quarta-feira, 9 de julho de 2008

Liturgia do cargo

Por Luis Nassif

Tenho bons amigos juízes. Há alguns anos, alguns deles manifestavam desconforto pelo fato de todos os poderes se manifestarem sobre fatos do país, menos o Judiciário. Havia quase um clamor surdo da corporação para que seus membros se manifestassem. Mas essas manifestações estavam restritas às associações de classe. Alguns juízes mais boquirrotos eram mal-vistos. Em suma, a Justiça sempre foi um poder discreto e reside aí sua diferenciação em relação a outros poderes.

Confira-se o Ministério Público. Durante os anos 90 sua imagem foi comprometida por procuradores falastrões. A própria organização se auto-policiou, passou a olhar com maus olhos esses colegas. Depois disso, o MP ganhou em discrição e, não coincidentemente, em eficiência. Veja se seria possível, antes, uma operação desse calibre, com procuradores que não podiam abrir uma geladeira de noite que saiam a dar declarações, confundindo com câmeras de TV.

Agora é a vez do STF proceder a uma auto-crítica. Há pelo menos dois Ministros que gostam das declarações públicas: Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes. Em muitos momentos, assumiram posições corajosas. Mas se expuseram e, acima de tudo, expuseram o poder que representam por excesso de declarações. A ponto de, hoje em dia, poucos se darem conta de que, até poucos anos atrás, Mello era visto como o Ministro mais inovador do STF, capaz de, com coragem e independência intelectual, ir contra conceitos estratificados. O próprio Gilmar teve desempenho relevante em episódios controvertidos.

Depois, Mello passou pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e desandou a falar. Aliás, repetiu o mesmo processo de antecessores, como Sepúlveda Pertence – que, em uma das eleições, aparecia diariamente no horário destinado ao TSE. É um risco de imagem para o STF sim, como foi tremendo risco de imagem o Ministro Joaquim Barbosa se dispor a estrelar um comercial da revista Veja.

As declarações de ontem, de Gilmar Mendes, embora defensáveis, provocou na opinião pública um choque, como se estivesse defendendo criminosos. Ele defendia princípios. Mas o resultado final foi um desastre, prejudicando ainda a imagem do STF junto à opinião pública. Está na hora do STF redescobrir as virtudes da discrição.

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