O terceiro gigante
O fenômeno, no entanto, é tratado em sentido mais geral como a “judicialização da política”[ii], conceito que tem sido utilizado para descrever a revisão judicial (judicial review) dos atos (políticos) do poder legislativo e do poder executivo à luz das garantias constitucionais, ou seja, o controle de constitucionalidade.
Em torno do Poder Judiciário vem-se criando, então, uma nova arena pública, externa ao circuito clássico “sociedade civil – partidos – representação – formação da vontade majoritária”, consistindo em ângulo perturbador para a teoria clássica da soberania popular. Nessa nova arena, os procedimentos políticos de mediação cedem lugar aos judiciais, expondo o Poder Judiciário a uma interpelação direta de indivíduos, de grupos sociais e até de partidos – como nos casos de países que admitem o controle abstrato de normas -, em um tipo de manifestação em que prevalece a lógica dos princípios, do direito material, deixando-se para trás as antigas fronteiras que separavam o tempo passado, de onde a lei geral e abstrata hauria o seu fundamento, do tempo futuro, aberto à infiltração do imaginário, do ético e do justo.[iii]
Mas, à diferença dos atores políticos, que se apresentam por iniciativa própria para o jogo das decisões nacionais, o Poder Judiciário é convocado, ou melhor, é provocado a dizer o Direito. Sua intervenção deve, assim, dar sustentação à própria idéia mínima de democracia[v], impondo o respeito às regras desse jogo, a despeito dos interesses que disputam hegemonia circunstancial.
[i] Em março de 2007, o TSE, mais uma vez provocado a responder Consulta, inovou ao criar a sanção de perda de mandato ao deputado que troca de partido depois da eleição. Não foi preciso criar outro nome para a regra, chama-se fidelidade partidária. Esse, no entanto, é um processo que ainda está em curso, pois o Supremo novamente dará a última palavra.
[ii] “Judicialização da política e politização da justiça seriam expressões correlatas, que indicariam os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas. Judicializar a política, segundo esses autores, é valer-se dos métodos típicos da decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas arenas políticas em dois contextos. O primeiro resultaria da ampliação das áreas de atuação dos tribunais pela via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na constitucionalização de direitos e dos mecanismos de checks and balances. O segundo contexto, mais difuso, seria constituído pela introdução ou expansão de staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo (como nos casos de tribunais e/ou juízes administrativos) e no Legislativo (como é o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito)”. (Sem grifos no original). MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. The meanings of "juridification". Lua Nova. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php. Acesso em: 12 out. 2006.
[iii] VIANNA, Luiz Werneck [et alli]. A Judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 22-23.
[iv] CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Safe, 1993. p. 32.
[v] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 22.
* Trecho de artigo de minha autoria ainda não publicado (Terceiro Turno - a judicialização das eleições no Brasil e o estilo tópico da jurisprudência).
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