sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Sistemas Eleitorais

I. GENERALIDADES

A complexidade dos processos de formação das decisões políticas exige a maior simplificação possível, compatível com o direito, hoje mais do que nunca reconhecido a todos os indivíduos que fazem parte de uma organização política, de influir de qualquer forma sobre esses processos.

Quase unanimemente se reconhece que o mecanismo mais conveniente, para fins de redução dos custos decisionais, consiste na participação popular através das eleições. Estas permitem, e de alguma forma garantem, ao menos no sistema ocidental de tipo liberal-democrático, não só a escolha de pessoas a quem se confia a alavanca do Governo, mas também a expressão do consenso e do dissenso, a representação dos interesses, o controle das atividades do Governo e a mobilização das massas.

Em todo o caso, porém, parece que, para se poder falar de representatividade das eleições, é necessário que estas apresentem as características de liberdade e periodicidade. Se estas faltarem, a relação de responsabilidade política que liga os governantes aos governados é esvaziada e, com ela, as funções de investidura e controle que são essenciais a uma eleição.

Como procedimentos institucionalizados para atribuição de encargos por parte dos membros de uma organização ao de alguns deles, as eleições são, sem dúvida, historicamente, bastante antigas. Em sua função e em suas dimensões atuais, porém, só adquiriram importância crescente a partir da época em que o Estado começou a perder suas características personalísticas e patrimoniais para assumir as de um Estado democrático ou pelo menos burguês.

Os mecanismos idealizados para operacionalizar a redução do “mais” das massas ao “menos” das elites de Governo são numerosíssimos. Se quisermos nos limitar aos que, nos diversos sistemas políticos e diversas épocas, tiveram uma atuação prática, a tarefa fica igualmente árdua, já que se calcula que, em qualquer caso, teríamos de trabalhar com cerca de trezentos modelos de Sistemas eleitorais.


Para destrinçarmos este acervo é necessária uma classificação, em ordem à qual foram propostos alguns critérios. Dado o caráter da presente exposição, podemos continuar a seguir o critério estatístico-matemático de classificação tradicionalmente usado. Quanto aos outros, ou são ainda teoricamente muito pouco conhecidos, ou estão relacionados com colocações particulares de estudo às quais dizem respeito.

II. SISTEMAS MAJORITÁRIOS

São dois os modelos tradicionais de Sistemas eleitorais: o majoritário e o proporcional. Todos os outros não são nem mais nem menos do que modificações e aperfeiçoamento destes. Compreende-se imediatamente por que todos os outros giram em torno deles, desde que se considerem as necessidades que devem ser satisfeitas: a instabilidade de Governo e do Sistema Político em geral e a representação de todos os grupos de interesse em que a sociedade está articulada.

Foi o sistema majoritário o primeiro a surgir. Baseado sobre o princípio segundo o qual a vontade da maioria dos eleitores é a única a contar na atribuição das cadeiras, a sua atuação está ligada ao fato de que o eleitorado está mais ou menos repartido em colégios.


A maioria requerida pode ser simples ou relativa (plurality system) ou então absoluta ou variadamente qualificada (majority system). Os pressupostos de funcionalidade deste sistema são:

a) uma equilibrada distribuição dos eleitores nos colégios, de tal maneira que cada eleito represente o mesmo “peso” e seja limitada ao máximo a sub-representação de alguns colégios em relação a outros;
b) a ausência de práticas de gerrymandering, de tal maneira que nenhum partido seja favorecido de maneira substancial pelo modo como foram traçadas as fronteiras dos colégios;
c) a ausência de uma maioria agregada por fatores metapolíticos (divisões étnicas, por ex.) que vote prescindindo constantemente das linhas políticas efetivamente em discussão.

III – OS SISTEMAS PROPORCIONAIS

O principio proporcional acompanha a moderna democracia de massas e a ampliação do sufrágio universal. Partindo da consideração de que, numa assembléia representativa, deve criar-se espaço para todas as necessidades, todos os interesses e todas as idéias que animam um organismo social, o princípio proporcional procura estabelecer a perfeita igualdade de voto e dar a todos os eleitores o mesmo peso, prescindindo de preferência manifesta.

Os Sistemas eleitorais que realizam o princípio proporcional atuam baseados em duas formas fundamentais: o voto individual, eventualmente transferível (sistema de Hare e Andrae), típico dos países anglo-saxônicos, e as listas concorrentes (escola suíça de Considerant) prevalecentes nos países fora das tradições inglesas. O mecanismo de base de ambos consiste na determinação de uma cota ou quociente em relação ao total dos votos: as cadeiras são atribuídas pelos quocientes alcançados.

No voto individual transferível, também chamado de quota system, o eleitor, enquanto vota num determinado candidato, exprime também sua preferência por um segundo ou por um terceiro, para o qual seu voto deverá ser transferido no caso de inutilização de sua primeira preferência, por ter já conseguido um quociente. Este sistema, adotado na Irlanda, difere do que foi originariamente idealizado por Hare. Ele é aplicado numa pluralidade de circunscrições antes do que num colégio único nacional. Como já foi sublinhado, constitui potencialmente a mais proporcional entre as fórmulas proporcionais (Fisichella, 1970, 198). Mas, na hipótese de um colégio único nacional, em que se registra apenas um quociente, ele realiza indubitavelmente a proporção integral.


Nos sistemas proporcionais de lista, ao contrário, são colocadas em destaque as listas como expressão de grupos de opinião concorrentes (partidos), às quais estão ligados tanto os eleitores como os candidatos.

Os tipos principais de listas são:

1) a lista rígida, na qual a graduação entre os candidatos para fins de eleição é prefixada pelos apresentadores e nenhum poder para modificá-la é reconhecido aos eleitores;
2) a lista semilivre de tipo belga, em que o eleitor que pretender modificar a ordem de apresentação dos candidatos na lista pode expressar, em vez de voto simples de lista, um voto nominal que serve ao mesmo tempo para votar na lista e no candidato preferido;
3) a lista livre de tipo suíço, que concede ao eleitor a mais ampla liberdade, podendo ele não só introduzir na lista escolhida qualquer modificação, como servir-se de uma cedula em branco na qual escreve nomes de candidatos de qualquer lista, formando assim uma lista própria. Ao eleitor são, pois, reconhecidas várias possibilidades intermediárias, segundo os sistemas: pluralidade de preferencias, gradualidade dentro da lista, votos negativos, votos compostos (chamados panachage), etc.

BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política. Coordenação da tradução: João Ferreira. 8ª ed. Brasilia: editora UnB, 1995, volume II, pp. 1175-1176.

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