sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

De volta para o futuro: a reforma política

Em 2005, havia sido convidado pelo Ministro Velloso, então Presidente do TSE, para assumir a coordenação da Escola Judiciária Eleitoral. Em abril desse mesmo ano promovemos um seminário para que os integrantes da justiça eleitoral brasileira pudessem conhecer e discutir o projeto de reforma política, relatado pelo Deputado Ronaldo Caiado, que deveria ir à votação logo, mas foi atropelado pela eclosão da "crise política" - flagra de corrupção do funcionário dos correios, entrevista de Roberto Jefferson, CPI, cassações... Crise que durou até a campanha eleitoral do ano passado e que consumiu praticamente todo o oxigênio político disponível.

Para debater com o deputado, convidamos o professor Walter Costa Porto, que deu uma belíssima aula de história política.

O texto abaixo contém uma parte da exposição do professor Costa Porto. Trata das origens e propósitos da adoção do peculiar sistema proporcional brasileiro, o de listas oferecidas por partidos ou coligações com votação uninominal. Esse mesmo sistema que está correndo risco agora, como então, de dar lugar ao sistema proporcional de lista fechada ou até mesmo ao sistema majoritário (voto distrital) para a eleição de parlamentares.

Nunca vi ninguém contar melhor essa história do que meu caro professor:

Em 1932, Getúlio ocupa o cargo de presidente após perder as eleições e impor um golpe de estado, que modificou a face do país, ao trazer questões sociais para dentro da Constituição e criar a legislação do trabalho. Vejam que o quadro talvez tenha sido o fundamental motivo para a revolução de 30, que teve como lema “Representação e Justiça”, criado pelo grande Assis Brasil, do Rio Grande do Sul.

Getúlio Vargas chama Assis Brasil, Mário Pinto Serva e João Cabral da Rocha para escreverem o primeiro Código Eleitoral brasileiro, cuja primeira das grandes inovações foi trazer o sistema proporcional para o Brasil, antes sob o sistema distrital.

Desculpem a mania do professor, de andar explicando coisas, mas no mundo ninguém conhece o voto distrital, todos consideram os votos como do distrito, qualquer que seja a área desse distrito, denominado sistema majoritário para as eleições das assembléias. No Brasil, denominou-se voto distrital, mas se entrarmos em um desses buscadores da Internet e procurarmos por distrital vote, aparecerá tão-só sistema majoritário para as eleições das assembléias.

Muito bem, o Brasil tinha o sistema distrital na Primeira República, que passou, a partir de 1904, a ser o voto distrital de cinco nomes, ou seja, elegiam-se somente três, era o voto limitado, e se podia juntar esse voto num só, o voto cumulativo.

O grande nome dessa reforma, Assis Brasil, propôs um sistema muito complexo. Digamos que a eleição fosse em Brasília e o PTB apresentasse a sua chapa para deputados federais. São oito vagas e haveria oito nomes na lista que o eleitor colocaria na urna. Ele escreveria o primeiro nome e depois mais sete. Quando da apuração, o Tribunal, assim constituído pelo Código Eleitoral, verificava o quociente eleitoral, ou seja, a divisão do número de votos pelos cargos a serem preenchidos, e aquele partido que atingisse tantas vezes o quociente eleitoral elegia tantos candidatos de sua lista. Se Sobrassem cargos a ser preenchidos, seria feito pelo sistema de maior número de votos daqueles candidatos. (!!!!)

A primeira crítica feita a Assis Brasil foi a de que ele juntou os sistemas proporcional e majoritário. Ele aceitou a crítica, dizendo ser necessário, porque o sistema majoritário daria governabilidade. Talvez porque o modo de eleger fosse muito complexo.

Mas isso foi modificado em 1935 pela Lei nº 48: em vez de escrever os sete nomes, basta um.
O Brasil, a começar daí, adota um processo inteiramente peculiar e original, qual seja, o da escolha uninominal a partir da lista oferecida pelos partidos. Somente a Finlândia, em 1976, adotou esse mesmo sistema. E o pior, não somente esse sistema penaliza os partidos políticos, como é de difícil compreensão para cada um de nós.

Como exemplo concreto, costumo sempre citar o caso Enéas, cujo partido, o Prona, mereceu nas eleições de São Paulo em torno de 1,8 milhão de votos. O quociente eleitoral foi 280 mil, fez-se a divisão, o Prona teve direito a seis candidatos e apareceu um último com 300 votos.

Vejo, estarrecido, pessoas como Augusto Nunes, analista sério, correto, e Dora Krammer, minha amiga, escreverem não ser possível um sistema eleitoral que eleja uma pessoa com 300 votos quando seis pessoas obtiveram mais de 100 mil votos e não foram eleitos. Para o eleitor comum, é absurdo uma pessoa ser eleita com apenas 300 votos, só que ela não obteve apenas 300 votos, mas 1,8 milhão de votos para vir em sexto lugar e 300 votos para vir em primeiro lugar.

Faço uma grande ressalva à exposição do nobre Deputado Ronaldo Caiado, de que talvez se devesse permitir sobrevida a este nosso sistema eleitoral, para que as pessoas tenham consciência de que devem votar no partido. O primeiro movimento desse voto brasileiro é no partido. Depois digo quem eu quero que venha no início da lista.

A maior parte dos que aqui estão compreende o que seja lista fechada e lista aberta. No mundo todo, o sistema proporcional é sempre em listas. Não há nenhum país no mundo, menos o Brasil e a Finlândia, que tenha o sistema proporcional, em que o eleitor não ponha uma lista na urna. E há várias opções: essa lista é fechada ou bloqueada. Isto é, não cabe ao eleitor reordená-la, restando eleito o que vem em primeiro lugar, e não está eleito, de forma alguma, o que vem em oitavo lugar.

Digamos que em uma eleição de Brasília haja oito vagas e um candidato esteja em oitavo lugar e não vá se eleger. Por que ele aceita continuar naquele lugar? Primeiro, porque a convenção assim determinou, segundo, ele pode, mais tarde, dizer que já lutou muito, que esteve muitas vezes em oitavo lugar, e pedir que seja colocado um pouco à frente. Ou seja, nenhum partido elege os oitos, mas o primeiro está fatalmente eleito.

A segunda alternativa é a da lista aberta: reordena-se colocando o oitavo lugar em segundo e o primeiro em quarto. O que me dizem e o que vejo e constato é que a inércia, a preguiça, leva a que os eleitores, mesmo em lista aberta, votem na lista ordenada pelos partidos.

E há uma terceira possibilidade, que a gíria francesa chama de panachage, arranjo de flores, que denota a liberdade do eleitor de chegar a um tal ponto que se possa ordenar uma lista com nomes de listas diversas.

O Brasil, então, segue para uma quarta opção, qual seja a de votar apenas no nome do candidato, ordenando a lista com uma indicação. E parecido com esse modo de proceder – o chamado voto de preferência –, se quero que o quarto lugar venha um pouco mais à frente, marco nele um “x”, e tantos outros que possa sair do lugar onde está.

Mas, como age aquele que, no Brasil de agora, vota apenas na legenda? Como se votasse na lista que todos organizaram, ou seja, uma ordenação que, no fim, será feita por meio do voto de cada um. Qualquer que seja a composição e a ordenação dessa lista, dá-se mais um voto a ela. Ou seja, não quero escolher pessoas, vocês escolhem meu nome, e eu trago mais um voto. É o que chamamos hoje no Brasil de voto na legenda.

Embora encontrando algumas vantagens na lista fechada, e dela discordando, pergunto ao nobre Deputado Ronaldo Caiado se não haveria um modo de se educar melhor, de se fazer ampla campanha para manter esse processo?
...

Walter Costa Porto

Nenhum comentário: