Imprevisto racial
Da equipe do Correio
Primeiro pré-candidato negro à presidência dos Estados Unidos com chances de sair vitorioso, o senador Barack Obama sempre evitou conversar ou discursar sobre temas raciais. Foi obrigado a fazê-lo depois que sermões violentos do pastor Jeremiah Wright, de Chicago, uma espécie de mentor espiritual de Obama, caíram na internet. Na terça-feira, o senador democrata comentou as declarações de Wright, que denunciou os EUA como um país racista e fonte do ódio causador dos atentados de 11 de setembro de 2001. Obama rejeitou as opiniões do reverendo, mas admitiu que não poderia ignorar a importância do líder religioso em sua vida. Fez um dos pronunciamentos mais interessantes da política norte-americana nos últimos anos, e espera que tenha sido suficiente para reerguer sua campanha. Uma pesquisa do instituto Gallup, divulgada na quinta-feira, mostra que a ex-primeira-dama Hillary Clinton abriu vantagem sobre Obama depois do escândalo do reverendo Wright. Ela tem 49% das intenções de voto entre os eleitores democratas, contra 42% do senador por Illinois. O temor de que o pré-candidato tenha as mesmas idéias de seu pastor abalou o eleitorado. Em seu discurso de resposta, Obama não se limitou a condenar as frases ditas por Wright, mas lançou uma reflexão profunda sobre os choques raciais nos EUA. Assessores diretos dele admitiram que, entre a equipe de campanha, há muitas dúvidas sobre o impacto do pronunciamento. A preocupação é maior porque o tema não deve sair das manchetes até 4 de abril, quando completam-se 40 anos do assassinato do líder negro Martin Luther King. Ao menos num primeiro momento, as opiniões de Obama — filho de pai queniano e mãe nascida no Kansas — foram bem recebidas. “Não posso renegá-lo (Wright) porque não posso renegar a comunidade negra. Não posso renegá-lo pelo mesmo motivo pelo qual não posso renegar minha avó branca, uma mulher que ajudou a me criar, uma mulher que se sacrificou por mim inúmeras vezes, (...), mas que, em certa ocasião, me confessou ter medo dos homens negros que cruzam seu caminho nas ruas, e que em mais de uma ocasião pronunciou estereótipos raciais ou étnicos que me fizeram estremecer”, afirmou o pré-candidato em seu discurso na Pensilvânia. Suas palavras foram ouvidas por mais de 1,6 milhão de pessoas no YouTube em apenas dois dias, um recorde no site de vídeos (leia a matéria nesta página). “Ele não só enfrentou o assunto, distanciando-se das afirmações do reverendo, mas buscou mudar o foco sobre Wright para uma discussão relativa à raça e seu impacto sobre todos na América”, afirmou Kevin Feeley, presidente do grupo Bellevue Communications, da Filadélfia, ao jornal Los Angeles Times. Outros, no entanto, ainda levantam dúvidas sobre a proximidade de idéias entre Obama e o pastor. “Essa é uma questão de caráter”, disse Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara dos Deputados, à rede de TV Fox News. Para ele, o senador deveria ter confrontado as declarações do líder religioso antes, pois passou a impressão de que “não se importava com elas contanto que não se tornassem públicas”. Em alguns dos vídeos que circulam no YouTube, Wright acusa os EUA de apoiarem “o terrorismo de Estado contra os palestinos e os negros sul-africanos” e, então, “ficarem indignados porque a coisa que fizemos está se voltando contra nós” — numa referência ao 11 de setembro. Em março de 2007, um discurso do pastor durante a cerimônia de lançamento da candidatura de Obama foi cancelado na última hora. A campanha do senador admitiu que a medida foi tomada para evitar controvérsias. Na terça-feira, o pré-candidato explicou sua ligação com o reverendo: “Se eu sabia que ele é ocasionalmente um crítico ferrenho da política doméstica e internacional? Se eu discordo totalmente com muitas de suas posturas políticas? Absolutamente”. Obama freqüenta a Igreja Unida da Trindade de Cristo, metodista. A igreja atrai muitos fiéis num subúrbio de Chicago que tem 95% das população negra. Uma pesquisa divulgada pela Fox (emissora tradicionalmente republicana) mostra, no entanto, que 57% dos norte-americanos não acreditam que o senador compartilha das opiniões de Wright, contra 24%. Na tentativa de superar o terremoto em sua campanha, Obama posou ontem ao lado do governador do Novo México, Bill Richardson. Único governador de origem latina no país, Richardson era candidato à Casa Branca, mas abandonou a corrida em janeiro, com votação pequena, logo depois do caucus de Iowa. Ele descreveu o senador por Illinois como “um líder raro, que pode unir a nação e recuperar a liderança da América no mundo”. O apoio do governador é um golpe contra Hillary, já que ele é amigo do casal Clinton e foi embaixador na ONU durante o governo de Bill.
Correio Braziliense, 22 de março de 2008.
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