domingo, 11 de fevereiro de 2007

As Eleições na Justiça - a pesquisa I

Já me referi aqui ao meu trabalho de conclusão da especialização em direito eleitoral pela Universidade de Brasília. Pois é, o texto será publicado em breve, mas, sem querer tirar o ineditismo, achei que seria interessante começar a divulgar por aqui.

O título: "As Eleições na Justiça - caminhos e encruzilhadas da interpretação do direito eleitoral no Brasil".

A banca examinadora foi composta pelos professores Othon de Azevedo Lopes e Torquato Jardim e presidida pelo meu orientador, Ministro Sepúlveda Pertence. Fui aprovado e sou muito grato à Universidade de Brasília e à Escola Judiciária Eleitoral do TRE-DF, que, mediante convênio, tornaram possível o curso.

Tomei notas para a apresentação do trabalho perante a banca em um bloco de rascunho que julgava perdido, mas ontem encontrei essas notas. Aí estão:

Objetivos da pesquisa:

  • estudar o comportamento decisório do TSE;
  • identificar e compreender as linhas centrais que formam as cadeias jurisprudenciais em direito eleitoral;
  • compreender os processos argumentativos desse encadeamento decisório;
  • explicar os fatores que concorrem para a permanência do quadro de mutabilidade ou instabilidade da jurisprudência em matéria eleitoral.

Estrutura do trabalho

  • Capítulo I - Democracia e Justiça

O regime democrático é o pano de fundo necessário para a atuação da justiça eleitoral. Sem democracia, não há eleições válidas, ou pelo menos, honestas. É a história do Brasil que atesta a assertiva. Por isso, a incursão feita no primeiro capítulo sobre o papel desempenhado pela criação da justiça eleitoral na construção da experiência democrática brasileira.

Em resumo, ao longo da história republicana - foi criada em 32 - a justiça eleitoral tem conseguido paulatinamente garantir a legitimidade das eleições pelo controle administrativo do processo de registro de eleitores e pela repressão à fraude na coleta do voto. Esse processo chegou a seu apogeu com a criação da urna eletrônica e com o aprimoramento do processo eletrônico de transmissão de dados. A velocidade da apuração é virtual impedimento da fraude.

Para Bolívar Lammonier, a condição sine qua non para a democracia representativa é a incerteza prévia quanto aos resultados das eleições: a confiança de que o voto votado será o voto apurado. Esse ganho institucional o sistema eletrônico de votação brasileiro conseguiu alcançar. Que deva ser aprimorado, que se antecipe ao ilícito, tudo bem, mas não houve contestações importantes à lisura do processo até então.

Aliás, presenciei no TSE a experiência de cooperação internacional. A urna brasileira foi utilizada em uma deterninada província do Paraguai. Coincidência ou não, o grupo político que há décadas não perdia foi derrotado.

Ocorre, porém, que sabemos, com Norberto Bobbio, que a democracia está devendo. Que há muitos contrastes entre o que foi a promessa democrática dos fundadores e o que tem sido entregue pelos seus praticantes históricos.

Bobbio (O Futuro da Democracia) enumera seis promessas não cumpridas da democracia:

  • a sobrevivência do poder invisível;
  • a permanência das oligarquias;
  • a permanência de corpos intermediários;
  • a revanche da representação de interesses;
  • a participação interrompida;
  • o cidadão não-educado.

Mas, apesar desses contrastes, Bobbio enfatiza que não se trata de falar em esgotamento da democracia; ele rebate vários argumentos para concluir que a democracia se adapta, ou se adaptou às circunstâncias de cada tempo e está aí, viva como nunca. De fato, parece que nunca houve o tempo em que tantos países "conviveram" sob o declarado regime democrático.

Porém há que cuidar. Pelo menos um daqueles contrastes entre o ideal e a experiência democrática, a sobrevivência do poder invisível, isto é, a falta de transparência com os assuntos públicos é mortal, atinge a essência da democracia. Ou melhor, o conceito mínimo de democracia (Bobbio):

  • "O conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomas decisões coletivas e com quais procedimentos."

Daí, creio, a pertinência e o valor da participação isenta da justiça eleitoral na condução administrativa do processo.

Sustento que, mantida sob controle a fraude na coleta e transmissão dos votos, o ilícito eleitoral volta-se exclusivamente ao conflito político direto. Entre candidatos, eleitores, partidos e financiadores. Basta acompanhar outra rotina da justiça eleitoral, a jurisdição, para a fácil constatação. Não há mais impugnação de urna como havia antes, semanas de apuração, urnas violadas etc. Hoje, na noite do mesmo dia da votação proclamam-se os eleitos.

O ilícito eleitoral corriqueiro é agora a captação ilícita de sufrágio, o abuso de poder, a propaganda irregular ou injuriosa e a captação ilícita de recursos. Hoje quase não se ouve falar em boca de urna. Ocorrem casos isolados que nem merecem estatísticas.

Mas as estatísticas processuais mostram que, nesse campo, a justiça eleitoral é também bastante requisitada.

Claro, é bom lembrar, muitos dos processos eleitorais versam sobre os impedimentos, ou inelegibilidades, que, nem sempre têm origem em ilícitos.

Bem, de todo modo, é aqui que se chega ao ponto central do trabalho. Depois de apreciar a contribuição da justiça na administração dos pleitos, passei a analisar a:

  • formação da jurisprudência em matéria eleitoral, com destaque para os processos de repressão ao abuso de poder, pelo ângulo do comportamento decisório do Tribunal Superior Eleitoral.

Cabe uma inflexão.

Acho que ninguém faz pesquisa com algum rigor e diz que sabe o que vai encontrar no final do projeto realizado. Isso é, afinal, a confirmação da vocação científica, a descoberta.

De todo modo, os pesquisadores partimos de hipóteses, su(b)posições e chegamos a constatações sempre parciais e pessoais, o que não retira o acerto de algumas proposições formuladas. Em minha pesquisa, formulei a hipótese central em torno de uma constatação: a transitoriedade da jurisprudência, ou melhor, a velocidade das mudanças dos modelos decisórios em matéria de abuso de poder (político, econômico e de mídia). Limitei meu universo a esse aspecto da jurisdição, embora tenha também examinado um caso que considerei exemplar, a verticalização, que não envolve a questão do abuso de poder, mas afetou muito o jogo então em andamento.

Não fiz juizos de valor, ou crítica dos resultados decisórios (são coisa julgada). Formulei minha hipótese no campo metodológico.

Para finalizar esse post e tentar explicar melhor a hipótese, vai aí um trecho da introdução:

(...)

É de Bobbio a lembrança de que “só o poder pode criar o direito, mas só o direito pode limitar o poder”.

Não é o Judiciário que, na origem, instaura a regra do jogo democrático, mas é dele a tarefa de garantir o seu cumprimento. Mas, se cabe principalmente ao Supremo Tribunal Federal zelar pela integridade da Constituição em face do exercício do poder político (governamental e parlamentar), nos “intervalos” da governança, quando a disputa política se transfere para o tumultuado e agressivo campo da competição eleitoral, cumpre à Justiça Eleitoral e, especialmente, ao Tribunal Superior Eleitoral a tarefa democrática do controle jurídico do poder.

Esse é o foco do presente trabalho, em que se pretendeu realizar um exame analítico do comportamento decisório da jurisprudência em matéria eleitoral, partindo, com Mauro Cappelletti, da premissa de que:

“(...) tanto em face do Big Business quanto do Big Government, apenas um Big Judiciary pode se erigir como guardião adequado e contrapeso eficaz. (...) se a concepção da jurisdição como função meramente declarativa, passiva e mecânica é fictícia e sempre frágil, ainda mais evidentemente frágil e fictícia resultará quando um ‘grande judiciário’ estiver empenhado na tarefa de composição de controvérsias de tal amplitude. O caráter criativo, dinâmico e ativo de um processo jurisdicional, cujos efeitos devem, por definição, ultrapassar em muito às partes fisicamente presentes em juízo, não pode deixar de aparecer com grande proeminência."

(sem grifos no original)

Este estudo da jurisprudência do TSE pretende mostrar, pois, que essas características (criatividade, ativismo e dinamismo) podem ser sobejamente reconhecidas pelo exame analítico de sua evolução nas duas últimas décadas. Se isso é bom ou ruim, correto ou não, aqui não se teve a intenção de indagar, muito menos de oferecer qualquer resposta crítica, o que somente poderia ter sido feito a partir de parâmetros filosóficos que não estão sequer esboçados adequadamente nos capítulos que se seguem. Contentou-se o trabalho em procurar apenas mostrar a ocorrência do fato, na tentativa de delineamento dos contornos desse comportamento decisório em matéria eleitoral.


Não obstante, pretende-se sustentar que o método ou estilo dessa jurisprudência eleitoral, pelo menos considerada a sua transitoriedade, é algo mais próximo do pensamento conhecido como tópica jurídica, teoria formulada por Theodor Viehweg a partir de matrizes aristotélicas.

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