quinta-feira, 26 de junho de 2008

Entrevista não é propaganda, porém...

Os abusos serão coibidos caso por caso, ou seja, entrevista pode ser propaganda antecipada, sim, desde que haja abuso de poder. O que é abuso de poder? Depende.

O TSE praticamente acaba de cassar a decisão do TRE paulista que havia multado a editora Abril, a Folha e a deputada Marta Suplicy, pré-candidata à Prefeitura de São Paulo, por propaganda antecipada. Segundo o juiz da propaganda de São Paulo, a exposição de plataforma política na entrevista caracteriza a ilegalidade. Já o TSE alterou sua Resolução sobre a matéria para permitir expressamente o que jurisprudências anteriores já faziam, tratar a imprensa escrita de modo diferente do Rádio e da TV. Estas, concessionárias de serviço público não podem exibir outra propaganda que não o horário eleitoral gratuito, não podem expressar preferências, nem dar tratamento desigual na exposição de candidatos, muito menos antes do período permitido para a propaganda.

A diferença é que a mídia impressa é privada, tem dono, que tem direito de se manifestar livremente, inclusive sobre seus candidatos de preferência.

Hoje, por seis a um, ficou vencido Marcelo Ribeiro, o Tribunal corrigiu sua própria Resolução para declarar que deve prevalecer o direito à informação e que, por isso, as entrevistas aos pré-candidatos podem ocorrer, inclusive com exposição de plataforma política - o que, convenhamos, não deixa de ser propaganda -, mas os abusos serão examinados pela Justiça Eleitoral, que deles tomar conhecimento processual.

O novo artigo (17) traz a seguinte determinação: "Os pré-candidatos e candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros, antes de 6 de julho de 2008, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado, pelas emissoras de rádio e televisão, o dever de conferir tratamento isonômico aos que se encontrarem em situação semelhante". Para evitar "eventuais abusos", no artigo 17, foi incluído o seguinte parágrafo: "eventuais abusos e excessos, assim como as demais formas de uso indevido do meio de comunicação, serão apurados e punidos".

Folha on line

O problema é que não há um conceito jurídico (normativo) para o abuso de poder - o art. 237 fala apenas do abuso em desfavor da liberdade do voto. Há teorias, a doutrina francesa do desvio de poder ou função, por exemplo. Na sua passagem pelo TSE, o Ministro Peluso deixou alguns votos em que apresentou a tese da "fraude à lei" - já abordada aqui n'APonte -, mas ainda não a vi citada nos informativos recentes. É mesmo algo que se avalia dentro de uma enorme espaço interpretativo.

A distância formal entre questão de fato (ser) e questão de direito (dever ser), nesses casos praticamente desaparece, quando os juízes têm que realizar ponderações, no caso de abuso de poder político ou econômico, do tipo: a prática acusada de abusividade teve ou não potencialidade para desequilibrar a disputa e interferir no resultado da eleição. Sem a "potencialidade" demonstrada, não se condena o acusado na jurisdição eleitoral. É preciso sustentar e convencer que houve desequilíbrio das forças em disputa e proveito eleitoral de toda essa situação concreta.
Mas, potencialidade, proveito e equilíbrio também não são conceitos jurídicos objetivos, como prescrição ou competência - muito embora em torno destes também haja suficiente argumentação. São na verdade lugares-comuns, tópicos, diria Viehweg. Noções obtidas da experiência comum, quero dizer, não construídas pela ciência jurídica. O padrão de julgamento deixa de ser normativo e passa a ser valorativo, numa palavra, discricionário. Não no sentido de oportuno ou conveniente - essa é uma lógica administrativa e política que não deveria se misturar em julgamentos - mas que a disponibilidade argumentativa em torno de valores é muito maior do que ao redor de enunciados mais objetivos, isso não se pode negar.

O Ministro Eros Grau disse isso tudo muito bem, a propósito, mutatis mutandis, da utilização dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade nos julgamentos:

"Isso tudo é apenas o novo apelido da velha eqüidade."

Será na base da eqüidade que o TSE apreciará os casos de propaganda antecipada na imprensa escrita, como também já havia decidido fazer com a internet. Eu estarei por aqui a observar a utilização dos tópicos eleitorais. Vai ser interessante ver as eleições na Justiça esse ano. Onde será que teremos terceiro turno?

Não abusem!

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