O teatro do absurdo, por Ricardo Noblat
A Companhia de Espetáculos do Senado Federal encena amanhã na pequena sala do Conselho de Ética o último ato da farsa escrita, dirigida e estrelada por Renan Calheiros. O elenco é medíocre. O desfecho, mais do que previsível. Mas pouco importa para o autor a opinião do distinto público. O que ele mais deseja é abandonar o centro do palco e sair de férias.
É dura a vida de artista. Despreze o risco de o Conselho de Ética se desmoralizar caso arquive o pedido de abertura de processo contra Renan por quebra de decoro parlamentar. Foi suficiente o que ocorreu na matinê da última sexta-feira. Imagine a cena: no papel de réu, Renan convoca ao seu gabinete de presidente do Senado alguns dos colegas escalados para julgá-lo dali a instantes. Na seqüência, visita outros em seus próprios gabinetes.
É dura a vida de artista. Despreze o risco de o Conselho de Ética se desmoralizar caso arquive o pedido de abertura de processo contra Renan por quebra de decoro parlamentar. Foi suficiente o que ocorreu na matinê da última sexta-feira. Imagine a cena: no papel de réu, Renan convoca ao seu gabinete de presidente do Senado alguns dos colegas escalados para julgá-lo dali a instantes. Na seqüência, visita outros em seus próprios gabinetes.
"Quero que vença a verdade", proclama. Que verdade? A dele, é claro. Renan manda que o presidente do Conselho Sibá Machado (PT-AC) agende uma reunião com os senadores Jefferson Peres (PDT-AM) e Demóstenes Torres (DEM-GO). Os dois recusam o convite. Pegaria mal.
A quem se dispõe a ouvi-lo, apresenta novos documentos de defesa com o cuidado de evitar que eles caiam em mãos inimigas. E outra vez mistura o privado com o público atacando a honra da jornalista Mônica Veloso, mãe de sua filha mais recente. Insinua que ela o chantageia.
Cena seguinte. Sala do Conselho de Ética. Moleque de recados de Renan, Sibá declara aberta a sessão do Conselho. Todos ali ainda estão sob o impacto da denúncia feita na véspera pelo Jornal Nacional.
Segundo ela, Renan tem menos bois do que disse que tinha. Há empresas fantasmas na lista dos compradores de bois de Renan. E há outras sem renda o bastante para comprar o que Renan informa que lhes vendeu.
Por telefone, ele orienta aliados sobre a maneira mais eficiente de rebater as acusações. Seu porta-voz oficial é Romero Jucá (PMDB-RO), líder do governo no Senado. O advogado de Renan está sentado a poucos metros de Jucá.
Embora defenda o adiamento da decisão a respeito da abertura de processo contra Renan, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) se apressa em dizer que acredita na inocência dele.
Líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM) revela sem o menor cerimônia que “torce” pela inocência de Renan. A essa altura, o autor da farsa calcula que falta pouco para que o pano caia em definitivo, conforme prevê o script.
Mas aí percebe que dois personagens ameaçam reescrever os seus papéis: Eduardo Suplicy (PT-SP) e Renato Casagrande (PSB-ES). Com o voto dos dois, Renan enterraria o pedido de abertura do processo. Sem o voto, prevaleceria a vontade dos senadores dispostos a investigar a contabilidade de Renan e suas relações com Cláudio Gontijo, o lobista da construtora Mendes Junior que pagou despesas de Mônica.
Para ganhar tempo e recuperar a maioria dos votos, é preciso, pois, acrescentar mais um ato à farsa. Então Renan instrui Jucá a dizer que ele aceita o adiamento da decisão mediante duas condições. Primeira: a de que Gontijo, seu amigo há 20 anos, seja ouvido pelo Conselho. Generoso, concede que se ouça o advogado de Mônica – ela, não. Segunda condição: que a perícia dos documentos de defesa se limite a conferir se eles são verdadeiros. A maioria dos documentos carrega a assinatura de Renan.
- A perícia será meramente contábil - adverte Jucá. O subserviente presidente do Conselho faz que "sim" com a cabeça.
Há outro momento da encenação que foge ao script. É quando Epitácio Cafeteira (PTB-MA), relator do pedido de abertura de processo, discorda da decisão do Conselho de adiar a votação do seu parecer. Obediente ao senador José Sarney (PMDB-AP), Cafeteira foi um relator indigente. Não ouviu testemunhas. Não fez diligências. Não requisitou informações. Seu parecer absolve Renan.
- Vou embora para casa - avisa Cafeteira. “Ponham a senadora Ideli Salvati no meu lugar. Foi ela que me indicou”. Ideli é a líder do PT.
Tensão. Nervosismo. Figurantes saem das sombras e tentam brilhar sob a luz forte dos holofotes. Se Cafeteira renuncia à relatoria, a peça terá que recomeçar. E o calvário de Renan se estenderá para além do suportável por ele. Fora do palco, está em curso a ação até aqui mais espantosa da farsa: o réu (Renan) telefona para a mulher de um dos juízes (Cafeteira) e implora sua ajuda para que o marido não desista de julgá-lo. Sim, foi isso mesmo que escrevi. O réu escolhe seu principal juiz. Nada demais. A nomeação de Cafeteira para relator foi submetida antes ao crivo de Renan - assim como a designação de Sibá para a presidência do Conselho. A ação de bastidor repercute no palco. Cafeteira atende o celular, ouve comovido o apelo da mulher e anuncia do alto dos seus 80 anos de idade:
- Eu fico. Mas não mudarei uma vírgula do meu parecer. E não me interessa essa história de perícia. Uma sensação de alívio contamina a maioria dos senadores. Renan celebra em seu gabinete o recuo de Cafeteira.
Cai o pano rapidamente.
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