A era do grampo
Por Ricardo Noblat
Sabe quem acabou grampeado durante a investigação da Polícia Federal que resultou na prisão em julho último de 17 pessoas acusadas de desvio de verbas públicas – entre elas o banqueiro Daniel Dantas, o especulador Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta? Protógenes Queiroz. Sim, ele mesmo, o delegado que comandou a investigação. E sabe quem mais? O ministro Tarso Genro, da Justiça. O grampo registrou uma conversa travada por telefone entre Protógenes e Tarso. O delegado comenta aspectos da investigação. O ministro pede sua atenção para outros. A conversa pode ser ouvida em um dos cds com centenas de horas de gravações que fazem parte da memória de quatro anos da investigação promovida pela Polícia Federal. Há outra onde Protógenes trata com um funcionário do governo de prosaicos interesses da Confederação Brasileira de Futebol.
Por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), cópias dos cds foram entregues a personagens da operação batizada de Satiagraha. Em sânscrito, Satiagraha quer dizer “firmeza na verdade”.
Que telefone estava grampeado? O do delegado? O do ministro? Quem fez o grampo - agentes federais ou da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que ajudaram na investigação?
O delegado sabia que seu telefone estava grampeado? Ou foi vítima de “fuego amigo, pero no mucho”? O ministro não fazia a menor idéia de que pudesse estar sendo grampeado. Nada há de comprometedor no diálogo travado por Protógenes com Tarso. De todo modo é uma amostra formidável do ponto a que chegamos em matéria de anarquia institucional e de desrespeito flagrante a direitos previstos na Constituição. Muitos Estados policiais começaram assim e se consolidaram assim.
Está dito no artigo quinto da Constituição, inciso XII: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A se levar em conta passagens do relatório que assinou sobre a Operação Satiagraha, Protógenes é do tipo Zorro, defensor dos fracos e oprimidos. Nem por isso é concebível que tenha pedido autorização judicial para grampear seu próprio telefone ou o do ministro. Alguém grampeou, violando o direito ao sigilo telefônico de Protógenes e de Tarso.
No curso da Satiagraha ou sem nada ter a ver com ela, agentes da ABIN também grampearam, segundo a VEJA, os telefones de Gilmar Mendes, presidente do STF, Garibaldi Alves, presidente do Senado, Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, José Múcio Monteiro, ministro das Relações Institucionais, e Gilberto Carvalho, chefe do gabinete de Lula. E mais os telefones dos senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Arthur Virgílio (PSDB-AM), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Tião Viana (PT-AC).
O ex-ministro José Dirceu avisou a Lula que foi grampeado. Ladrões invadiram o escritório dele em São Paulo e levaram apenas a CPU do computador. A Polícia Federal chegou a cogitar de prender Dirceu e o ministro Mangabeira Unger, de Assuntos Estratégicos.
Para que serve a ABIN? Para “desenvolver atividades de Inteligência voltadas para a defesa do Estado Democrático de Direito, da sociedade, da eficácia do poder público e da soberania nacional”. Sem poder de polícia, é um órgão de assessoramento direto do presidente da República. Não poderia ter feito o que fez.
Você não liga para isso? Acha mais grave o roubo de dinheiro público do que o grampo ilegal de telefones? Pois lhe digo: roubar dinheiro público é um crime menos grave. Seu alvo é apenas o Tesouro Nacional. Cometido justamente por quem deveria combatê-lo, o grampo ilegal de telefones é um crime contra o Estado de Direito. Você só saberá com precisão o que é Estado de Direito se um dia ele faltar – como faltou no passado. Isola! Esconjura!
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