Liturgia do cargo
Por Luis Nassif
Tenho bons amigos juízes. Há alguns anos, alguns deles manifestavam desconforto pelo fato de todos os poderes se manifestarem sobre fatos do país, menos o Judiciário. Havia quase um clamor surdo da corporação para que seus membros se manifestassem. Mas essas manifestações estavam restritas às associações de classe. Alguns juízes mais boquirrotos eram mal-vistos. Em suma, a Justiça sempre foi um poder discreto e reside aí sua diferenciação em relação a outros poderes.
Confira-se o Ministério Público. Durante os anos 90 sua imagem foi comprometida por procuradores falastrões. A própria organização se auto-policiou, passou a olhar com maus olhos esses colegas. Depois disso, o MP ganhou em discrição e, não coincidentemente, em eficiência. Veja se seria possível, antes, uma operação desse calibre, com procuradores que não podiam abrir uma geladeira de noite que saiam a dar declarações, confundindo com câmeras de TV.
Agora é a vez do STF proceder a uma auto-crítica. Há pelo menos dois Ministros que gostam das declarações públicas: Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes. Em muitos momentos, assumiram posições corajosas. Mas se expuseram e, acima de tudo, expuseram o poder que representam por excesso de declarações. A ponto de, hoje em dia, poucos se darem conta de que, até poucos anos atrás, Mello era visto como o Ministro mais inovador do STF, capaz de, com coragem e independência intelectual, ir contra conceitos estratificados. O próprio Gilmar teve desempenho relevante em episódios controvertidos.
Depois, Mello passou pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e desandou a falar. Aliás, repetiu o mesmo processo de antecessores, como Sepúlveda Pertence – que, em uma das eleições, aparecia diariamente no horário destinado ao TSE. É um risco de imagem para o STF sim, como foi tremendo risco de imagem o Ministro Joaquim Barbosa se dispor a estrelar um comercial da revista Veja.
As declarações de ontem, de Gilmar Mendes, embora defensáveis, provocou na opinião pública um choque, como se estivesse defendendo criminosos. Ele defendia princípios. Mas o resultado final foi um desastre, prejudicando ainda a imagem do STF junto à opinião pública. Está na hora do STF redescobrir as virtudes da discrição.
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