terça-feira, 9 de outubro de 2007

A judicialização da política no passado

Episódio decisivo do processo de transição para a democracia foi a intervenção do TSE na disputa política entre os partidos no Colégio Eleitoral, que viria a eleger Tancredo Neves, o candidato da oposição ao regime militar. Na época, o TSE disse que não valia o princípio da fidelidade partidária para constranger os delegados a votarem com a orientação do partido. Por isso os integrantes do PDS, constituídos como Frente Liberal (embrião do PFL, logo DEM) puderam votar com o PMDB para derrotar Paulo Maluf, candidato do Governo. Tancredo, como se sabe, virou santo, Sarney governou no olho do furacão da democracia atrofiada... Sugiro a leitura do texto abaixo do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas:

Com as sucessivas declarações militares e a decisão do presidente Figueiredo de retirar o general Newton Cruz da chefia do Comando Militar do Planalto e da 11ª Região Militar os ânimos começaram a serenar. O incêndio de parte do escritório da Aliança Democrática em Brasília, na madrugada do dia 26 de novembro, porém, novamente veio abalar a confiança da opinião pública quanto ao destino da aber-tura no país. Tancredo Neves buscou ame-nizar a crise, desqualificando a ação como um "fator acidental destituído de conotações de origem política".

Mas foi com o pronunciamento do presidente Figueiredo no dia 5 de dezembro, perante mais de 70 oficiais-generais das três forças - sem dúvida, o mais importante pronunciamento produzido em todo o ciclo da abertura política - que o meio político e os diversos segmentos da sociedade interessados na consolidação do processo democrático tiveram a certeza de que a sucessão presidencial chegaria a seu desfecho sem os tropeços do veto militar. Estabelecendo íntima conexão entre a lealdade individual aos poderes do Estado e a coexistência democrática dos agrupamentos sociais diversificados, Figueiredo conclamava a oficialidade: "na disputa pelo poder, pela hegemonia econômica ou social, dentro dos limites da sã convivência, os homens reforçarão os laços que viabilizam a sociedade, fortalecerão sua personalidade e consolidarão seus valores."

Com o desenrolar da campanha, o partido governista também se empenhou na construção de obstáculos para interceptar a vitória do candidato da Aliança Democrática. No dia 22 de outubro, o senador pedessista Moacir Dalla, presidente da mesa diretora do Senado, responsável pela regulamentação e organização do pleito, baixou instruções tornando secreta a eleição dos seis delegados de cada assembléia legislativa estadual que, juntamente com a totalidade dos membros do Senado e da Câmara, integrariam o Colégio Eleitoral em janeiro de 1985. A oposição imediatamente denunciou o casuísmo da medida, que desconsiderava o acordo firmado entre as lideranças partidárias facultando aos legislativos estaduais a deliberação sobre a forma de votação, se aberta ou secreta, não conseguindo, porém, mudá-la.

O cerco à oposição levou também a que tropas do Comando Militar da Amazônia fossem deslocadas para São Luís para dar cobertura à ocupação pela Polícia Federal da Assembléia Legislativa do Maranhão por ocasião da escolha dos delegados desta casa ao Colégio Eleitoral. Neste clima de pressão, após uma sessão agitada e pontilhada de sucessivos incidentes, os deputados maranhenses acabaram indicando seis repesentantes malufistas. A decisão, contudo, foi contestada pelo presidente estadual do PDS, deputado Jaime Santana, ligado ao senador José Sarney e já integrado na dissidência liberal, que impetrou recurso na Justiça Eleitoral denunciando a visível coação exercida pela Polícia Federal e a prática de fraudes: 16 deputados estaduais favoráveis a Tancredo não haviam recebido cédulas para votar. O recurso, julgado pelo TSE em 24 de dezembro, daria provimento à reclamação e anularia a decisão da Assembléia. Realizada nova eleição, seriam indicados outros representantes, dessa vez vinculados ao candidato oposicionista.

Em 26 de outubro, os jornais noticiaram que a mesa do Senado preparava-se para impugnar a eleição dos representantes pedessitas das assembléias abertamente comprometidos com o candidato oposicionista. Para tanto, pretendia se utilizar de dispositivo estatutário, investindo-se da prerrogativa de acolher ou não as indicações dos legislativos estaduais. No dia 6 de novembro, porém, em resposta à consulta -formulada pelo deputado Gerardo Renault (PDS-MG), o TSE decidiu que os membros do Colégio Eleitoral ficariam desobrigados do compromisso de fidelidade partidária. Discordando da posição do TSE, sob a alegação de que os mandatos parlamentares pertenciam aos partidos, o diretório nacional do PDS reuniu-se em 21 de novembro e fechou questão em torno da fidelidade, encaminhando ao TSE pedido de registro da ata da reunião, precavendo-se assim contra possíveis conflitos na Justiça. Foram também lançadas ameaças de expulsão do partido, com a conseqüente perda de mandato parlamentar, àqueles que não acatassem as diretrizes baixadas pela direção partidária. A imposição foi endossada pelo general Golberi do Couto e Silva, partidário de Maluf, que em entrevista publicada na Folha de S. Paulo no dia seguinte afirmou textualmente: "Só assim os dissidentes votam com o partido."

No dia 23, o PMDB e a Frente Liberal encaminharam ao TSE pedido de impugnação da medida. Quatro dias depois este Tribunal ratificou a resolução adotada em 6 de novembro sobre a questão da fidelidade partidária e, finalmente, em 4 de dezembro, rejeitou o pedido do PDS de arquivamento da ata, liquidando as aspirações de Maluf de sair vitorioso no Colégio Eleitoral.

Desde então, os vestígios da crise sucessória começaram a empalidecer no cenário nacional. Os órgãos de comunicação passaram a dar maior ênfase a notícias relacionadas com os programas de governo, discutindo as possibilidades de composição do novo ministério. O candidato Paulo Maluf ainda tentou, sem sucesso, reverter o processo eleitoral com uma proposta de efeito, reabrindo no Congresso o debate em torno do pleito direto, que ele combatera com energia por ocasião da votação da emenda Dante de Oliveira, mas a oposição logo denunciou o caráter oportunista da proposta.
Um dos mais importantes discursos de Tancredo Neves ainda na condição de candidato foi pronunciado em 30 de novembro, no encerramento do I Encontro Nacional da Indústria, realizado no Rio de Janeiro. Defendeu a necessidade imperativa de constituição de um pacto social entre governo, empresários e trabalhadores para que a democracia, em vez de um empreendimento de risco, se constituísse em um sistema de apaziguamento e de solução de conflitos sociais agravados e reprimidos por anos de arbítrio. Para garantir esse retorno à legalidade e assegurar a sua permanência, pregou a convocação de uma assembléia nacional constituinte para substituir um estatuto autoritário, emanado de poder revolucionário, por uma Carta que resulte da concepção de representantes eleitos pela nação.

Em 8 de janeiro de 1985, reunido com dirigentes do PMDB na Câmara dos Deputados, o candidato recebeu um volume de seiscentas páginas, intitulado A Nova República, termo por ele cunhado em dezembro de 1984, contendo as sugestões do partido para um próximo programa de governo. Em seu discurso de agradecimento, Tancredo ressaltou o peso político nacional do PMDB, um "partido moderno, atuante e criador", e enfatizou a importância das agremiações político-partidárias na formulação de projetos, compartilhando as responsabilidades administrativas dos governos que ajudaram a instituir.

Em 15 de janeiro, os membros do Colégio Eleitoral deram 480 votos a Tancredo Neves e apenas 180 a Paulo Maluf, tendo sido registradas 17 abstenções e nove ausências. Os cinco estados que mais contribuíram para a vitória da Aliança Democrática foram Minas Gerais (57 votos), São Paulo (50), Rio de Janeiro (42), Paraná (37) e Bahia (35). Além dos aliancistas, Tancredo recebeu os votos dos convencionais do PDT e de dissidentes do PDS e do PT.

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