As Eleições na Justiça - a pesquisa III
Sobre o marco teórico da pesquisa, a teoria tópica de Theodor Viehweg, melhor deixar para o livro...
(Capítulo II):
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Segundo Viehweg, o mundo da prática do Direito é irremediavelmente problemático e, como tal, precisa valer-se com freqüência do raciocínio tópico de busca e de seleção de premissas que proporcionem a formação da vontade decisória. À diferença do pensamento sistemático, que confere todo o mérito da decisão jurídica à qualidade lógica da dedução, Viehweg lança luzes sobre o momento que antecede a decisão, a busca das premissas. Vinculada ao caso-problema, essa busca se dá com o foco no problema, entendido aqui como toda questão jurídica a ser resolvida, mas que, ao receber uma resposta, não exclui outras respostas alternativas.[i] Isso quer dizer que, reaberto o problema, a solução anteriormente encontrada pode já não mais ser aplicável.
Viehweg mostra que é com o racionalismo – e, principalmente, depois da consolidação do positivismo como paradigma científico no Direito - que a cultura jurídica moderna, pretendendo emprestar ao Direito uma estrutura lógica de sistema de normas e conceitos, realiza a substituição do estilo tópico pelo método dedutivo, em nome dos ideais de certeza e racionalidade.
No entanto, a idéia de um sistema jurídico, logicamente perfeito, é para o autor de Tópica e Jurisprudência algo impossível de se atingir. É que, desde a escolha dos princípios objetivos fundamentais (axiomas) que irão constituir o topo do sistema de deduções, até propriamente a tarefa das puras operações lógico-dedutivas, ocorrem influências ou infiltrações tópicas, na medida da maior ou menor margem de decisão que se verifique. Conseqüentemente, em lugar de um sistema unitário, seria mais correto caracterizar o ordenamento jurídico como uma pluralidade de sistemas dedutivos de curto alcance, pois não estariam mais – ou talvez, nunca tenham sido – aptos a gerar longas cadeias dedutivas a partir de premissas sempre verdadeiras ou axiomáticas.
Considera-se, pois, que as premissas jurídicas e assim também os próprios sistemas jurídicos sejam mutáveis e de certo modo condicionados aos consensos obtidos por intermédio da argumentação que se desenvolve para o enfrentamento de problemas.
E em meio a essa pluralidade de sistemas parciais e de curto alcance, que compõe o ordenamento, a tópica emerge nitidamente em quatro situações:
- “Em primeiro lugar, na interpretação, que é o instrumento encarregado de eliminar as colisões entre esses sistemas particulares. Em segundo lugar, na chamada aplicação do Direito, que praticamente nunca funciona como uma mera operação silogística, sem a intervenção de elementos externos ao sistema, como, por exemplo, a própria necessidade de interpretação de seus preceitos. Em terceiro lugar, no uso da linguagem ordinária, caracterizada por sua flexibilidade e, por isso mesmo, pela insegurança, pela falta de precisão daquilo que nela se expressa. Devido a essas características essa linguagem se renova continuamente, mercê da introdução constante de novos significados e pontos de vista inventivos, o qual ocorre conforme o modelo da tópica. E, por último, a tópica irrompe também na interpretação dos fatos, do simples estado de coisas, interpretação sempre necessária como passo para dotar esses fatos de uma ou outra relevância jurídica.” (sem grifos no original)[ii]
Aplicando essa tese ao Direito Eleitoral, pode-se dizer que seu problema fundamental diz respeito à manutenção de um equilíbrio razoável na disputa política em homenagem à liberdade do eleitor. É que, embora nesse campo tão particular do Direito o conflito se materialize rotineiramente entre candidatos, é o terceiro interessado (cidadão-eleitor) que detém a maior parte dos bens jurídicos protegidos pelo Direito Eleitoral.
Deste problema fundamental derivam as séries de problemas que condicionam a formação da jurisprudência em matéria eleitoral, ou seja, seus tópicos elaborados argumentativamente como premissas decisórias[iii].
De um modo geral – sustenta Viehweg - o problema (aporia) fundamental com o qual a jurisprudência precisa lidar reside na questão de saber o que é o justo aqui e agora.
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[i] “Para o nosso fim, pode chamar-se problema – esta definição basta – toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução.” Id. Ibid. p. 34.
[ii] Apud AMADO, Juan Antonio Garcia. Teorias de la Tópica Jurídica. Madrid: Civitas, 1988, p.149.
[iii] “A estrutura total da jurisprudência, como dissemos mais acima (cf. I, 1), só pode ser determinada a partir do problema. (...) Ao tomar posição de uma determinada maneira frente ao problema fundamental (por exemplo, a autonomia privada parece justa), origina-se um conjunto de questões que se pode determinar com bastante precisão e que baliza o âmbito de uma disciplina especial, por exemplo, o do direito privado. Toda a organização de uma disciplina jurídica se faz partindo do problema. Quando se diferenciam certas séries de questões do modo indicado, agrupam-se ao redor delas as tentativas de resposta do respectivo direito positivo. Naturalmente, estes quadros de questões não devem ser sobreestimados em sua constância. Sua formação depende de alguns pressupostos de compreensão que não são imutáveis. O único efetivamente permanente é a aporia fundamental. Porém, isto não impede que, com freqüência, uma situação de longa duração permita formular certos complexos de perguntas permanentes. Em suas linhas fundamentais e em suas conexões, têm geralmente um alto grau de fixidez, do mesmo modo que as soluções. Cabe à Sociologia do Direito a tarefa de investigar com mais detalhe as relações que aqui existem, ainda que sem cair num sociologismo todo-poderoso e unilateral”. VIEHWEG. Ob. Cit., pp.91/92.
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