segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Quem te viu, quem te vê


Steve Breen -- The San Diego Union-Tribune

sábado, 27 de setembro de 2008

Diálogos Democráticos na Rádio Justiça

Meus caros, não havia ainda anunciado aqui porque estava esperando um banner que nunca veio. Poi então, desde o mês passado está no ar e on line um programa especial da Rádio Justiça, que foi idealizado, produzido, apresentado e co-editado por este apontador que vos escreve.


O programa recebeu o nome de Diálogos Democráticos por ser uma série de entrevistas sobre o novo perfil do Judiciário brasileiro na constância dos últimos 20 anos de experiência constitucional democrática. Ele vai ao ar pela 104.7 FM (Rádio Justiça) em Brasília, todo sábado (10h) e domingo (reprise -19h). Mas, quem está fora da capital federal, pode acompanhar pela internet.

Todo o conteúdo dos programas anteriores fica disponível no site da Rádio e pode ser ouvido na internet ou ainda ser baixado. Os entrevistados anteriores foram, pela ordem (clique sobre os nomes para ouvir as entrevistas):



José Geraldo de Sousa Jr. (Reitor eleito da UnB)


Walter Costa Porto (ex-Min. TSE, historiador)

Marcus Faro de Castro (Diretor da Fac. Direito UnB)

No programa deste fim de semana, eu entrevisto o professor Luis Roberto Barroso. Para acompanhar essa entrevista, sintonize a rádio justiça (104.7 FM), no horário do programa se estiver em Brasília, ou ouça pela internet.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Marvado Mercado

"O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça 'na caderneta' aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados. Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito). O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de 'emibiêi', decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia. Uns seis 'zécutivos' de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer. Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu). Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países. Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia desmorona.''


Patrus adverte: bolsa família em troca de voto é crime

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) repudia qualquer uso eleitoral do Bolsa Família. Tentativas de troca de votos com promessas de inscrição da família no Cadastro Único ou pressões para votações em determinados candidatos para não perderem o benefício configuram crime eleitoral, adverte o MDS. Atos como esses devem ser denunciados ao Ministério Público e à Justiça Eleitoral, parceiros na Rede Pública de Fiscalização do programa e responsáveis pela investigação de denúncias eleitorais.

A inclusão no programa é um direito de todas as famílias que atendem ao critério do programa (renda mensal por integrante de até R$ 120,00), independente da filiação partidária do prefeito. A gestão do Bolsa Família é descentralizada, cabe às prefeituras a inscrição das famílias no Cadastro Único – base de dados usada pelo governo federal para seleção de beneficiários – o acompanhamento das contrapartidas nas áreas de educação e saúde. O processo de inclusão das famílias no programa é feito pelo MDS de forma impessoal e por meio de sistema informatizado, impedindo assim indicações políticas. A concessão do Bolsa Família é feita pelo Governo Federal e respeita a estimativa de famílias pobres elaborada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004, divulgada pelo IBGE. Além disso, a meta do Bolsa Família foi atingida em junho de 2006 e a maioria dos municípios já está com cobertura de 100%.

Para evitar atritos com a legislação eleitoral que poderiam prejudicar as políticas de combate à pobreza e o atendimento às famílias, o ministro Patrus Ananias encaminhou, em maio, correspondência a todos os prefeitos do País, com orientações sobre as ações municipais em relação ao Bolsa Família e ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal durante o período da eleição municipal. As orientações levam em consideração a legislação eleitoral, assim como as normas estabelecidas na execução do programa de transferência de renda e do Cadastro Único. O Bolsa Família é um programa de natureza continuada, definido por lei, e está em funcionamento desde 2003, com recursos assegurados no Orçamento da União. Por essas razões, não está sujeito a interrupções durante o período eleitoral, mas os gestores municipais devem tomar os devidos cuidados para evitar questionamentos junto à Justiça Eleitoral.

Relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União, durante as eleições de 2006, mostrou que o Bolsa Família não foi usado com fins eleitoreiros pelo governo federal. Além da ausência de afronta ao rigor fiscal, os técnicos do TCU apontaram no relatório que não houve desrespeito à legislação eleitoral. Os auditores concluíram que a lei que regula as eleições “permite a concessão de benefícios financeiros no período eleitoral, quando se tratar de programas sociais autorizados em lei e com execução financeira anterior ao exercício em que ocorrem as eleições”. Agora, é preciso zelar para que também durante as eleições municipais o Programa Bolsa Família seja preservado e se destine única e exclusivamente a proteção das famílias mais pobres e vulneráveis. Todas as denúncias que chegarem ao MDS serão encaminhadas imediatamente à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público para averiguação.

Assessoria de Imprensa Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Vem aí o primeiro debate americano


The first presidential debate is going to be held at the University of Mississippi, which hired me to do an illustration for the event - here it is on their current "Ole Miss" magazine cover. They will be using it for other stuff associated with the debate too, probably the programs or a poster or something. It would be fun if they would blow it up big as a backdrop (somehow I doubt that they'll do that, but thanks, Ole Miss!)
Cagle's blog

Judicializada a eleição no Recife

João da Costa, candidato do PT à Prefeitura da capital pernambucana, teve seu registro de candidato cassado pelo juiz Nilson Nery, a pedido do Ministério Público Eleitoral. Foi também declarado inelegível por 3 anos sob acusação de abuso do poder político, ou seja, de que teria sido favorecido indevidamente pelo Prefeito, que é do mesmo partido e que o apóia. O candidato declarou que continua em campanha. Ele tem razão, a execução de sentença que declara inelegibilidade deve esperar o trânsito em julgado. A simples interposição do recurso ao TRE já suspende o trânsito. Quer dizer, o terceiro turno no Recife começou antes dos outros dois. Vamos observar.

Texto fora de contexto para ter pretexto

O Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia (TRE-RO) manteve, em sessão nesta segunda-feira (22), a decisão de negar o registro do candidato a vereador em Porto Velho Sandro Luiz Cardoso Ferreira (PV), acusado de compra de votos.

O candidato teve seu registro negado pelo juiz da 23ª Zona Eleitoral e recebeu uma multa de R$ 3.192,30. No dia 28 de julho, Sandro Luiz Cardoso Ferreira foi preso acusado de distribuir pintinhos em troca de votos.

No recurso ao TRE-RO, o candidato pediu para continuar a campanha e que a decisão sobre a cassação de seu registro fosse anulada. No entanto, o tribunal negou provimento ao recurso, mantendo a sentença.

Caso

A Polícia Federal apreendeu, no bairro Ulisses Guimarães, na periferia da cidade, um carro carregado com 24 caixas de plástico onde estavam acondicionados 4 mil pintinhos. Gonzaga não estava no local e foi abordado pela polícia em sua casa. Ele foi preso, pagou fiança de R$ 1,5 mil e foi liberado.

Na ocasião, Henry Gouveia, advogado de Sandro Gonzaga, disse que Gonzaga, em nenhum momento, vinculou a distribuição dos pintinhos ao voto. Segundo o advogado, Gonzaga deixou claro na reunião que a distribuição não estava relacionada à sua candidatura.

"Ele pediu o voto do pessoal, mas não distribuiu santinho, não falou seu número. O problema é que a Polícia Federal colocou um texto fora de contexto para ter pretexto para prender o Sandro", disse o advogado na época.

Dica do Bruno Antony.

domingo, 21 de setembro de 2008

Entrevista de Barroso à Conjur

Na entrevista, a segunda da série que a ConJur publica em comemoração aos 20 anos da Constituição de 88, o professor fala de reforma política, políticas sociais, analisa o perfil ativista do Supremo Tribunal Federal e mostra como algumas das principais garantias dos cidadãos nos Estados Unidos foram conseguidas graças a um movimento semelhante ao que acontece hoje no Brasil: “Quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, cá para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas”. Consciente da utilidade circunstancial do ativismo judicial, porém, ele faz uma advertência. “Ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do mau.”


Leia a entrevista

ConJur — A Constituição de 1988 judicializou a vida do país?

Luís Roberto Barroso — A vida brasileira se judicializou, sobretudo nos últimos anos. E só parte da responsabilidade é da Constituição de 88. Por ser bastante analítica, ela trouxe para o espaço da interpretação constitucional algumas matérias que, se não tivessem sido constitucionalizadas, seriam discutidas no Congresso, no processo político majoritário. Não nos tribunais.
ConJur — Quanto mais extensa e analítica a Constituição, mais a Justiça é chamada a decidir?
Barroso —Na medida em que o assunto está na Constituição, ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 88 contribui sim para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso. O atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política. Há algumas demandas da sociedade que não são atendidas a tempo pelo Congresso Nacional. E o que acontece? Nos espaços em que havia demandas sociais importantes e o Legislativo não atuou, o Judiciário se expandiu. Aqui penso ser oportuno fazer uma distinção entre judicialização e ativismo judicial, que são idéias que estão próximas, mas não se confundem. Judicialização é um fato, que identifica a circunstância de que muitas questões que antes eram próprias da política passaram a ser decididas pelo Judiciário, foram transformadas em pretensões veiculadas perante juízes e tribunais. O ativismo é uma atitude, que identifica uma interpretação expansiva da Constituição, incluindo no seu âmbito de alcance questões que não foram nela expressamente contempladas.
ConJur — A decisão do Supremo sobre a fidelidade partidária e a edição da Súmula Vinculante que proíbe o nepotismo ilustram isso?
Barroso — Sim. Há um déficit de legitimidade do processo político majoritário para atender algumas das grandes demandas da sociedade e, portanto, o Judiciário está suprindo este déficit. Mas não há democracia sem um Poder Legislativo atuante, dotado de credibilidade e com identificação com a sociedade civil. Portanto, eu não acho que a nossa postura deva ser de simples crítica ao Legislativo, mas sim de repensá-lo para recolocá-lo no centro da política. Quando vier a reforma política que nós precisamos, aumentando a representatividade do Parlamento, acredito que haverá tendência de redução da presença do Judiciário no espaço público. Esse movimento é pendular e se verifica em diferentes partes do mundo: quando a política tradicional vive um bom momento, o Judiciário se retrai; quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, cá para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas.
ConJur — Em outras palavras, a Constituição de 88 ajudou a atrofiar o Legislativo e deu músculos ao Judiciário?
Barroso — Ela tratou de muitas matérias que na maior parte dos países são deixadas para a legislação ordinária. A Constituição é prolixa, analítica e casuística. E, veja, sou um defensor da Constituição de 88 porque ela representa um vertiginoso sucesso institucional. Mas o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade. Esse é o produto indesejável do processo democrático brasileiro da ocasião. E, naquelas circunstâncias, talvez fosse inevitável promulgar essa Constituição analítica. Havia muita demanda da sociedade brasileira de participar do processo constituinte.
ConJur — Como a Constituição influi na relação entre os poderes?
Barroso — O problema de colocar na Constituição o que deveria estar na legislação ordinária infraconstitucional é que obriga a política ordinária a se desenvolver organizando maiorias qualificadas. Porque para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso ter três quintos dos votos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso porque o governo precisa contar com maiorias qualificadas para cada mudança importante. Fazer política fica mais difícil porque ela tem de se mover por quóruns excessivamente elevados.
ConJur — Não seria o caso, então, de fazer uma reforma constitucional?
Barroso — A Constituição de 88 cumpre o papel principal que cabe a ela, que é assegurar estabilidade institucional e absorver os conflitos políticos dentro do quadro da legalidade pré-estabelecida. Mas, em algum lugar do futuro, não com o poder constituinte originário, mas com o poder constituinte derivado, teremos que tirar da esfera constitucional uma boa quantidade de matérias. Eu não falo das matérias polêmicas, como direitos sociais. Eu falo do varejo da vida em matéria previdenciária, de administração pública, tributária. Não das grandes questões, mas de miudezas que estão na Constituição, e não deveriam estar.
ConJur — O fato de ser muito analítica justifica que a Constituição tenha 56 emendas, fora as de revisão, em 20 anos?
Barroso — Para cada pequena mudança da realidade social é preciso reformar a Constituição. É verdade que a vida política não se move por modelos ideais, e sim por modelos possíveis, mas o modelo ideal é que um partido liberal possa governar com essa Constituição, um partido trabalhista possa, e que sirva também ao governo de um partido conservador. Cabe à Constituição estabelecer os direitos e valores fundamentais de uma sociedade e deixar o restante para a política. Parte disso também é culpa do que eu gosto de chamar de narcisismo constitucional. Cada um que chega ao poder quer uma Constituição à sua imagem e semelhança.
ConJur — Mas, então, pode-se dizer que a Constituição tem até poucas emendas?
Barroso — Não diria que 56 emendas são pouca coisa. Mas, se considerarmos a quantidade de questões ordinárias que foram postas na Constituição, o número de emendas não é surpreendente.
ConJur — O Supremo Tribunal Federal está legislando?
Barroso — O Supremo tem interpretado pró-ativamente a Constituição e, assim, atende as demandas da sociedade. Não considero que o Tribunal esteja invadindo o espaço da política no sentido impróprio que isso poderia significar. O Supremo tem invadido o espaço da política, em alguma medida, munido da Constituição. Isso não é um fenômeno positivo ou negativo, mas sim uma circunstância da realidade brasileira. Na Suprema Corte americana, processo muito semelhante aconteceu a partir de 1953, depois que o juiz Earl Warren tornou-se presidente daquele tribunal. Ele liderou a fase do ativismo judicial da Suprema Corte, que vai até 1969, quando ele se aposenta. Em seguida, Richard Nixon toma posse na Presidência dos Estados Unidos (1969-1974) e tem início uma fase mais conservadora e, portanto, de maior auto-contenção.
ConJur — A chamada Corte Warren é bastante lembrada.
Barroso — Porque no período de Warren a Suprema Corte fez algumas das grandes reformas que a sociedade americana precisava e que o Congresso não conseguia fazer, a começar pela fixação da igualdade racial. Nos Estados Unidos, sobretudo nas escolas públicas, a integração racial entre crianças brancas e negras foi feita por uma decisão da Suprema Corte, de 1954, no caso Brown vs. Board of Education. O que aconteceu na época? Nem o Congresso e nem o Legislativo dos estados do sul aprovavam leis que assegurassem igualdade entre crianças brancas e negras nas escolas públicas. Portanto, era uma hipótese em que o processo político majoritário não iria realizar os direitos fundamentais daquelas crianças de serem tratadas com igualdade. A Suprema Corte rompeu a inércia e determinou que as escolas públicas em todos os estados admitissem crianças brancas e negras convivendo juntas. Antes, havia escolas para brancos e escolas para negros. A Suprema Corte determinou a integração. Isso não foi feito por lei, nem com o apoio do Legislativo.
ConJur — Houve apoio do Executivo?
Barroso — Não, pelo contrário. Numa prática incomum, o Eisenhower [ Dwight Eisenhower, que presidiu os Estados Unidos entre 1953 e 1961] pediu a Warren que, por favor, não julgasse a favor da integração. E a Suprema Corte, desafiando o status quo racista, sobretudo dos estados do sul, tomou essa decisão. A Justiça levou dez anos para conseguir que ela fosse cumprida, porque foi só na década de 60, já com o movimento dos direitos civis dos negros liderados por Martin Luther King, que isso foi concretizado. Este é um exemplo em que o processo político majoritário emperra e quem tem que atuar é a Suprema Corte.
ConJur — Há outros exemplos que refletem o que acontece hoje no Brasil?
Barroso — Sim. Os direitos dos acusados em processos criminais também foram assegurados pela Suprema Corte americana na era Warren, sob críticas severas da sociedade. A população não queria direitos para presos ou para acusados. Com o aumento da criminalidade, as pessoas queriam exacerbar o processo penal. E foi a Suprema Corte que assegurou direitos fundamentais, como o de ser assistido por um advogado, no caso Gideon; o direito de não se incriminar, no célebre caso Miranda vs. Arizona. Foi a Suprema Corte que impediu o uso de provas ilícitas, o chamado unreasonable seizure, e determinou que não se pode fazer busca sem mandado ou utilizar provas ilícitas. Então, foi a Suprema Corte dos Estados Unidos que, diante da omissão do Legislativo, estabeleceu regras para o processo penal e assegurou direitos aos acusados em uma época em que a sociedade queria a exacerbação do Direito Penal.
ConJur — A Justiça atua porque políticos que defendem esses direitos correm o risco de não se eleger.
Barroso — O Nixon, por exemplo, se elegeu com discurso de crítica à jurisprudência da Suprema Corte. Foi a Suprema Corte de Warren, também, que estabeleceu os grandes precedentes de liberdade de expressão. Determinou, por exemplo, que só se pode responsabilizar o jornalista por divulgar uma informação se ele souber que ela é falsa ou se ele tiver sido totalmente negligente, sem o mínimo de prudência na apuração da verdade. Criou-se o critério que vigora até hoje, e que depois da redemocratização nós seguimos no Brasil, de que a liberdade de expressão é uma liberdade preferencial — ela é tão importante para o desfrute de todas as outras liberdades, que, em princípio, deve prevalecer. Evidentemente, nenhum direito é absoluto e pode haver casos em que ela tenha que ceder, mas como regra a primeira atitude do intérprete da Constituição deve ser a de prestigiar a liberdade de expressão. Esta idéia sofre hoje o ataque de inúmeras outras visões que querem proteger o direito de privacidade, o direito de um julgamento justo. Portanto, é uma idéia ainda dominante, mas não é axiomática.
ConJur — A tentativa de alguns juízes e procuradores de proibir a imprensa de entrevistar candidatos em período pré-eleitoral mostra isso.
Barroso — É um esforço geralmente inútil tentar pautar a imprensa. Não que a imprensa não erre ou não exagere. Isso acontece. A questão é saber se devemos permitir que o Estado interfira nisso. Geralmente, o Estado erra mais do que a imprensa.
ConJur — Pode-se dizer que vivemos hoje o que os Estados Unidos viveram há 50 anos.
Barroso — Os Estados Unidos viveram uma era em que o Executivo se retraiu e o Judiciário se expandiu. Depois, a partir da década de 70, com os governos conservadores nos Estados Unidos, ocorreu um movimento inverso. Talvez a última decisão verdadeiramente ativista da Suprema Corte foi sobre o aborto, em 1973. Muitos anos de governos republicanos levaram a uma posição menos ativista. Ou, quando ativista, de um ativismo conservador, porque é importante observar que ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do ruim.
ConJur — Isso mostra que o governo pode moldar a Corte. No Brasil, a cada ministro do Supremo que se aposenta, reabre-se a discussão sobre a forma de indicação. O senhor acha que deveria ser diferente do que é hoje?
Barroso — Não. A forma de indicação é muito boa e acho que é a única possível. Existem críticas, mas no Brasil o presidente da República tem mais responsabilidade política do que o Parlamento, pela visibilidade que tem e pela possibilidade de se reconduzir a ele qualquer erro político que cometa. Como o Congresso é colegiado e suas decisões se diluem por um número muito grande de pessoas, é mais difícil de responsabilizá-lo politicamente. Ou seja, se o presidente da República fizer uma má escolha, ele carregará pela vida o peso de ter feito essa má escolha. Mas se o Parlamento fizer uma má escolha, ninguém saberá exatamente quem responsabilizar. O modelo americano, que se segue no Brasil, em que o presidente escolhe e o Senado aprova, é um modelo que funciona bem.
ConJur — A Súmula Vinculante e a Repercussão Geral serão suficientes para desafogar o Supremo?
Barroso — Esses são dois institutos importantíssimos para a própria sobrevivência do Supremo Tribunal Federal. Todos os tribunais constitucionais do mundo têm algum grau de controle sobre a sua agenda, para que possa separar os casos verdadeiramente importantes, emblemáticos e passar as mensagens corretas para a sociedade. A jurisdição constitucional exercida às dezenas de milhares de processos evidentemente se torna extremamente disfuncional e se perde em um varejo de miudezas. O Supremo deve ter o poder de selecionar as grandes questões nacionais, as que têm verdadeiramente repercussão geral e decidi-las. É assim que funciona a Suprema Corte americana, é assim que funciona o Tribunal Constitucional Federal alemão.
ConJur — A escolha de matérias para julgamento e o efeito vinculante se tornam ainda mais necessários num quadro em que a administração recorre de tudo e as instâncias inferiores, muitas vezes, afrontam a jurisprudência superior.
Barroso — As decisões do Supremo Tribunal Federal devem ter eficácia vinculante intelectual de uma maneira geral, independentemente de Súmula Vinculante. Em nome da segurança jurídica, da isonomia e da eficiência, temos de criar uma cultura de respeito aos precedentes. Como regra geral, os juízes e os tribunais devem respeitar as teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores. É assim em toda parte do mundo. Isso é um avanço civilizatório. É claro que não se pode impedir o juiz de decidir que, no seu caso concreto, determinada tese firmada por um tribunal superior produz um resultado que ele não pode aceitar. Neste caso, ele pode não seguir o precedente, mas terá o ônus argumentativo de demonstrar porque ele não está seguindo o precedente. Mas, fora isso, o juiz tem todo o direito de pensar diferentemente, mas dirá: “Me curvo à orientação do tribunal superior”. Se o Supremo assentou determinada orientação em matéria de uso de algema, por exemplo, uma sociedade civilizada, mesmo que não houvesse Súmula Vinculante, deveria se curvar à orientação. Quando a Suprema Corte americana determinou que a autoridade policial, no ato da prisão, tinha de informar ao preso que ele tem o direito de permanecer calado, isso se introduziu na cultura policial americana.
ConJur — O que o senhor identifica de importante que deveria ter sido regulamentado depois da Constituição de 88 e não foi até agora?
Barroso — Pontualmente, eu citaria o exemplo da greve dos servidores públicos, que foi objeto do Mandado de Injunção decidido pelo Supremo Tribunal Federal [os ministros decidiram que enquanto o Congresso não regulamenta o direito, valem para os servidores públicos as mesmas regras dos trabalhadores da iniciativa privada]. Mas acredito que essa discussão não é tão importante. O que faltou foi a implementação adequada de políticas públicas.
ConJur — O senhor pode dar exemplos?
Barroso — Veja, esta é a visão política de um cidadão, não a visão jurídica de um professor. Mas há muitas décadas o Brasil não tem nenhum plano habitacional para famílias de baixa renda, o que faz com que o Estado brasileiro seja um favelizador ideológico. As pessoas pobres precisam morar e se não há um planejamento estatal para suprir essa necessidade, você faveliza o país. Quando a Constituição consagra o direito de moradia, ela não está assegurando que cada pessoa pode exigir do Estado uma residência, mas esse direito exige que o Estado brasileiro tenha políticas habitacionais mínimas e consistentes para inclusão dessas pessoas na cidadania formal. As favelas são, em parte, o fruto de uma absoluta ausência dessa política. E fazer política habitacional significa não apenas assentar pessoas, mas dar transporte, colocá-las em lugares onde haja trabalho adequado próximo. Mesmo nas cidades que estão enriquecendo com royalties de petróleo não há nenhum planejamento urbanístico, civilizatório.
ConJur — O Rio de Janeiro, seu estado, é um grande exemplo dessa falta de política habitacional.
Barroso — Sim. Eu tenho a teoria de que o Rio é o lugar verdadeiramente cosmopolita do Brasil. Há lugares no país extremamente desenvolvidos e industrializados que são provincianos. O Rio é cosmopolita, tem um pouco de tudo de bom e de ruim que há no Brasil. Ele vive a ventura e a infelicidade de ser um pouco da expressão do país. E o Rio teve sucessivos governos sem projeto abrangente de cidade e de cidadania. Agora o problema está muito difícil de ser resolvido. Mas mesmo os problemas difíceis precisam ser equacionados, precisam de projetos. Vou lhe dar um exemplo prosaico. Eu morava na Barra da Tijuca, no Rio. Em 1998, o trânsito ficou tão insuportável que eu me mudei. Até hoje, não foi feito nenhum projeto viário novo para a Barra da Tijuca. Como é que pode uma cidade não ter um projeto viário novo em dez anos? Esse é um exemplo microscópico, mas mostra a incapacidade de abstração e de pensar o país para sequer os próximos cinco anos ou dez anos. Quando eu escrevi uma proposta de reforma política para o Brasil, eu a propus para vigorar depois de oito anos. Ninguém deu atenção. “Como é que pode ser um negócio para daqui a oito anos?”, questionaram.
ConJur — A reforma política é um nó que parece impossível de desatar. Por quê?
Barroso — Vou lhe dar outro exemplo. Eu escrevi um trabalho sobre distribuição de medicamentos por decisão judicial e a repercussão foi muito grande: foi publicado pela imprensa, recebi grande quantidade de mensagens de e-mail e de convites para participar de debates públicos sobre a questão da distribuição de medicamentos. Já o estudo que fiz sobre reforma política não produziu nenhum tipo de retorno, nem de participação em debates. Essa não é uma queixa pessoal, é institucional. Isso demonstra como ninguém está muito motivado a participar deste debate.
ConJur — As discussões políticas costuma ser ignoradas pela maioria das pessoas.
Barroso — Há dois espaços na vida brasileira que foram negligenciados nesses 20 anos de democracia. Um é o tema da reforma política. Ela é necessária. Defendo um sistema que contenha a pulverização partidária. Tem que haver um número de partidos que efetivamente expresse divisões ideológicas relevantes da sociedade, e não idiossincrasias individuais. Eu insisto, menos do que gostaria, na idéia de um debate sobre presidencialismo. O Brasil vive 20 anos de estabilidade institucional. Esta é a hora de criarmos um modelo imune a crises dramáticas, imune a aventuras autoritárias como as que estão acontecendo pela América Latina. O presidencialismo imperial latino-americano é um desastre. É hora de reformular o sistema presidencialista.
ConJur — Como?
Barroso — Há dois modelos no mundo que deram muito certo. São o modelo francês e o modelo português. Nesses dois países, vigora um presidencialismo atenuado. Não é parlamentarismo, como na Alemanha ou na Itália. Na França e em Portugal, o presidente é eleito por voto direto, e disso nós não podemos abrir mão no Brasil. O presidente tem a carga de legitimidade e a força política desta investidura por voto popular. Mas nesses países o presidente desempenha as funções de Estado, cuida das questões relevantes. Ele pode apresentar projetos de lei, ele nomeia os comandantes das forças armadas, os ministros dos tribunais superiores, mas não atua no varejo do cotidiano da política. Esta tarefa é do primeiro-ministro, escolhido pela maioria parlamentar. A idéia de que nós precisamos trabalhar com maiorias parlamentares consolidadas a cada tempo é importantíssima para acabar com as relações muitas vezes não republicanas entre o Executivo e o Parlamento. Alguém tem que ser o fiador da estabilidade, das grandes questões do Estado, e esse deve ser o presidente da República.
Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2008

Terceiro Turno, o livro


Foi lançado aqui em Brasília, no restaurante Carpe Diem, o meu livro de crônicas sobre a jurisdição eleitoral, especialmente as decisões do TSE. Os leitores mais antigos aqui d'APonte, se tiverem o interesse no trabalho, certamente reconhecerão algumas postagens feitas aqui neste espaço virtual de divulgação de idéias. Fiquei bastante satisfeito e já começo a receber algumas respostas de leitores. Quem se interessar em adquirir o livro pode mandar um e-mail para: mauro.noleto@hotmail.com
(...)
Em minha pesquisa, formulei a hipótese central em torno de uma constatação: a transitoriedade da jurisprudência, ou melhor, a velocidade das mudanças dos modelos decisórios em matéria de abuso de poder (político, econômico e de mídia). Limitei meu universo a esse aspecto da jurisdição, embora tenha também examinado um caso que considerei exemplar, a verticalização de coligações partidárias imposta pelo TSE, que não envolve a questão do abuso de poder, mas afetou muito o jogo então em andamento.
A verticalização de 2002 valeu em 2006 e era, até 2007, o exemplo mais vistoso do fenômeno que se pode denominar de a judicialização das eleições no Brasil, desde a retomada democrática[1]. Na linguagem jornalística, aliás, essa judicialização dos processos político-eleitorais tem sido chamada, com alguma propriedade, de o “terceiro turno” das eleições.

O fenômeno, no entanto, é tratado em sentido mais geral como a “judicialização da política”
[2], conceito que tem sido utilizado para descrever a revisão judicial (judicial review) dos atos (políticos) do poder legislativo e do poder executivo à luz das garantias constitucionais, ou seja, o controle de constitucionalidade.
Luis Werneck Vianna, porém, amplia o campo de visão e prefere falar de “judicialização da política e das relações sociais”. Para ele, esse fenômeno decorre do processo mais amplo de expansão do Direito sobre a economia liberal ocorrido a partir do Welfare State, e não se limita ao controle de constitucionalidade dos atos normativos, mas alcança outras esferas de sociabilidade, como as relações de consumo, de trabalho, de família, os contratos de uma forma geral e - pode-se acrescentar - o campo das disputas eleitorais.[3]

(...)
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[1] Em março de 2007, o TSE, mais uma vez provocado a responder Consulta, inovou ao criar a sanção de perda de mandato ao deputado que troca de partido depois da eleição. Não foi preciso criar outro nome para a regra, chama-se fidelidade partidária.
[2] “Judicialização da política e politização da justiça seriam expressões correlatas, que indicariam os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas. Judicializar a política, segundo esses autores, é valer-se dos métodos típicos da decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas arenas políticas em dois contextos. O primeiro resultaria da ampliação das áreas de atuação dos tribunais pela via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na constitucionalização de direitos e dos mecanismos de checks and balances. O segundo contexto, mais difuso, seria constituído pela introdução ou expansão de staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo (como nos casos de tribunais e/ou juízes administrativos) e no Legislativo (como é o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito)”.[2] (Sem grifos no original). MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. The meanings of "juridification". Lua Nova. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2006.
[3] VIANNA, Luiz Werneck [et alli]. A Judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 22-23.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Ela caça


David Horsey, Washington, The Seattle Post-IntelligencerVisit David's's site

Quebrou


Patrick Chappatte, Cartoons on World AffairsPatrick's cartoons appear in the Geneva daily "Le Temps" and in the Sunday edition of the Neue Zurcher Zeitung. He also does a weekly cartoon for the International Herald Tribune. Visit Patrick.


David Fitzsimmons,Arizona Daily Star, Tucson AZE-mail David. Visit David at the Daily Star

Filho de Lula é inelegível, ou a verticalização de um impedimento

Essa decisão me parecia evidente, mas mesmo assim houve dois votos vencidos no TSE, o voto dos ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Mas vamos ao caso.

O filho do Presidente, Marcos Cláudio Lula da Silva, pretendia se candidatar ao cargo de vereador na cidade de São Bernardo, Grande São Paulo. Seu registro de candidatura foi impugnado à luz do § 7º do art. 14 da Constituição, aquele que estabelece a inelegibilidade por parentesco. Ali está dito que são inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes do prefeito do Governador e do Presidente da República.

O segredo, ou seja, a razão da inelegibilidade do pretenso candidato está na expressão "território de jurisdição do titular". O titular é aquele que exerce o cargo de prefeito, governador ou presidente. É da posição jurídica dessa pessoa que surge o impedimento para o parente ou cônjuge. A pergunta inicial para resolver o problema é: onde essa pessoa exerce sua jurisdição, em que território? Se prefeito, no Município; Governador, no Estado; Presidente, no território nacional. Pronto? Mais ou menos. Acabei de ler a notícia da decisão do TSE, ali se diz que o Relator, Min. Fischer, entendeu que, para esse efeito, jurisdição e circunscrição são sinônimos. Será mesmo?

O conceito de circunscrição eleitoral têm definição legal, o art 86 do Código Eleitoral, onde se lê que nas eleições presidenciais a circunscrição será o País (competência do TSE), nas federais e estaduais, será o Estado (TRE), e nas municipais, o respectivo Município (Juiz Eleitoral).

A Constituição não falou em circunscrição para fixar o regime das inelegibilidades por parentesco, falou em território de jurisdição. Isso faz toda a diferença. O Governador de um Estado tem "jurisdição" em todo território deste Estado, o que alcança o território de todos os Municípios que o compõem. Mas a eleição para Governador ocorre apenas na circunscrição Estado, não se mistura com a eleição de cada município que, aliás, ocorre em época diversa. Resumindo, se a Constituição usasse a expressão "circunscrição" e não "jurisdição", os parentes e cônjuge do Governador poderiam se candidatar a prefeito e/ou a vereador em qualquer cidade dentro de Estado governado pelo pai ou pela mãe. Resultado: de pouco valeria impor a inelegibilidade por parentesco. Ou melhor dito, ela teria função apenas para impedir que os parentes concorressem nas eleições disputadas dentro da mesma circunscrição, por exemplo, o filho do Governador não poderia concorrer ao cargo de deputado ou senador pelo Estado governado por seu pai, pois são eleições (deputado estadual, federal e senador) que ocorrem na circunscrição estadual.

O mesmo raciocínio se aplica aos prefeitos, que impedem todos os seus parentes na eleição municipal; e se aplica também ao Presidente que impede todos os seus parentes de concorrem a qualquer cargo eletivo na República. As únicas ressalvas admitidas pela Constituição são a desincompatibilização (renúncia) do cargo até seis meses antes do pleito e na hipótese em que o parente já for titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. No caso do filho de Lula, nunca houve nenhuma dessas hipóteses.

Essa é a verdadeira verticalização. Na verticalização de coligações partidárias (2002 e 2006), o TSE misturou os conceitos de jurisdição e circunscrição com a tese dos partidos nacionais e construiu uma regra que nunca esteve presente no Direito Eleitoral brasileiro. Aqui nesse caso, não. A verticalização dos impedimentos eleitorais causados por parentesco emana do próprio texto constitucional.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Jorge Hage

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, afirmou em entrevista exclusiva ao Contas Abertas que o único modo para se combater o crime de colarinho branco no Brasil é por meio de escutas telefônicas. Segundo ele, a polícia precisar usar o grampo para combater e prender o criminoso que comete esse tipo de delito. "Essas investigações precisam de métodos diferentes dos usados nos procedimentos comuns. Eu não participo dessa paranóia contra as escutas telefônicas”, afirma.Hage argumenta, porém, que se o Congresso Nacional tivesse aprovado o projeto de lei que introduz ao Código Penal o crime de enriquecimento ilícito, que tramita desde 2005, a comprovação do crime seria mais fácil. “Assim, dispensa-se a necessidade de se obter tantas provas para condenar alguém, pois o bandido é capturado pelo resultado, pelo tamanho do patrimônio. Ou ele explica que teve uma origem privada legítima ou, se ele estava atuando apenas na vida pública, como enriqueceu daquela forma?”, afirma. De acordo com o ministro, enquanto a medida não entrar em vigor, o Estado brasileiro precisa ser instrumentalizado, assim como a polícia, “braço do Estado”, para poder investigar de forma eficaz.

Laia a entrevista aqui

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Direito do Trabalho 8 X 1 Direito Civil

Acabou nesse momento a sessão do STF. Mais três súmulas vinculantes estão no forno, parece mesmo que a prática será esta: julgado, no Plenário, um caso com repercussão geral, o passo seguinte será a adoção de súmulas. Estamos assistindo momentos de franca experimentação institucional na suprema corte brasileira, no caso, a criação de um novo código para a Constituição. As súmulas vinculantes em grande quantidade representarão acréscimos de sentido à Constituição, será preciso em algum momento discutir isso à luz da teoria do poder constituinte de reforma, por exemplo, para perguntar se essa súmulas com força de lei constitucional não estariam a transformar a Constituição jurídica brasileira em algo consuetudinária, na melhor tradição da Common Law.

Como disse, agora há pouco o STF julgou novos casos com repercussão geral, as nossas class actions. Suas decisões serão em breve lei, ou melhor, súmulas vinculantes.O último processo julgado foi bastante emblemático dos novos tempos em matéria jurídica. Foi uma goleada do Direito do Trabalho no Direito Civil que podia até empolgar os nossos dunguistas contra a Bolívia logo mais. Isso é emblemático porque revela o quanto mudou a configuração da suprema corte nos últimos anos, a era Lula. Todos os nomeados por ele estavam presentes hoje, além do Presidente Gilmar (FHC) e do Min. Marco Aurélio (Collor). Apenas o Ministro Direito ficou do lado do Direito Civil, um voto bem fundamentado em defesa dos interesses tutelados pela posse privada, mas que não foi suficiente para convencer os demais. De que se tratava mesmo? Sim, da goleada. Vamos ao caso.

O Banco entrou na justiça comum estadual para garantir preventivamente proteção ao seu patrimônio contra possíveis atos de turba por parte de empregados em iminência de greve. Argumentou que o movimento poderia impedir o acesso de clientes e de outros empregados às dependências do Banco. A via processual foi um interdito proibitório, típica ação possessória. O Sindicato alegou que o processo deveria ser julgado pela Justiça do Trabalho, conforme determina a Constituição, acrescida de normas ainda mais específicas nessa direção pela EC 45.

Instalado o conflito, a matéria chegou ao STF em recurso extraordinário juntamente com mais algumas centenas, ou milhares, não tenho os dados. Na forma regimental, a matéria foi reconhecida como de repercussão geral, isto é, apta a ser julgada pelo Plenário do STF.Por 8 votos a 1, vencido o relator, o Supremo decidiu que prevalece a especialidade técnica e histórica da Justiça do Trabalho em matéria relativa ao direito de greve sobre a frieza civil da Justiça dos Estados. Não interessa a natureza civil da causa, o pedido cautelar para impedir ou evitar abusos no exercício do direito de greve deve ser apreciado na instância trabalhista. Se houver abusos, eles devem ser corrigidos, mas pela Justiça do Trabalho, não pelos desembargadores estaduais. Nos Tribunais de Justiça dos Estados, compostos em sua maioria por uma geração formada na cultura civilista, os bancos certamente teriam muito mais facilidade para impor o direito de propriedade sobre o direito de greve, criando restrições aos seu exercício.

O Supremo não permitiu que isso pudesse ocorrer, mas também não respaldou os abusos do direito de greve, apena acaba de dizer, por expressiva maioria, que os casos concretos envolvendo o exercício do direito de greve devem ser julgados por quem é do ramo. Foi uma grande derrota para os civilistas, hoje representados brava e solitariamente pelo Min. Direito.

Quanto aos novos "verbetes sumulantes", me parece digno de nota a referência feita pelo Min. Marco Aurélio à Comissão de Jurisprudência que, também na forma regimental, deverá apreciar a proposta de edição de novas súmulas, apresentar parecer por escrito e aí sim submeter sua aprovação ao Plenário. Parece uma recomendação de cautela na codificação.

domingo, 7 de setembro de 2008

Para entender o contexto do novo Direito Eleitoral

A cada dois anos realizam-se eleições no Brasil, intercalando a escolha para a composição dos poderes políticos municipais, com os chamados pleitos gerais, que escolhem, a partir dos Estados, os governantes e legisladores da federação e o Presidente da República. Desde o ano 2000, as eleições estão completamente informatizadas, o que significa a virtual extinção das fraudes nos procedimentos de coleta e de totalização dos votos. Atingimos o grau máximo de universalização do sufrágio. Pode-se votar desde os 16 anos de idade, não há restrições de sexo, classe, instrução. Os dados do TSE de julho de 2008 mostravam o impressionante número de 130.603.787 eleitores aptos a votar.

Todavia, a prática de eleições livres, universais e periódicas não é, como se sabe, uma prática constante na história nacional, o que apenas reforça a importância do Direito Eleitoral no presente contexto democrático e constitucional que vivemos, aliás, o maior período ininterrupto de estabilidade institucional jamais experimentado em toda a história republicana. Mas a memória recente exige que se examinem com atenção os fundamentos democráticos de nossa sociedade, suas bases constitucionais, certamente, mas também seus fundamentos políticos: o sistema partidário pulverizado e a prática de alianças eventuais e de infidelidade partidária, a crise de legitimidade das instituições políticas, as fórmulas de representação e a crise do modelo proporcional, o esgotamento ético do sistema de financiamento de campanhas... Todos esses problemas de cunho essencialmente políticos são hoje debatidos no Congresso Nacional no contexto da reforma política, sem que até agora tenha sido alcançado algum consenso capaz de transformá-la em lei.

E é exatamente no momento em que o Poder Legislativo se enfraquece diante do Executivo costumeiramente mais forte e interventivo, e que nos últimos anos praticamente monopolizou a prática legislativa com a edição de medidas provisórias, é nesse momento que emerge no Brasil, visível e perturbador, o fenômeno da judicialização da política. O Judiciário tem preenchido com extrema facilidade as lacunas regulatórias deixadas pelo Legislativo, por meio dos instrumentos processuais novos criados pela Constituição de 1988, mas também por aplicação direta dos valores e princípios nela consagrados. A presença ativa e intensa do Judiciário na arena de decisões políticas levou a estudiosa Maria Tereza Sadek à seguinte observação:

“A rigor, esse quadro marcado pela presença do Judiciário na arena pública não é novo. A novidade está em seu robustecimento, em sua profusão de cores e contrastes. A constitucionalização deu ensejo a uma atuação ampla por parte do Judiciário e particularmente de sua corte suprema, o STF. Não é acidental que o Supremo seja levado a se pronunciar sobre tantos assuntos e menos ainda que eles digam respeito a tão ampla gama de temas. A Constituição de 1988 consagrou extenso rol de direitos, conferiu condições que garantem status de poder ao Judiciário, ampliou o número de legitimados com acesso direto ao Supremo. Ademais, a expressiva judicialização de questões políticas, econômicas e sociais implicou a composição dos tribunais como arena de disputas políticas e instância decisória final.”

No campo eleitoral, esse fenômeno é agudo e revela seus próprios contrastes, tanto no âmbito da jurisdição do Supremo, quanto na mui peculiar jurisdição eleitoral. Foi no TSE que o Judiciário promoveu as três maiores tentativas de reformas no sistema político: a verticalização de coligações partidárias, a regra de fidelidade partidária que pune com a perda do mandato o político que sai do partido pelo qual se elegeu e a vida pregressa como causa de inelegibilidade dos políticos. Essas e outras decisões importantes do TSE foram confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, seja para reforçar a mutação, seja para impedi-la.

Mas, a judicialização das eleições é um fenômeno próprio, quer dizer, ela se projeta para além dessas grandes questões políticas e alcança o cotidiano da cidadania naquele seu momento de maior disputa, as campanhas eleitorais, onde se concentra a regulação jurídica das leis eleitorais. É durante as campanhas eleitorais que ocorrem os fatos jurídicos mais palpitantes do Direito Eleitoral:
· Os pedidos de registro de candidatura e as eventuais impugnações por inelegibilidade;
· A formação de coligações partidárias;
· A propaganda eleitoral e suas eventuais impugnações e pedidos de direito de resposta;
· As práticas eleitorais abusivas (abuso de poder político, econômico ou de mídia) e as ações que buscam coibi-las.
· A captação ilícita de sufrágio (“compra de voto”) e as ações que buscam coibi-la.
· A arrecadação de recursos de campanha e as respectivas prestações de contas.

A consolidação do regime democrático, a competitividade e o acirramento das disputas, a extensa cobertura normativa e a melhoria das assessorias jurídicas de partidos e candidatos têm feito aumentar a demanda de ações e recursos que trazem para o campo da jurisdição eleitoral aspectos e fatos controvertidos surgidos no ambiente da competição política. Alie-se a tudo isso a instabilidade que parece caracterizar o ambiente político - as idas e vindas da legislação em matéria eleitoral emprestam a esse ramo especializado um traço particular de dinamismo e transitoriedade – e será fácil constatar que o estudo do Direito Eleitoral é imprescindível para que se possa acompanhar melhor a evolução da democracia no Brasil.

Mas não é só. Como em nenhum outro ramo do Direito, é no campo eleitoral que se tem feito sentir a presença criativa da jurisprudência. Em primeiro lugar, em razão da competência normativa do Tribunal Superior Eleitoral, que está autorizado a editar Instruções para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral, além da competência de que dispõe para responder consultas sobre a interpretação em tese das normas eleitorais. Mas, também no exercício de sua competência propriamente jurisdicional, o Tribunal tem avançado bastante sobre a letra da lei. É, aliás, na experiência recente da prática judicial eleitoral que se encontram exemplos contundentes do caráter criativo da jurisprudência, especialmente no âmbito do TSE.

Não obstante, a jurisprudência sobre eleições, apesar das oscilações freqüentes, tem construído um campo diferente – demarcado pelo Direito – para a disputa política, o processo judicial eleitoral. As cláusulas constitucionais das condições de elegibilidade, das inelegibilidades, da proteção da liberdade do voto e da igualdade na disputa contra o abuso do poder político e a má e abusiva influência do poder econômico são o núcleo fundamental do Direito Eleitoral. Inspiram a legislação complementar e ordinária (inelegibilidades da legislação complementar, condutas vedadas, captação ilícita de sufrágio, sanções de perda do registro e do diploma), assim como estabelecem as balizas mais gerais para a formação da jurisprudência.

Inevitável que, com essa farta regulação das condutas que os agentes políticos impuseram a si próprios, as disputas, em alguns momentos, passassem a ser travadas também no processo judicial. Acessada pelos competidores ou pelo Ministério Público, a Justiça Eleitoral acaba por intervir no jogo político, julgando os litígios. Decide sempre pressionada pelo fator tempo e, quando sua decisão é posterior ao resultado do pleito, também recebe o peso da manifestação dos cidadãos que, bem ou mal, fizeram sua escolha pelo sistema mais seguro contra fraudes jamais praticado em nossa história de eleições, o voto eletrônico. Sistema que foi desenvolvido e é administrado pela própria Justiça Eleitoral.

Por outro lado, quando é o próprio Direito (constitucional, complementar e ordinário) que ordena a repressão ao abuso de poder nas práticas eleitorais, promove também uma relativização do postulado talvez mais essencial à idéia de democracia, a soberania popular. Judicializada uma eleição em que não há fraude sistêmica na coleta e na apuração dos votos, é a escolha popular que, litisconsorte, vai a juízo.

Tal situação haveria de conduzir a jurisprudência a situações difíceis, bifurcadas, em que pesam valores em choque vitais para saúde da democracia. De um lado, a regra da maioria que dá legitimidade às decisões em regimes democráticos, de outro, a justa disputa de opinião – sem coações ou abusos – em busca do convencimento do cidadão-eleitor.

É nesse contexto de escolhas tão difíceis quanto necessárias para a realização de eleições livres, mas também honestas, que se apresentam as principais questões do Direito Eleitoral contemporâneo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Laskou

O Alaska é a única zona de EUA por onde passa o círculo ártico e Palin é a primeira postulante a um cargo presidencial estadunidense que provém daquela região. Ela e seu esposo foram apontados por terem integrado ou manterem vínculos com o Partido pela Independência de Alaska (PIA), a única força separatista dos EUA que chegou a governar um Estado de1990 a 1994.

O Alaska é a única parte de América que não foi colonizada a partir da Europa, mas pela Ásia e a Rússia. Os eslavos se assentaram na região quando os EUA se tornaram independentes.

Em 1867 Moscou vendeu a região a Washington e em 1959 converteu-se, juntamente com Havaí, no último Estado a compor à União.

Seu tamanho (1,7 km²) é maior que a soma de quase a metade dos Estados menores dos EUA, mas possui somente cerca de 700.000 habitantes. O PIA não deseja a independência do Alaska para se inclinar aos nativos ou à esquerda, senão para torná-lo mais libertário.

Seu fundador, Joe Vogler, sugeriu que se lançassem bombas nucleares contra o gelo glacial para evitar que a capital alasquenha (Juneau) não seja tão isolada. Palin enviou uma mensagem à convenção do PIA 2008 sustentando que ela concorda com eles em diminuir o papel do governo e em dar mais força ao Alaska.

Enquanto os ecologistas falam na preservação dos ursos polares e em evitar que os poços e dutos petroleiros tragam danos ao eco-sistema quase virgem do Alaska, Palin, deseja explorá-lo ao máximo e sem muitas restrições às suas grandes riquezas naturais.

* Isaac Bigio é analista internacional em Londres. Seu site é: www.altopilar.com/isaacbigio

terça-feira, 2 de setembro de 2008

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Castigo


Ativismo judiciário

Por Maria Tereza Sadek


Esta semana é do Supremo. As anteriores também foram. As próximas, muito provavelmente, serão. Os temas são variados: Habeas Corpus; uso de algemas; registro de candidatos a cargos eletivos; nepotismo; demarcação de terra indígena; interrupção de gravidez de feto anencéfalo; lei seca; lei de imprensa; cotas nas universidades; mensalão; união homoafetiva; transposição do Rio São Francisco; etc. A lista, além de extensa, é repleta de questões sensíveis. O processo de tomada de decisões expõe e confronta princípios como, por exemplo, presunção de inocência e moralidade da administração pública; direito de acusados e direito de investigar; direito de optar e imposição ou pretensão do Estado de legislar; segurança nacional; soberania nacional e direito dos índios; diversidade cultural. O embate, contudo, não é só de princípios. Instituições, grupos, corporações, interesses, imiscuem-se em categorias filosóficas abstratas. Assim, aparecem em lados opostos índios, organizações não-governamentais, Ministério Público e governo federal versus fazendeiros, deputados e governo estadual; Igreja contra cientistas; entidades médicas em desacordo com religiosas; cúpula do Judiciário e setores da advocacia em confronto com juízes de primeiro grau, aos quais se somam integrantes do Ministério Público, membros da Polícia e associações representativas.

A relevância dos temas e sua potencialidade de provocar impactos no âmbito público, na esfera de ação de corporações e na área privada justificam que se dirija a atenção para as decisões do Supremo. Com efeito, de área de interesse quase exclusiva de juristas e de operadores do direito, a Justiça estatal passou a constar da agenda política e da pauta dos meios de comunicação.
Propostas de reforma do sistema de Justiça saíram do reino da retórica transformando-se em medidas concretas. O Judiciário e seus integrantes converteram-se em objeto de manchetes, recebendo destaque em todos os veículos, jornais, revistas, rádios, televisões e blogs. A própria TV Justiça - uma singularidade brasileira -, no início vista com desdém pela maior parte dos conhecedores de mídia, tem conquistado audiência, especialmente quando transmite julgamentos vistos como memoráveis.

A rigor, esse quadro marcado pela presença do Judiciário na arena pública não é novo. A novidade está em seu robustecimento, em sua profusão de cores e contrastes. A constitucionalização deu ensejo a uma atuação ampla por parte do Judiciário e particularmente de sua corte suprema, o STF. Não é acidental que o Supremo seja levado a se pronunciar sobre tantos assuntos e menos ainda que eles digam respeito a tão ampla gama de temas. A Constituição de 1988 consagrou extenso rol de direitos, conferiu condições que garantem status de poder ao Judiciário, ampliou o número de legitimados com acesso direto ao Supremo. Ademais, a expressiva judicialização de questões políticas, econômicas e sociais implicou a composição dos tribunais como arena de disputas políticas e instância decisória final.
Em termos comparativos internacionais, é possível dizer que a participação do Judiciário na esfera pública é quase tão antiga quanto sua ascensão a Poder de Estado e a Corte Constitucional. Bastaria recordar a atuação da Suprema Corte americana e seu impacto na vida pública daquele país. Os exemplos são muitos. É, porém, suficiente lembrar seu apoio à segregação racial, negando a cidadania para os negros na primeira metade do século 19; sua intervenção invalidando leis sociais que objetivavam limitar a jornada de trabalho, em 1905; sua oposição ao New Deal do presidente Roosevelt; sua decisão a favor da pílula anticoncepcional e do aborto.
Quer agindo de forma conservadora quer de forma progressista é inegável o papel político do Judiciário. O desempenho desse papel está fortemente condicionado pelo desenho institucional da corte constitucional, mas também por características de seus integrantes. O perfil de seus ministros faz diferença. Em outras palavras, a despeito dos incentivos a uma atuação política propiciada pelos parâmetros institucionais, traços individuais contam. Em conseqüência, a atuação da corte reflete de forma inequívoca se o grupo é mais ou menos homogêneo, do ponto de vista ideológico e doutrinário; se predominam comportamentos mais ou menos reservados, atitudes mais ou menos agressivas, mais ou menos sensíveis a problemas sociais; enfim, importa como é ocupado o espaço concedido aos atributos individuais, tanto os vistos como positivos como os negativos.

Na mesma medida em que se robustece o protagonismo do Judiciário, crescem e se acirram as posições favoráveis e as contrárias a esse fenômeno. A valorização do ativismo judicial e do constitucionalismo tem seu contraponto na contenção, nos riscos da extrapolação de suas funções, nos preceitos majoritários. A polêmica, uma vez mais, não é só de princípios. Está em jogo a força relativa das instituições e de seus integrantes, como também a distribuição de poder no interior das instituições, a manutenção de privilégios e a efetivação de projetos políticos.
Face a tais características, não há como desconhecer a importância e o significado do Supremo na vida pública. Importância e significado que têm crescido nos últimos anos, impulsionados por características de seus integrantes. Qualquer que seja sua decisão, ou mesmo sua decisão de adiar uma decisão, tem potencial de produzir efeitos notáveis.

Para nos atermos a exemplos mais recentes, bastaria recordar as reações de lideranças políticas, de parlamentares, seus parentes e apaniguados em relação às imposições relativas à contratação de pessoas ligadas por vínculos familiares. E, por outro lado, as respostas favoráveis por parte dos que defendem uma administração pública baseada na impessoalidade, no mérito, na moralidade. Quanto à questão da demarcação de área indígena, postergar a decisão funciona como recurso de busca de solução salomônica, com maior potencial de pacificação das partes em conflito.

A vitalidade do Supremo é inquestionável. Os últimos anos testemunham seu protagonismo, decidindo ou postergando decisão, suscitando maior ou menor controvérsia. Sua presença é constante, como protagonista principal ou como ator pronto a entrar no palco. Tem tanto disciplinado matérias, atendo-se às suas clássicas atribuições, como legislado, adentrando em searas parlamentares. O presidente do Senado, ciente do risco do espaço perdido, reconheceu uma regra básica da política - a inexistência de vácuo. Ou, como consta dos escritos federalistas, “o poder é abusivo por natureza”. Hoje, o que está em discussão não é o protagonismo do Judiciário, mas sua extensão e limites.

Revista Consultor Jurídico, 31 de agosto de 2008

A era do grampo II

Por Luis Nassif

Veja continua na escalada para provar a existência de um estado policial no país. Nova capa anunciando as provas dos grampos nas autoridades e no país (clique aqui). A única prova apresentada é um suposto grampo, supostamente entregue à reportagem por um suposto agente da Abin, no qual o Ministro Gilmar Mendes, do STF, conversa com o senador Demóstenes Torres, da CPI da Pedofilia.

O autor da reportagem é Policarpo Filho – autor de um conjunto enorme de reportagens, baseadas em grampos, arapongas e aparato policial, a maioria das quais nunca se confirmou – caso Chico Lopes, no governo passado; dólares de Cuba, no atual governo. A propósito desse estilo de jornalismo, sugiro a leitura dos capítulos “O araponga e o repórter” e “O método Veja de jornalismo”.

Certa vez o economista Paulo Singer declarou que nem ele – homem acima de qualquer suspeita – resistiria a 24 horas de grampo, com seleção de frases soltas. Mas Gilmar resiste bravamente e sai engrandecido com a divulgação do grampo. No diálogo selecionado se vê um juiz na defesa estrita da legalidade, contra abusos de juízes de primeira instância e procuradores. E um senador que defende a CPI contra juízes de primeira instância que pretendem proteger pedófilos. Quer cena mais legitimadora da ação do STF e das CPIs? É um caso extraordinário de grampo a favor dos grampeados. Não há nenhuma indicação da fonte. O autor da reportagem foi autor de inúmeros furos que jamais de confirmaram. Mas a reportagem é taxativa: Paulo Lacerda, diretor da Abin, está no epicentro do escândalo. Além de coordenar secretamente uma operação policial que nem o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa (à dir.), conhecia, a agência que ele dirige grampeou ilegalmente os telefones do presidente do Supremo Tribunal Federal, de ministros do governo Lula e de parlamentares.

A reportagem recorre até ao ex-Ministro José Dirceu – que transforma em vítima de ataques noturnos da Polícia Federal, depois de fustigá-lo implacavelmente por edições e edições. Não faz muito tempo, um para-jornalista da revista divulgou a agenda de trabalho do Dirceu. Que tal Diogo Mainardi – que se vangloria de não respeitar o off – informar quem foi a fonte que lhe passou documentos pessoais de Dirceu? Ajudaria a combater o estado policial no país. Pouco tempo atrás, temas como direitos individuais estavam longe das preocupações da revista. Paulo Lacerda era o herói celebrado em uma capa memorável: “Os Intocáveis”

Vamos a algumas conclusões desse jogo: é possível que a Abin e a PF tenham grampeado autoridades ilegalmente. Como é possível que não o tenham feito. Mas as reportagens da Veja não comprovam nada. Apenas indicam que, subitamente, a revista passou de beneficiária ampla de divulgação de grampos ilegais a crítica acerba dessa atitude. Essa mudança traz mais informações do que todos os supostos furos dados pela revista sobre o "estado policial".

A era do grampo

Por Ricardo Noblat

Sabe quem acabou grampeado durante a investigação da Polícia Federal que resultou na prisão em julho último de 17 pessoas acusadas de desvio de verbas públicas – entre elas o banqueiro Daniel Dantas, o especulador Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta? Protógenes Queiroz. Sim, ele mesmo, o delegado que comandou a investigação. E sabe quem mais? O ministro Tarso Genro, da Justiça. O grampo registrou uma conversa travada por telefone entre Protógenes e Tarso. O delegado comenta aspectos da investigação. O ministro pede sua atenção para outros. A conversa pode ser ouvida em um dos cds com centenas de horas de gravações que fazem parte da memória de quatro anos da investigação promovida pela Polícia Federal. Há outra onde Protógenes trata com um funcionário do governo de prosaicos interesses da Confederação Brasileira de Futebol.

Por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), cópias dos cds foram entregues a personagens da operação batizada de Satiagraha. Em sânscrito, Satiagraha quer dizer “firmeza na verdade”.
Que telefone estava grampeado? O do delegado? O do ministro? Quem fez o grampo - agentes federais ou da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que ajudaram na investigação?
O delegado sabia que seu telefone estava grampeado? Ou foi vítima de “fuego amigo, pero no mucho”? O ministro não fazia a menor idéia de que pudesse estar sendo grampeado. Nada há de comprometedor no diálogo travado por Protógenes com Tarso. De todo modo é uma amostra formidável do ponto a que chegamos em matéria de anarquia institucional e de desrespeito flagrante a direitos previstos na Constituição. Muitos Estados policiais começaram assim e se consolidaram assim.

Está dito no artigo quinto da Constituição, inciso XII: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A se levar em conta passagens do relatório que assinou sobre a Operação Satiagraha, Protógenes é do tipo Zorro, defensor dos fracos e oprimidos. Nem por isso é concebível que tenha pedido autorização judicial para grampear seu próprio telefone ou o do ministro. Alguém grampeou, violando o direito ao sigilo telefônico de Protógenes e de Tarso.
No curso da Satiagraha ou sem nada ter a ver com ela, agentes da ABIN também grampearam, segundo a VEJA, os telefones de Gilmar Mendes, presidente do STF, Garibaldi Alves, presidente do Senado, Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, José Múcio Monteiro, ministro das Relações Institucionais, e Gilberto Carvalho, chefe do gabinete de Lula. E mais os telefones dos senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Arthur Virgílio (PSDB-AM), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Tião Viana (PT-AC).

O ex-ministro José Dirceu avisou a Lula que foi grampeado. Ladrões invadiram o escritório dele em São Paulo e levaram apenas a CPU do computador. A Polícia Federal chegou a cogitar de prender Dirceu e o ministro Mangabeira Unger, de Assuntos Estratégicos.
Para que serve a ABIN? Para “desenvolver atividades de Inteligência voltadas para a defesa do Estado Democrático de Direito, da sociedade, da eficácia do poder público e da soberania nacional”. Sem poder de polícia, é um órgão de assessoramento direto do presidente da República. Não poderia ter feito o que fez.

Você não liga para isso? Acha mais grave o roubo de dinheiro público do que o grampo ilegal de telefones? Pois lhe digo: roubar dinheiro público é um crime menos grave. Seu alvo é apenas o Tesouro Nacional. Cometido justamente por quem deveria combatê-lo, o grampo ilegal de telefones é um crime contra o Estado de Direito. Você só saberá com precisão o que é Estado de Direito se um dia ele faltar – como faltou no passado. Isola! Esconjura!