segunda-feira, 2 de julho de 2007

Nu e cru

Roriz nu e cru


Joaquim Roriz foi governador do Distrito Federal quatro vezes. Já no primeiro mandato (1988-1990), exercido por nomeação do Presidente José Sarney, começou uma política de distribuição de lotes em terras públicas, prometendo remover as favelas em torno de Brasília. Os assentamentos, que ainda hoje carecem de infra-estrutura, garantiram-lhe os votos para a histórica eleição de 1990, quando pela primeira vez se elegeu pelo voto direto um mandatário no Distrito Federal. A vitória de Roriz foi incontestável: maioria absoluta em primeiro turno.

No segundo mandato (1990-1994), a distribuição de lotes e a promessa de construção do metrô representaram a esperança de casa e a perspectiva de emprego para as populações pobres. Trabalhadores com famílias inteiras migraram de zonas carentes do Brasil para Brasília, seduzidos pela possibilidade de uma colocação nas novas obras de urbanização.

Durante o terceiro (1998-2002) e quarto (2002-2004) mandatos, Roriz conquistou um eleitorado seguro com sua política populista sem se importar com o inchaço populacional da capital, muito menos pelo seu visível desordenamento urbano. Ao invés de erradicar, Roriz incentivou e disseminou a favelização em Brasília.

Nos quatro mandatos, foram muitas as denúncias contra o governo de Roriz, a maior parte delas afetando justamente os mais necessitados, como os desvios de verba do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o superfaturamento da merenda escolar. Em diferentes processos, Roriz foi acusado de crimes contra a fé pública, improbidade administrativa, falsidade ideológica e até de racismo. Nada disso afastou seu eleitorado fiel que, ainda encantado pela imagem de ‘pai dos pobres’, editada por uma assessoria esperta e divulgada por uma mídia manipulada, conseguiu que Roriz fosse eleito para o Senado Federal em 2006.

No entanto, não foram necessários quatros mandatos na cadeira de senador para que Roriz mostrasse a todo o país o que os eleitores mais politizados do Distrito Federal já tinham percebido. Bastaram quatro meses. Atendendo a orientação de assessores que temiam por sua fragilidade vernacular e sua debilidade de raciocínio, Roriz silenciou durante seis dias após ter sido acusado de participar da partilha de um cheque de R$2,2 milhões, do Banco do Brasil, descontado no Banco de Brasília com a interferência do então presidente da instituição, Tarcísio Franklim de Moura.

Reaparecendo, Roriz fez, sobre os tapetes aveludados do Senado, o mesmo discurso messiânico que fazia nos grotões empoeirados da periferia do Distrito Federal, onde dominava as platéias com sua enganosa empatia. Não desconfiou que havia uma funda diferença na audiência. Com tom gaguejante e forçado, evocou santos e deuses em vão, negando explicações e camuflando a questão política ao assumir seu estudado tom religioso. Desnorteado, confundiu tribuna com púlpito. Era impossível crer no senador. Roriz queria que sua palavra de pastor fosse acreditada, suas lágrimas consagradas e perdoados seus insultos à gramática.

Um senador da República, pego e gravado em flagrante delito, não pode se esconder do país. Precisa sair de seu nobre refúgio, revelar-se e explicar-se. Mas o pregador que enganou em Brasília não consegue iludir o Brasil. Desta vez, o homem e o estilo se mostraram à Nação brasileira pelas câmeras de TV. Agora, sem manipulação, sem artifício. O Brasil viu e ouviu Roriz, nu e cru. Roriz concedeu a si próprio uma extrema-unção. Sem choro, nem vela.

Maria Jandyra Cavalcanti Cunha, lingüista, é pesquisadora do Núcleo de Estudos em Mídia e Política da Universidade de Brasília.

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