um pouco à frente. Ou seja, nenhum partido elege os oitos, mas o primeiro está fatalmente eleito.

A segunda alternativa é a da lista aberta: reordena-se colocando o oitavo lugar em segundo e o primeiro em quarto. O que me dizem e o que vejo e constato é que a inércia, a preguiça, leva a que os eleitores, mesmo em lista aberta, votem na lista ordenada pelos partidos.

E há uma terceira possibilidade, que a gíria francesa chama de panachage, arranjo de flores, que denota a liberdade do eleitor de chegar a um tal ponto que se possa ordenar uma lista com nomes de listas diversas.

O Brasil, então, segue para uma quarta opção, qual seja a de votar apenas no nome do candidato, ordenando a lista com uma indicação. E parecido com esse modo de proceder – o chamado voto de preferência –, se quero que o quarto lugar venha um pouco mais à frente, marco nele um “x”, e tantos outros que possa sair do lugar onde está.

Mas, como age aquele que, no Brasil de agora, vota apenas na legenda? Como se votasse na lista que todos organizaram, ou seja, uma ordenação que, no fim, será feita por meio do voto de cada um. Qualquer que seja a composição e a ordenação dessa lista, dá-se mais um voto a ela. Ou seja, não quero escolher pessoas, vocês escolhem meu nome, e eu trago mais um voto. É o que chamamos hoje no Brasil de voto na legenda.

Embora encontrando algumas vantagens na lista fechada, e dela discordando, pergunto ao nobre Deputado Ronaldo Caiado se não haveria um modo de se educar melhor, de se fazer ampla campanha para manter esse processo?
...

Walter Costa Porto

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

O 41-A

Este o programa legal de combate à compra de votos em vigor no Brasil desde a eleição de 2000, o artigo 41-A da Lei das Eleições:

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos,
constitui captação de sufrágio,
vedada por esta Lei,
o candidato doar,
oferecer,
prometer,
ou entregar,
ao eleitor,
com o fim de obter-lhe o voto,
bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza,
inclusive emprego ou função pública,
desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive,
sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir,
e cassação do registro ou do diploma,
observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

(Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)

Os números, as análises

Acho que daria um bom problema de pesquisa saber, pela análise do ranking do post anterior, se o maior ou menor número de cassações por estado, ou seja, por TRE, não estaria ligado ao perfil mais ativista ou absenteísta desses tribunais.

O artigo 41-A (da lei das eleições) é, ou se tornou, um programa de ação. Mais do que simples e objetivo dispositivo formal, de aplicação fácil e sem maiores envolvimentos, ele exige compromissos do intérprete-juiz e uma postura afirmativa diante dos fatos que corrompem e desequilibram disputas eleitorais.

A construção jurisprudencial de que basta a comprovação de compra de um único voto (pois o bem juridicamente tutelado pela norma do 41-A seria a vontade do eleitor-indivíduo, não a lisura do pleito) para permitir a condenação do acusado-candidato é um exemplo loquaz desse ativismo: máxima e imediata eficácia.

Mas, em direito eleitoral, assim como se pode comprometer com esse programa de ação, pode-se discutir seus limites. Donde, a tendência mais absenteísta, o direito eleitoral mínimo: soberana é a vontade popular, a Justiça não deve interferir a ponto de substituí-la.

De todo modo, parece improvável que haja tanta diferença entre as práticas político-eleitorais de Minas Gerais e de Alagoas. A diferença pode mesmo residir na falta de uniformidade da jurisdição que capta e julga a realidade dos conflitos eleitorais em cada região. E aí surgem questões como a independência dos órgãos de jurisdição instalados nos estados, do próprio ministério público, a capacidade técnica das assessorias jurídicas de candidatos e partidos, a dificuldade natural de provar o ilícito, a aceitação das provas colhidas...

Outra pesquisa interessante seria verificar o caminho dos processos até o TSE e o confronto entre as jurisdições estaduais e a daquele tribunal superior.

Aliás, os números do TSE, divulgados hoje no Centro de Divulgação da Justiça Eleitoral são diferentes daqueles divulgados pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. É praticamente a metade, 203 foram os cassados pelo TSE. O período considerado para a montagem de cada lista difere, é verdade. No ranking do MCCE foram consideradas as eleições de 2000, 2002 e 2004. Na estatísta do TSE, fala-se em anos e não em eleições.

Mas esse desencontro provavelmente se deve também a discrepâncias entre as bases de dados dos tribunais regionais - que devem ter sido consultadas pelo MCCE - e a base do TSE. Pois, não é provável que tantos processos tenham transitado em julgado, resultando em cassações de registro ou de diploma, sem pelo menos chegar como agravo de instrumento no TSE. Posso estar enganado, mas os números estão muito desencontrados:

No período que envolveu a realização de três eleições no país, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou 203 políticos por compra de votos. Entre janeiro de 2002 e fevereiro de 2007, o TSE recebeu mais de duas mil ações contra políticos com fundamento no artigo 41-A da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), que pune a prática de captação ilegal de votos.

Os 1.349 processos consultados reúnem Recursos Especiais Eleitorais, Recursos Ordinários e Agravos de Instrumento. São espécies de recursos que podem levar a um pronunciamento de mérito sobre a ocorrência ou não do crime de compra de votos. Desse total, 134 ainda estão aguardando julgamento.

Leia a notícia inteira, aqui.

+ de 400 compradores de voto cassados

Este é o saldo, a contabilidade da jurisdição eleitoral sobre os políticos flagrados em prática de captação ilícita de sufrágio, a popular compra de votos.

Os dados abaixo foram divulgados antes do carnaval na revista eletrônica Última Instância:

Desde 2000, 421 políticos foram cassados por compra de votos, revela estudo

Relatório divulgado nesta quinta-feira (15/2) pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral revela que 421 políticos foram cassados no Brasil por compra de votos nas últimas três eleições realizadas no país —2000, 2002 e 2004. A eleição de 2006 não consta no relatório, porque os processos ainda estão sob julgamento na Justiça Eleitoral.

A cassação por compra de votos se baseia na Lei 9.840/99. De acordo com o relatório, Minas Gerais é o Estado com o maior número de políticos cassados por compra de votos, com 47 cassações. No Distrito Federal e no Espírito Santo, apenas uma cassação foi registrada, o menor número, segundo o levantamento.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) faz parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e integrou a coleta de assinaturas para o projeto de lei que culminou com a punição à compra de votos.

O relatório foi apresentado na audiência realizada na sede do Conselho Federal da OAB. O encontro teve a presença do presidente nacional da Ordem, Cezar Britto, da secretária executiva do Movimento de Combate à Corrupção Eeleitoral, Suylan Midlej, do presidente da ABMPE (Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais), juiz Márlon Jacinto Reis, e do representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Gilberto Souza.

Veja abaixo o número de políticos cassados por Estado:

Minas Gerais: 47
São Paulo: 46
Pará: 44
Bahia: 34
Ceará: 32
Santa Catarina: 32
Rio Grande do Norte: 28
Goiás: 24
Mato Grosso do Sul: 15
Rio Grande do Sul: 13
Mato Grosso: 12
Paraíba: 12
Rio de Janeiro: 12
Pernambuco:11
Piauí: 11
Amapá: 7
Paraná: 7
Rondônia: 7
Maranhão: 6
Roraima: 6
Alagoas: 4
Sergipe: 3
Acre: 2
Amazonas: 2
Tocantins: 2
Distrito Federal: 1
Espírito Santo: 1

Deu no jornal




O professor Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, concebeu e dirige este site-projeto:


"banco de dados de reportagens relacionadas à corrupção e seu combate, publicadas em jornais e revistas de todos os estados. O conteúdo editorial das matérias é de responsabilidade exclusiva dos veículos originais. O material divulgado aqui não pode ser usado comercialmente nem redistribuído, e seu uso é restrito a finalidades informativas e de pesquisa."


Hospedado no site há também um blog, editado por Marcelo Soares, coordenador do projeto. Por lá tomei conhecimento da enorme influência das milícias do Rio de Janeiro nas eleições do ano passado:

O jornal O Globo fez um levantamento sobre os mapas eleitorais de pouco mais de um terço das 92 regiões ocupadas pelas milícias.

Descobriu que em 80% dessas comunidades, pelo menos um policial, bombeiro ou militar reformado entre seus candidatos mais votados nas últimas eleições. Um novo fenômeno eleitoral que fica ainda mais explícito com os resultados do pleito: de nove candidatos da área de segurança pública que fizeram campanha para deputado nessas áreas, cinco conseguiram se eleger.

Leia o post todo, clicando aqui.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Reinado

É isso aí. Vamos dar um tempo na República e celebrar a chegada do reinado de Momo.


Depois do carnaval, continuaremos a acompanhar a evolução do direito eleitoral.

A propósito:

A mitologia grega trata Momo, filho do Sono e da Noite, como o deus da zombaria, do sarcasmo, da galhofa, do delírio, da irreverência e do achincalhe. Diante do seu costume de criticar e ridicularizar os outros deuses, a divindade maior do Olimpo perdeu a paciência com ele e o despachou para a Terra, onde o divino deportado passou a ser representado por um jovem tirando a máscara e mostrando o rosto zombeteiro, ao mesmo tempo em que sacudia guizos e apresentava o estandarte da folia que era a razão da sua existência.

A coroação de um rei Momo na Terra vem de longa data, pois houve tempo em que na Roma antiga, durante a realização de determinadas festas, o soldado escolhido como o mais belo de todos era quem recebia a coroa de monarca brincalhão, o que lhe dava o direito de comer, beber e brincar até esgotar totalmente suas forças, sem que ninguém o impedisse de fazer coisa alguma. Depois de finda a farra, e ao contrário do que acontece hoje em dia, ele era solenemente levado ao altar do deus Saturno e ali sacrificado com todas as honras que merecia.

A figura de Momo no carnaval brasileiro surgiu em 1933, no Rio de Janeiro, graças a um cronista esportivo do jornal “A Noite” que apresentou aos carnavalescos um boneco feito em papelão e sugeriu sua indicação como comandante da folia. Esse boneco desfilou no centro da cidade, sendo depois colocado em seu trono para presidir de forma simbólica as comemorações daquele ano. Mas como os proprietários do jornal não se contentaram com o resultado conseguido, foi então iniciada uma campanha para escolher um rei de carne e osso, que acabou sendo o muito gordo Moraes Cardoso, responsável pela seção de turfe da empresa jornalística. Após ser vestido como rei e saudado com um “Vive le Roi” pelos seus colegas de redação, o jornalista desfilou pelas ruas da cidade, onde foi saudado com muita serpentina, confete e lança-perfume. Estava criada, assim, a figura do rei Momo, primeiro e único.

Moraes Cardoso reinou absoluto no carnaval carioca até 1948, quando faleceu. Depois, até 1967, seu substituto passou a ser escolhido por entidades carnavalescas e jornalistas, mas em 1968 sua eleição foi oficializada por lei estadual, e em 1988, por lei municipal. O concurso para a escolha do rei Momo, no Rio de Janeiro, tornou-se oficial em 1950, e desde essa época sua realização corresponde a um verdadeiro espetáculo popular.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Acredite se quiser


Quino

Abuso de Poder

1. Econômico

Abuso do poder econômico em matéria eleitoral consiste, em princípio, no financiamento, direto ou indireto, dos partidos políticos e candidatos, antes ou durante a campanha eleitoral, com ofensa à lei e às instruções da Justiça Eleitoral, objetivando anular a igualdade jurídica (igualdade de chances) dos partidos, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições.

Por abuso do poder econômico pode-se entender qualquer atitude em que haja uso de dinheiro em quantidade excessiva e que venha em prejuízo da liberdade de voto.

MENDES, Antônio Carlos. Apontamentos sobre o abuso do poder econômico em matéria eleitoral. Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral, São Paulo, V. 1, n.º 3, p. 24-31, maio 1988.


2. Político

O abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder, o mandatário, vale-se de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Caracteriza-se dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.

Temos exemplo de abuso do poder político quando, na véspera das eleições, o prefeito candidato à reeleição ordena que fiscais municipais façam varredura em empresas de adversários políticos e não o façam em relação a empresas de amigos e companheiros de partido.


CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral: de acordo com o Código Eleitoral e com a Lei n.º 9.504/97. 3. ed. Curitiba: Juruá, 1998. p. 129-130.

Candidato


No latim, o adjetivo candidus significava "alvo", "brilhante".

Em Roma, o cidadão que se apresentava para disputar um cargo público era chamado de candidatus porque ele envergava a
toga candida (literalmente, a "toga branca"), uma capa feita de tecido alvíssimo. Essa brancura tinha um valor simbólico, pois indicava que a pessoa não tinha nenhuma mancha no seu caráter e que era merecedora do cargo pretendido.

Ao ingressar nas línguas ocidentais, o termo cândido adquiriu o sentido predominante de "puro", "ingênuo", enquanto candidato passou a designar qualquer pessoa que postule um cargo, uma vaga ou uma posição. Independente de suas qualidades morais.


sualingua

Voto

O vocábulo voto provém do latim votum, e isso já indica a origem religiosa do termo, que era entendido como oferenda ou promessa feita aos deuses. (...)

Comumente são utilizados como sinônimos os vocábulos voto e sufrágio.

A palavra sufrágio provém do latim
sufragium e pode ser traduzida inicialmente como ajuda, favor ou socorro, acepção que não é de todo descabida pois, como adverte Lucas Verdu, mediante o sufrágio os cidadãos eleitores colaboram, enquanto membros da comunidade política (Estado-comunidade), com a sua conexão com a organização jurídico-política do Estado (Estado-aparato) e, assim, para a integração funcional de toda a sociedade política. Não em vão, como já manifestava Maurice Hauriou, o sufrágio é a organização política do assentimento, do sentimento de confiança e de adesão de homem para homem.

Em todo caso, posteriormente, ao vocábulo sufrágio se deu um novo significado, o de voto, como sendo a capacidade para eleger.

Anteriormente, pois, se utilizavam indistintamente as expressões sufrágio e voto, por amplos setores doutrinários. Assim, Perez Serrano define o sufrágio como uma operação administrativa, pela sua forma e procedimento, mediante a qual se define quem deve ocupar determinados cargos públicos; se manifesta o critério do corpo eleitoral com respeito a uma medida proposta, ou se expressa a opinião dos cidadãos pelo voto em um certo momento a respeito da política nacional.

Sem embargo, de nossa parte, entendemos que convém distinguir os termos sufrágio e voto, mesmo tendo em conta que entre estes existe uma indiscutível analogia. O tema da natureza jurídica do sufrágio tem propiciado posições doutrinais divergentes que podem ser organizadas em dois grandes grupos.

No primeiro se situam aqueles que entendem que o eleitor, ao votar, exercita um direito dos chamados inatos ou originários. A origem dessa posição se vincularia de algum mdo à concepção rousseauniana da lei como expressão da vontade geral, que se reflete no art. 6º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em cujo teor se lê:

“A Lei é expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente, ou por meio de representantes, para a sua formação...”

Definitivamente, se a lei deve refletir fielmente a vontade geral, todos os cidadãos devem participar de sua formação por intermédio da eleição de quem, enquanto representantes seus, hão de elaborá-la.

No segundo grupo, poderíamos inserir aquele setor da doutrina que o ato de votar não supõe o exercício de nenhum direito individual, mas sim que pelo voto o eleitor atua como um órgão do Estado, realizando uma função deste. (...)

De nossa parte, entendemos, com Gimenez Fernández, que essas posições não são inconciliáveis. Claro que o sufrágio, mesmo não sendo um direito originário, não pode ser concebido como uma mera função. Estamos em presença de um direito fundado na convivência social, próprio do homem, não enquanto ser humano, mas como cidadão de um Estado, cuja essência portanto corresponde ao homem-cidadão, mas cuja determinação compete ao Estado, que é encarregado de assegurar a realização do direito.

(...) Trata-se, pois, de um direito público subjetivo de natureza política.

Frente ao sufrágio, o voto é uma determinação de vontade que compreende outras espécies que o sufrágio político. Vota-se nas assembléias legislativas, nos tribunais, nos corpos diretivos, no seio dos órgãos de direção e deliberação de todo tipo de instituição, públicas e privadas.
O voto constitui, pois, uma forma de expressão de vontade e, com relação ao sufrágio político, o voto é o fato do seu exercício.

A atividade que desempenha o eleitor quando vota configura um ato de vontade política – que deriva do prévio direito subjetivo de sufrágio – mediante o qual, sem necessidade de uma fundamentação explícita, expressa seu respaldo a uma determinada opinião, fórmula ou solução política, ou manifesta seu desejo de que determinados candidatos ocupem certos postos de autoridade; enfim, formaliza a própria vontade ou opinião de modo a alcançar uma decisão coletiva.

Instituto Interamericano de Derechos Humanos - IIDH. Diccionario electoral. San Jose, CR: IIDH, 2000, tomo II, pp. 1243-1245. Tradução livre: Mauro Almeida Noleto.

O Sol


Maikovski, trad. Augusto de Campos

Presente

Nas escadas deixo-me cair
Pesado, carregado demais
Cada bolso, um fardo
De máscaras, tudo falso
Mas, e daí, não subir mais?
Quando assistir apenas?
Preguiçoso, ainda não mereço o elogio.
Já ouço outros passos,
Julgam-se atrasados, impontuais
Vigio, saúdo:
Como vais?
Queres ouro, tempo, gozo?
Pensei possuí-los, mas
Pesavam tanto na subida...
Parei neste descanso.
Aqui, achei!
Toma esta pena,
Tem o peso de um poema.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

APonte


As Eleições na Justiça - comentários

Professor Othon de Azevedo Lopes:

  • Faltou ao trabalho uma abordagem da democracia substantiva, material.

  • O Judiciário tem extrema dificuldade em produzir jurisprudência.

  • Os Tribunais não fazem a tópica, estamos vendo a politização do Judiciário.

Professor Torquato Jardim:

  • Vivemos em tempo de democracia atomizada, com grupos e demandas sociais específicos.

  • A ocorrência de um furor legislativo tem acarretado a criação de normas "gerais particularizadas".

  • Qual é o limite psiquiátrico da jurisdição?

Ministro Sepúlveda Pertence:

O abstencionismo é uma fuga do novo desafio da Justiça Eleitoral que é a contenção do poder nem tão invisível.

Não foi por acaso que não inventamos a flauta doce e sim a urna eletrônica!

As Eleições na Justiça - a pesquisa III

Sobre o marco teórico da pesquisa, a teoria tópica de Theodor Viehweg, melhor deixar para o livro...

(Capítulo II):

(...)

Segundo Viehweg, o mundo da prática do Direito é irremediavelmente problemático e, como tal, precisa valer-se com freqüência do raciocínio tópico de busca e de seleção de premissas que proporcionem a formação da vontade decisória. À diferença do pensamento sistemático, que confere todo o mérito da decisão jurídica à qualidade lógica da dedução, Viehweg lança luzes sobre o momento que antecede a decisão, a busca das premissas. Vinculada ao caso-problema, essa busca se dá com o foco no problema, entendido aqui como toda questão jurídica a ser resolvida, mas que, ao receber uma resposta, não exclui outras respostas alternativas.[i] Isso quer dizer que, reaberto o problema, a solução anteriormente encontrada pode já não mais ser aplicável.

Viehweg mostra que é com o racionalismo – e, principalmente, depois da consolidação do positivismo como paradigma científico no Direito - que a cultura jurídica moderna, pretendendo emprestar ao Direito uma estrutura lógica de sistema de normas e conceitos, realiza a substituição do estilo tópico pelo método dedutivo, em nome dos ideais de certeza e racionalidade.

No entanto, a idéia de um sistema jurídico, logicamente perfeito, é para o autor de Tópica e Jurisprudência algo impossível de se atingir. É que, desde a escolha dos princípios objetivos fundamentais (axiomas) que irão constituir o topo do sistema de deduções, até propriamente a tarefa das puras operações lógico-dedutivas, ocorrem influências ou infiltrações tópicas, na medida da maior ou menor margem de decisão que se verifique. Conseqüentemente, em lugar de um sistema unitário, seria mais correto caracterizar o ordenamento jurídico como uma pluralidade de sistemas dedutivos de curto alcance, pois não estariam mais – ou talvez, nunca tenham sido – aptos a gerar longas cadeias dedutivas a partir de premissas sempre verdadeiras ou axiomáticas.

Considera-se, pois, que as premissas jurídicas e assim também os próprios sistemas jurídicos sejam mutáveis e de certo modo condicionados aos consensos obtidos por intermédio da argumentação que se desenvolve para o enfrentamento de problemas.

E em meio a essa pluralidade de sistemas parciais e de curto alcance, que compõe o ordenamento, a tópica emerge nitidamente em quatro situações:

  • “Em primeiro lugar, na interpretação, que é o instrumento encarregado de eliminar as colisões entre esses sistemas particulares. Em segundo lugar, na chamada aplicação do Direito, que praticamente nunca funciona como uma mera operação silogística, sem a intervenção de elementos externos ao sistema, como, por exemplo, a própria necessidade de interpretação de seus preceitos. Em terceiro lugar, no uso da linguagem ordinária, caracterizada por sua flexibilidade e, por isso mesmo, pela insegurança, pela falta de precisão daquilo que nela se expressa. Devido a essas características essa linguagem se renova continuamente, mercê da introdução constante de novos significados e pontos de vista inventivos, o qual ocorre conforme o modelo da tópica. E, por último, a tópica irrompe também na interpretação dos fatos, do simples estado de coisas, interpretação sempre necessária como passo para dotar esses fatos de uma ou outra relevância jurídica.” (sem grifos no original)[ii]

Aplicando essa tese ao Direito Eleitoral, pode-se dizer que seu problema fundamental diz respeito à manutenção de um equilíbrio razoável na disputa política em homenagem à liberdade do eleitor. É que, embora nesse campo tão particular do Direito o conflito se materialize rotineiramente entre candidatos, é o terceiro interessado (cidadão-eleitor) que detém a maior parte dos bens jurídicos protegidos pelo Direito Eleitoral.

Deste problema fundamental derivam as séries de problemas que condicionam a formação da jurisprudência em matéria eleitoral, ou seja, seus tópicos elaborados argumentativamente como premissas decisórias[iii].

De um modo geral – sustenta Viehweg - o problema (aporia) fundamental com o qual a jurisprudência precisa lidar reside na questão de saber o que é o justo aqui e agora.

(...)

-------------------------

[i] “Para o nosso fim, pode chamar-se problema – esta definição basta – toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução.” Id. Ibid. p. 34.

[ii] Apud AMADO, Juan Antonio Garcia. Teorias de la Tópica Jurídica. Madrid: Civitas, 1988, p.149.

[iii] “A estrutura total da jurisprudência, como dissemos mais acima (cf. I, 1), só pode ser determinada a partir do problema. (...) Ao tomar posição de uma determinada maneira frente ao problema fundamental (por exemplo, a autonomia privada parece justa), origina-se um conjunto de questões que se pode determinar com bastante precisão e que baliza o âmbito de uma disciplina especial, por exemplo, o do direito privado. Toda a organização de uma disciplina jurídica se faz partindo do problema. Quando se diferenciam certas séries de questões do modo indicado, agrupam-se ao redor delas as tentativas de resposta do respectivo direito positivo. Naturalmente, estes quadros de questões não devem ser sobreestimados em sua constância. Sua formação depende de alguns pressupostos de compreensão que não são imutáveis. O único efetivamente permanente é a aporia fundamental. Porém, isto não impede que, com freqüência, uma situação de longa duração permita formular certos complexos de perguntas permanentes. Em suas linhas fundamentais e em suas conexões, têm geralmente um alto grau de fixidez, do mesmo modo que as soluções. Cabe à Sociologia do Direito a tarefa de investigar com mais detalhe as relações que aqui existem, ainda que sem cair num sociologismo todo-poderoso e unilateral”. VIEHWEG. Ob. Cit., pp.91/92.

As Eleições na Justiça - a pesquisa II

Como estava dizendo, minha hipótese de pesquisa foi formulada no terreno metodológico e partiu do seguinte problema:


  • Que tipo de raciocínio decisório poderia está relacionado à transitoriedade jurisprudencial que se observa no TSE?
  • Com que método de julgamento e sobre que bases normativas se constrói essa instância cognitiva dos fatos jurídicos eleitorais, a jurisprudência?

Sustento que o método ou o raciocínio decisório que melhor se encaixa no campo eleitoral é a tópica jurídica. Não vejo como aplicar à jurisprudência eleitoral um olhar dedutivista, formalista ou idealista. Parece não haver, nesse campo, um sistema de regras e princípios uniforme e perene o suficiente para permitir a segurança jurídica das deduções: soluções previamente caracterizadas nos preceitos aplicáveis ao fato social, no caso, os fatos político-eleitorais.

Não me propus a responder a pergunta Por que se decidiu assim e não assado? Mas como se decidiu assim e assado? (com as devidas vênias pela metáfora)

Até pouco tempo havia um "costume" consagrado. A edição de lei específica para reger cada eleição. É o famoso casuísmo das regras do jogo. Regras criadas pelos jogadores em disputa, diga-se. Esse casuísmo, há quem o considere inerente ao jogo, caso do professor Torquato Jardim que declarou aqui nos diálogos que "o horizonte do direito eleitoral é a próxima eleição".

É até esperado que haja mesmo muita alteração da jurisprudência provocada exclusivamente por mudanças de parâmetro normativo. Mas, no período pesquisado (última década), pude catalogar alterações importantes e profusas na posição da jurisprudência do TSE, sem que tivesse ocorrido mudança legislativa estrutural. As mudanças houve, mas também elas tópicas.

No regime das inelegibilidades, é bom ressalvar, a alteração veio com a inédita possibilidade da reeleição e isso afetou bastante a compreensão dos impedimentos, dando margem a uma onda de alterações na jurisprudência. Esse universo estava, no entanto, fora dos limites imediatos da pesquisa, que se voltou para o problema da caracterização e julgamento do abuso de poder (político e econômico), aí incluídas as chamadas condutas vedadas e a captação ilícita de sufrágio.

Cheguei a montar um catálogo de tópicos argumentativos que funcionam como premissas das matrizes decisórias, os paradigmas ou modelos. Verifiquei que os tópicos permanecem, mas os paradigmas são alterados com frequência. Isso porque à falta de parâmetros normativos estáveis, isto é, na ausência de regras que favoreçam a pura dedução lógico-formal, o silogismo, o direito eleitoral é hoje um campo em que predominam os princípios, cláusulas gerais, conceitos fluidos que dão margem à construção argumentativa caso a caso.

Catálogo de tópicos argumentativos/decisórios:

  • Possibilidade/impossibilidade/possibilidade de que o candidato que deu causa à anulação de um pleito possa participar da renovação dessa mesma eleição[i];
  • Necessidade de provar-se - não o nexo de causalidade, entendido esse como a comprovação de que o candidato foi eleito efetivamente devido ao ilícito ocorrido – mas que a conduta abusiva de candidato tenha potencialidade para influir no resultado da eleição, alterando o equilíbrio entre as candidaturas em disputa[ii];
  • A despeito do princípio da coisa julgada, a condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio produz efeitos imediatos[iii];
  • Para configuração da conduta vedada pelo art. 73 da Lei das Eleições, não há necessidade de se perquirir sobre a existência ou não da possibilidade de desequilíbrio do pleito, o que é exigido no caso de abuso (genérico) de poder.[iv]
  • As condutas vedadas aos agentes públicos devem ser examinadas com base no princípio da razoabilidade e de uma reserva legal proporcional[v].
  • Para efeito de coligações partidárias, quando se tratar de eleições simultâneas, a circunscrição nacional engloba as demais. (c.f. capítulo II).

A jurisprudência reflete esse casuísmo e ela própria também torna-se presa do casuísmo, pois com parâmetros de julgamentos tão abertos como o que se encontra no artigo 237 do Código Eleitoral e que supostamente qualifica juridicamente o fato social do abuso de poder, não se poderia esperar a segurança jurídica de um tipo penal, por exemplo.

  • Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

A cláusula aberta é extamente o avanço do poder sobre a liberdade de escolha do eleitor. Porém, como caracterizar esse abuso sem examinar os fatos peculiares da causa, apreciar suas circunstâncias? E, apreciando as circunstâncias, como não realizar ponderações, examinar os fatos com as lentes da razoabilidade?

Bem, mas não é assim mesmo que ocorre em todo processo?

Nas instâncias ordinárias, sim, mas o TSE é uma instância especial, não deveria supostamente examinar fatos e provas para aferir, por exemplo, a potencialidade lesiva ao equilíbrio da disputa que uma determinada prática eleitoral de candidato tida por abusiva tenha acarretado, e então, com base nessa aferição, decidir se cassa, expulsa ou não, o acusado da competição política. Não obstante, esse tópico da potencialidade foi criado pelo próprio TSE com a finalidade inicial de dar mais eficácia à repressão ao abuso de poder e, hoje, é amplamente utilizado no julgamento de recursos especiais eleitorais, tanto para cassar quanto para absolver candidatos.

Aliás, esse problema da apreciação das circunstâncias de cada caso em sede de recurso especial eleitoral também vem sendo superado argumentativamente com a distinção que é feita entre apreciação da prova e valoração da prova.

Mas, para completar o parâmetro normativo de julgamento do abuso de poder, há ainda a disciplina constitucional, também esta composta por conceitos, cuja compreensão ou construção prática depende de interpretação:

  • Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
    (...)
    § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação da EC de Revisão nº 04/94)
    § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Espero ter podido demonstrar, no trabalho, a adequação da teoria tópica para descrever modos de decidir muito presentes nos acórdãos da Corte eleitoral superior.

Mais do que isso, talvez pelo privilégio de ter atuado como servidor daquele Tribunal, primeiro na honrosa função de Chefe de Gabinete da Presidência do Min. Pertence e depois como Coordenador da Escola Judiciária Eleitoral, pude acompanhar de perto alguns momentos históricos. E para mim era nítido o dilema que com frequência se colocava aos sete ministros durante os debates acalorados no Plenário. O dilema entre assumir uma postura ativa ou ativista frente aos fatos alegadamente ilícitos da disputa política ou, mais cautelosamente, abster-se de interferir nos resultados da vontade popular, adotando o que se pode chamar de postura absenteísta, ou de direito eleitoral mínimo.

Creio que se pode resumir esse dilema no seguinte trecho de um voto do Ministro Gilmar Mendes:

  • “Senhor Presidente, tenho destacado que a Lei como um todo, que é extremamente restritiva, tem de ser interpretada em consonância com o princípio da proporcionalidade – trata-se de uma imposição do sistema constitucional. (...)”.
    “Neste caso, há razões ainda mais fortes em questões que envolvem a manifestação da vontade popular, porquanto uma posição intervencionista do Tribunal, ativista, envolve, em muitos casos, fraudar a vontade popular”.
    “Falou-se aqui em psiquiatria e, de fato, muitas vezes cogitamos disto: a Justiça Eleitoral está se tornando divã de perdedores de eleição, de pessoas que não têm voto e têm de se explicar depois via processo eleitoral. É preciso dar um paradeiro nisso. Não temos de resolver problemas de advogado que precisa de causa nem de candidato que perdeu a eleição. De modo que esta lei há de ser aplicada, independentemente da sua literalidade, com base no princípio da proporcionalidade"
    (Respe 25.016, Min. Peçanha Martins. DJ 17.6.05).

Não esperava encontrar tudo isso e descobri que o campo do direito eleitoral é ainda muito mais fecundo e criativo. Todavia, ironia, uma coisa é certa:

(...) O casuísmo das regras eleitorais, a vagueza de alguns de seus enunciados centrais, aliados à intensa rotatividade dos juizes eleitorais, no entanto, têm acarretado uma situação bastante peculiar: quando uma eleição é judicializada, desde que haja possibilidade de cassação do registro ou do diploma de alguns dos candidatos em disputa, seus resultados continuam incertos, às vezes, mesmo depois da apuração dos votos.

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[i] MC 995, relator: Min. Sálvio de Figueiredo (Goianira-GO); RESPE 18878, relator: Min. Madeira (Ribas do Rio Pardo-MS; RESPE 25127, relator: Min. Gomes de Barros (Ibirarema-SP).

[ii] RO 752, relator: Min. Fernando Neves (Guaçui-ES), DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 06/08/2004, Página 163.

[iii] MC 994, relator: Min. Fernando Neves (Chapada dos Guimarães). DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 15/10/2001, Página 133.

[iv] Respe 21167, relator: Ministro Fernando Neves. DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 12/09/2003, Página 122. RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 14, Tomo 3, Página 172.

[v] AG 4592, relator: Min. Gilmar Mendes (Jundiaí-SP). DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Tomo -, Data 09/12/2005, Página 142.

Mangabeira

Para rir da política uma boa charge é tiro e queda.

Como estas do blog do Mangabeira.



Premonição?



domingo, 11 de fevereiro de 2007

As Eleições na Justiça - a epígrafe

Ah, vocês acham que só se constroem casas? Eu me construo e os construo continuamente, e vocês fazem o mesmo. E a construção dura enquanto o material dos nossos sentimentos não desmorona, enquanto dura o cimento de nossa vontade. Por que vocês acham que se recomenda tanto a firmeza de vontade ou a constância nos sentimentos? Basta que essa vacile um pouco, ou que aquela se altere em um ponto e mude minimamente...e adeus nossa realidade! Subitamente nos damos conta de que tudo não passava de uma ilusão nossa.

Portanto, firmeza de vontade. Constância nos sentimentos. Segurem-se forte, segurem-se forte para não dar esses mergulhos no vazio, para não ir de encontro a essas ingratas surpresas.

Mas que belas construções saem disso!

Pirandello. Um, nenhum e cem mil.

As Eleições na Justiça - a pesquisa I

Já me referi aqui ao meu trabalho de conclusão da especialização em direito eleitoral pela Universidade de Brasília. Pois é, o texto será publicado em breve, mas, sem querer tirar o ineditismo, achei que seria interessante começar a divulgar por aqui.

O título: "As Eleições na Justiça - caminhos e encruzilhadas da interpretação do direito eleitoral no Brasil".

A banca examinadora foi composta pelos professores Othon de Azevedo Lopes e Torquato Jardim e presidida pelo meu orientador, Ministro Sepúlveda Pertence. Fui aprovado e sou muito grato à Universidade de Brasília e à Escola Judiciária Eleitoral do TRE-DF, que, mediante convênio, tornaram possível o curso.

Tomei notas para a apresentação do trabalho perante a banca em um bloco de rascunho que julgava perdido, mas ontem encontrei essas notas. Aí estão:

Objetivos da pesquisa:

  • estudar o comportamento decisório do TSE;
  • identificar e compreender as linhas centrais que formam as cadeias jurisprudenciais em direito eleitoral;
  • compreender os processos argumentativos desse encadeamento decisório;
  • explicar os fatores que concorrem para a permanência do quadro de mutabilidade ou instabilidade da jurisprudência em matéria eleitoral.

Estrutura do trabalho

  • Capítulo I - Democracia e Justiça

O regime democrático é o pano de fundo necessário para a atuação da justiça eleitoral. Sem democracia, não há eleições válidas, ou pelo menos, honestas. É a história do Brasil que atesta a assertiva. Por isso, a incursão feita no primeiro capítulo sobre o papel desempenhado pela criação da justiça eleitoral na construção da experiência democrática brasileira.

Em resumo, ao longo da história republicana - foi criada em 32 - a justiça eleitoral tem conseguido paulatinamente garantir a legitimidade das eleições pelo controle administrativo do processo de registro de eleitores e pela repressão à fraude na coleta do voto. Esse processo chegou a seu apogeu com a criação da urna eletrônica e com o aprimoramento do processo eletrônico de transmissão de dados. A velocidade da apuração é virtual impedimento da fraude.

Para Bolívar Lammonier, a condição sine qua non para a democracia representativa é a incerteza prévia quanto aos resultados das eleições: a confiança de que o voto votado será o voto apurado. Esse ganho institucional o sistema eletrônico de votação brasileiro conseguiu alcançar. Que deva ser aprimorado, que se antecipe ao ilícito, tudo bem, mas não houve contestações importantes à lisura do processo até então.

Aliás, presenciei no TSE a experiência de cooperação internacional. A urna brasileira foi utilizada em uma deterninada província do Paraguai. Coincidência ou não, o grupo político que há décadas não perdia foi derrotado.

Ocorre, porém, que sabemos, com Norberto Bobbio, que a democracia está devendo. Que há muitos contrastes entre o que foi a promessa democrática dos fundadores e o que tem sido entregue pelos seus praticantes históricos.

Bobbio (O Futuro da Democracia) enumera seis promessas não cumpridas da democracia:

  • a sobrevivência do poder invisível;
  • a permanência das oligarquias;
  • a permanência de corpos intermediários;
  • a revanche da representação de interesses;
  • a participação interrompida;
  • o cidadão não-educado.

Mas, apesar desses contrastes, Bobbio enfatiza que não se trata de falar em esgotamento da democracia; ele rebate vários argumentos para concluir que a democracia se adapta, ou se adaptou às circunstâncias de cada tempo e está aí, viva como nunca. De fato, parece que nunca houve o tempo em que tantos países "conviveram" sob o declarado regime democrático.

Porém há que cuidar. Pelo menos um daqueles contrastes entre o ideal e a experiência democrática, a sobrevivência do poder invisível, isto é, a falta de transparência com os assuntos públicos é mortal, atinge a essência da democracia. Ou melhor, o conceito mínimo de democracia (Bobbio):

  • "O conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomas decisões coletivas e com quais procedimentos."

Daí, creio, a pertinência e o valor da participação isenta da justiça eleitoral na condução administrativa do processo.

Sustento que, mantida sob controle a fraude na coleta e transmissão dos votos, o ilícito eleitoral volta-se exclusivamente ao conflito político direto. Entre candidatos, eleitores, partidos e financiadores. Basta acompanhar outra rotina da justiça eleitoral, a jurisdição, para a fácil constatação. Não há mais impugnação de urna como havia antes, semanas de apuração, urnas violadas etc. Hoje, na noite do mesmo dia da votação proclamam-se os eleitos.

O ilícito eleitoral corriqueiro é agora a captação ilícita de sufrágio, o abuso de poder, a propaganda irregular ou injuriosa e a captação ilícita de recursos. Hoje quase não se ouve falar em boca de urna. Ocorrem casos isolados que nem merecem estatísticas.

Mas as estatísticas processuais mostram que, nesse campo, a justiça eleitoral é também bastante requisitada.

Claro, é bom lembrar, muitos dos processos eleitorais versam sobre os impedimentos, ou inelegibilidades, que, nem sempre têm origem em ilícitos.

Bem, de todo modo, é aqui que se chega ao ponto central do trabalho. Depois de apreciar a contribuição da justiça na administração dos pleitos, passei a analisar a:

  • formação da jurisprudência em matéria eleitoral, com destaque para os processos de repressão ao abuso de poder, pelo ângulo do comportamento decisório do Tribunal Superior Eleitoral.

Cabe uma inflexão.

Acho que ninguém faz pesquisa com algum rigor e diz que sabe o que vai encontrar no final do projeto realizado. Isso é, afinal, a confirmação da vocação científica, a descoberta.

De todo modo, os pesquisadores partimos de hipóteses, su(b)posições e chegamos a constatações sempre parciais e pessoais, o que não retira o acerto de algumas proposições formuladas. Em minha pesquisa, formulei a hipótese central em torno de uma constatação: a transitoriedade da jurisprudência, ou melhor, a velocidade das mudanças dos modelos decisórios em matéria de abuso de poder (político, econômico e de mídia). Limitei meu universo a esse aspecto da jurisdição, embora tenha também examinado um caso que considerei exemplar, a verticalização, que não envolve a questão do abuso de poder, mas afetou muito o jogo então em andamento.

Não fiz juizos de valor, ou crítica dos resultados decisórios (são coisa julgada). Formulei minha hipótese no campo metodológico.

Para finalizar esse post e tentar explicar melhor a hipótese, vai aí um trecho da introdução:

(...)

É de Bobbio a lembrança de que “só o poder pode criar o direito, mas só o direito pode limitar o poder”.

Não é o Judiciário que, na origem, instaura a regra do jogo democrático, mas é dele a tarefa de garantir o seu cumprimento. Mas, se cabe principalmente ao Supremo Tribunal Federal zelar pela integridade da Constituição em face do exercício do poder político (governamental e parlamentar), nos “intervalos” da governança, quando a disputa política se transfere para o tumultuado e agressivo campo da competição eleitoral, cumpre à Justiça Eleitoral e, especialmente, ao Tribunal Superior Eleitoral a tarefa democrática do controle jurídico do poder.

Esse é o foco do presente trabalho, em que se pretendeu realizar um exame analítico do comportamento decisório da jurisprudência em matéria eleitoral, partindo, com Mauro Cappelletti, da premissa de que:

“(...) tanto em face do Big Business quanto do Big Government, apenas um Big Judiciary pode se erigir como guardião adequado e contrapeso eficaz. (...) se a concepção da jurisdição como função meramente declarativa, passiva e mecânica é fictícia e sempre frágil, ainda mais evidentemente frágil e fictícia resultará quando um ‘grande judiciário’ estiver empenhado na tarefa de composição de controvérsias de tal amplitude. O caráter criativo, dinâmico e ativo de um processo jurisdicional, cujos efeitos devem, por definição, ultrapassar em muito às partes fisicamente presentes em juízo, não pode deixar de aparecer com grande proeminência."

(sem grifos no original)

Este estudo da jurisprudência do TSE pretende mostrar, pois, que essas características (criatividade, ativismo e dinamismo) podem ser sobejamente reconhecidas pelo exame analítico de sua evolução nas duas últimas décadas. Se isso é bom ou ruim, correto ou não, aqui não se teve a intenção de indagar, muito menos de oferecer qualquer resposta crítica, o que somente poderia ter sido feito a partir de parâmetros filosóficos que não estão sequer esboçados adequadamente nos capítulos que se seguem. Contentou-se o trabalho em procurar apenas mostrar a ocorrência do fato, na tentativa de delineamento dos contornos desse comportamento decisório em matéria eleitoral.


Não obstante, pretende-se sustentar que o método ou estilo dessa jurisprudência eleitoral, pelo menos considerada a sua transitoriedade, é algo mais próximo do pensamento conhecido como tópica jurídica, teoria formulada por Theodor Viehweg a partir de matrizes aristotélicas.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

O cabresto, o bico de pena, a degola...

O texto abaixo trata do modo fraudulento como se realizavam as eleições no Brasil até a República Velha. Esse quadro começou a ser alterado com a criação da Justiça Eleitoral em 32. Está disponível no site Educação Pública, do governo do Rio de Janeiro.

O Texto é talvez extenso demais para figurar aqui no blog, por isso é melhor ler na página original em que foi publicado, clicando aqui.

"...Um dos pontos de pauta da Aliança Liberal, derrotada nas urnas e vitoriosa na Revolução de 1930, era a moralização do processo eleitoral. Os objetivos eram a representação das minorias, o voto secreto e criar uma instância independente dos poderes Executivo e Legislativo que fosse responsável pela organização, apuração e nomeação dos vencedores das eleições.
Essas funções seriam realizadas pela Justiça Eleitoral e visavam garantir que os pleitos representassem a vontade dos eleitores. Por isso, as eleições de maio de 1933, as primeiras organizadas por ela, foram chamadas de verdadeiras pela imprensa.

Para entender a importância da criação dessa instituição em nosso país é preciso, primeiro, rever o lento processo de evolução do sistema eleitoral durante a República Velha (1889-1930).

Entre 1891 e 1930, o sistema eleitoral para a eleição do presidente, vice-presidente, senadores e deputados federais foi organizado de quatro formas. Na República Velha, a exemplo do Império, as eleições para as assembléias estaduais eram reguladas por leis estaduais.

  • A primeira forma é a dos regulamentos que regeram a eleição dos constituintes de 1891. Os eleitos nesse pleito elegeram de forma indireta o presidente e o vice, respectivamente os marechais Deodoro da Fonseca e o Floriano Peixoto.

  • A segunda foi instituída no governo Floriano Peixoto, em 1892.

  • A terceira, de 1904, ficou conhecida como Lei Rosa e Silva.

  • A quarta e última, foram as mudanças introduzidas por Wenceslau Brás, em 1916, no sentido de moralizar as eleições.

Durante todo o período, as disputas políticas ocorreram em torno das

  • listas de eleitores,

  • da apuração,

  • da verificação dos resultados e

  • do reconhecimento dos candidatos eleitos.

Os dois primeiros deram origem às expressões “eleições de bico de pena” e “voto de cabresto” ou “curral eleitoral”. Os outros dois estão na origem da expressão “degola”.

Para compreender como era feita a manipulação do resultado das eleições e como ela variou no tempo é preciso se conhecer as diferentes legislações eleitorais. Primeiro, vamos tratar das leis eleitorais, que tornavam possível o voto de “cabresto” e o “bico de pena”.
(...)