quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O longo prazo a curto prazo

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Há toda diferença entre um projeto que paira sobre o mundo e um que intervém. Não há futuro viável que não se possa prefigurar já.

MODELO DE desenvolvimento baseado em ampliação de oportunidades econômicas e educativas, para dar braços e asas ao dinamismo frustrado dos brasileiros - é isso o que mais quer a nação. Para construir esse modelo, é preciso formular plano de longo prazo e traduzi-lo em iniciativas tangíveis e prontas: primeiras prestações de outro futuro. É preciso tratar do longo prazo a curto prazo. Desse entendimento resultou a decisão de organizar o trabalho inicial de minha pasta em torno de quatro grandes temas: oportunidade econômica, oportunidade educativa, Amazônia e defesa. Para cada um deles, formulamos, em colaboração com os ministros das respectivas áreas e com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ações que encarnem e antecipem novo modelo de desenvolvimento. Idéias, quando reforçadas por uma lógica de co-autoria dentro do governo e da sociedade, constituem o primeiro requisito para mudar o país. Uma das iniciativas de oportunidade econômica é política industrial e agrícola voltada para as pequenas empresas e os empreendimentos emergentes que constituem a maior força de nossa economia. Formação de práticas e de quadros, ampliação do crédito ao pequeno produtor e transferência de tecnologia são as diretrizes. Outra iniciativa se destina a refazer nosso modelo institucional de relações entre o trabalho e o capital. O Brasil está ameaçado de ficar espremido no mundo entre economias de trabalho barato e economias de produtividade alta. Precisamos escapar dessa prensa pelo lado alto, o da valorização do trabalho e da escalada de produtividade. Não temos futuro como uma China com menos gente. É essa a preocupação que orienta o esforço de construir, com as centrais sindicais e as lideranças do empresariado, um plano para resgatar mais da metade de nossos trabalhadores da informalidade, reverter a queda da participação dos salários na renda nacional e reorganizar o regime sindical. Em matéria de oportunidade educativa, são três os programas a que nos dedicamos, junto com os ministros Fernando Haddad (Educação), Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia) e Gilberto Gil (Cultura).Rede de escolas médias federais que, ao fortalecer o elo fraco de nossa rede escolar, também sirva de instrumento para mudar nosso paradigma pedagógico no rumo de ensino analítico e capacitador. Conjunto de procedimentos para reconciliar a gestão local das escolas pelos Estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade. (A qualidade do ensino que uma criança brasileira recebe não deve depender do acaso do lugar onde ela nasce.) E programa de inclusão digital que organize infovia nacional, fortaleça as capacitações populares de acesso à rede, estimule a produção de conteúdos nacionais e crie estrutura de governança capaz de dar voz à sociedade civil, não só aos governos e às empresas. Na Amazônia, o Brasil pode revelar-se ao Brasil. Zoneamento econômico e ecológico, que tome por pressuposto a resolução das questões fundiárias, é ponto de partida para delinear estratégias econômicas distintas para diferentes partes da Amazônia. Uma estratégia para a Amazônia já desmatada, onde temos chance para deixar de repetir os erros de nossa formação econômica. E outra estratégia para a Amazônia com mata, que assegure que a floresta em pé, porém aproveitada de forma controlada e sustentável, valha mais do que a floresta derrubada. Na defesa, começa esforço vital para nosso futuro. Não há estratégia de desenvolvimento nacional sem estratégia nacional de defesa. A diretriz é reorganizar as Forças Armadas em torno de vanguarda tecnológica e operacional, pautada por cultura de mobilidade e de flexibilidade e baseada em capacitações nacionais. Essas iniciativas são apenas um começo. Não asseguram a reconstrução de nossas instituições, necessária para democratizar o mercado e para aprofundar a democracia. Não nos eximem de formular estratégia de desenvolvimento nacional que seja abrangente e de longo prazo. O objetivo de tal estratégia não é tolher nosso futuro; é, pelo contrário, prover a nação de meios para que ela se possa reconstruir experimentalmente. Há toda diferença, porém, entre projeto que paira sobre o mundo e projeto que intervém no mundo. Não há futuro viável que não se possa prefigurar já. O bom do Brasil tem sido sua vitalidade. O ruim tem sido seu conformismo. Não basta nos rebelarmos contra a falta de justiça se não nos rebelarmos também contra a falta de imaginação. Vitalidade -vibrante, anárquica, quase cega- já temos. Quando a imaginação der olhos à rebeldia, teremos também grandeza.

ROBERTO MANGABEIRA UNGER , 60, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Harvard (licenciado), é ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos e ex-colunista da Folha .Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br <mailto:debates@uol.com.br>

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