Citações
Subdesenvolvimento partidário:
O sistema partidário brasileiro que se reorganizou com o retorno à democracia tem sido objeto de avaliações conflitantes por parte dos cientistas políticos brasileiros. "Em perspectiva comparada, o Brasil é um caso notório de subdesenvolvimento partidário", diriam Bolívar Lamounier e Rachel Meneguello (1986, p. 9), opinião que é compartilhada, quase nos mesmos termos, por Scott Mainwaring: "O Brasil pode ser um caso único de subdesenvolvimento partidário no mundo" (1995, p. 354). As opiniões mais críticas sobre os partidos brasileiros, além dos autores e obras mencionadas, encontram-se em ordem cronológica decrescente, em Ames (2001); Mainwaring e Liñan (1998); Samuels (1998); Hagopian (1996); Mainwaring e Scully (1994); Lima Jr. (1993b); e Kinzo (1993). Entre os trabalhos que levam a uma visão menos negativa dos partidos brasileiros, cf.: Nicolau (2000); Figueiredo e Limongi (1999); Coelho (1999); Singer (1999); Schmitt (1998 e 1999); Tavares e Moya (1997); Nicolau (1996); e Figueiredo e Limongi (1994). Em alguns autores da "ala crítica", creio ter notado, nos últimos escritos, uma avaliação menos negativa dos partidos brasileiros. Por exemplo, Meneguello (1998) e Mainwaring, Meneguello e Power (2000).
Ao trabalhar com esta noção de continuidade e ruptura, LAMOUNIER e MENEGUELLO (1986), analisam a história político-partidária brasileira e afirmam que a descontinuidade das organizações partidárias seria uma das principais causas do subdesenvolvimento partidário."Em perspectiva comparada, o Brasil é um caso notório de subdesenvolvimento partidário. Se partirmos do pressuposto de que partidos fortes e bem enraizados na sociedade são indispensáveis à consolidação democrática, nossa discussão deve centrar-se desde o início nessa longa história de descontinuidade e debilidade. A perspectiva comparada torna evidente a descontinuidade das formações partidárias de um período a outro. "(LAMOUNIER e MENEGUELLO, 1986, p. 9)
Não está em questão aqui a afirmação de que para uma maior consolidação partidária é necessário que os partidos tenham tempo para se estruturarem. Esta é justamente uma das principais conclusões que serão encontradas no próximo capítulo a partir do exame do contexto de fundação e do desenvolvimento de ARENA e MDB, enfatizando-se a necessidade de tempo para que estas organizações pudessem ter algum grau de coerência, apesar do elevado grau de artificialidade quando da sua fundação. De acordo com MAINWARING e SCULLY (1994), a estabilidade da competição político-partidária constitui-se em um dos principais aspectos quando se analisa a institucionalização de um sistema partidário. Como conseqüência lógica, para se analisar o grau de institucionalização de um sistema partidário faz-se necessário um acúmulo mínimo de eleições, isto é, um conjunto mínimo de eventos em que estes novos partidos possam competir entre si.
O caso brasileiro, comparativamente, ainda oferece um conjunto limitado de eleições. No entanto, pode-se identificar que aspectos como a alta volatilidade eleitoral (entre 1986 e 1994) e, principalmente, a alta ocorrência de migração partidária constituem-se, talvez, nos principais obstáculos ao fortalecimento das estruturas partidárias. Ora, a hipótese de que a imposição e o funcionamento de um sistema bipartidário que se utilizava do mecanismo da sublegenda para acomodar diversas “famílias políticas” (isto é, grupos rivais em eleições locais e estaduais) sob a capa de uma mesma legenda por mais de uma década teve conseqüências que vão além do período bipartidário e da extinção da ARENA e do MDB é algo significativamente plausível e será testada ao longo do presente estudo. O que se está questionando na bibliografia especializada é o fato de que ao se tomar como dada a dimensão da descontinuidade entre os períodos bi e multipartidário, qualquer análise se torna incapaz de identificar no atual sistema partidário a influência da tradição e da dinâmica político-partidária brasileira (laços de rivalidade e lealdade políticas) anterior à instauração do multipartidarismo atual, bem como os reflexos que esta engenharia institucional criada pelo regime militar teve na configuração do atual multipartidarismo brasileiro.
Um exemplo que demonstra a relevância de se trabalhar com a dimensão de continuidade constitui-se no fato de que (como se verá nos capítulos seguintes) ao longo dos primeiros vinte anos do atual multipartidarismo uma parcela significativa dos principais quadros partidários no Brasil desenvolveu carreiras políticas ou até mesmo teve sua iniciação política ou na ARENA ou no MDB, apesar dos constantes índices de renovação na Câmara dos Deputados (MARENCO DOS SANTOS, 2003a e MELO, 2002 e 2004). Por outro lado, uma das principais conclusões de FIGUEIREDO e LIMONGI (1999) constitui-se na identificação da importância das lideranças partidárias tanto na definição da agenda legislativa como no processo de tomada de decisão dos deputados federais e também nos níveis de disciplina partidária em plenário. Como será visto no capítulo III, ao se analisar os padrões de carreira política destas lideranças identifica-se que a grande maioria é remanescente ou da ARENA ou do MDB. O fato dos remanescentes ocuparem desde o retorno do multipartidarismo postos-chave seja na Câmara dos Deputados seja no interior de suas respectivas bancadas indica claramente que o “novo” período democrático, bem como a grande maioria dos “novos” partidos políticos surgidos desde 1979 não são tão novos assim.
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