As escolhas de McCain
Notas sobre o estado atual da campanha americana
Por Idelber Avelar
Os últimos dias da campanha de John McCain foram de um tremendo vai-e-vem: a chapa partiu para ataques a Obama por suposta associação com alguém que foi terrorista quando ele tinha 8 anos de idade, usou apresentadores que se referiam a Barack Hussein Obama, soltou um comercial sinistro sobre o “perigo” Obama e por aí navegou durante três ou quatro dias. Os comícios começaram a fugir do controle, com seus apoiadores chegando a gritar matem-no à menção do nome de Obama. O Serviço Secreto abriu, inclusive, o inaudito precedente de interrogar membros de um comício presidencial por ameaça de assassinato. Com a reação negativa gerada pelo sectarismo, McCain retrocedeu. De uma correligionária que começava um discurso sobre Obama, o “terrorista árabe”, ele chegou a tomar o microfone, meio sem graça ou talvez a contragosto, para dizer que Obama é um homem de família decente com quem tenho algumas divergências. Foi vaiado durante alguns instantes pelo seu próprio público. Ante a menção de um correligionário de que “tinha medo” de Obama, McCain de novo se afastou do clima de ódio que sua própria campanha havia criado, tendo que dizer que Obama não era alguém de quem se deveria ter medo. A contradição é óbvia: toda a campanha de McCain se sustenta sobre a premissa de que há que se ter medo de Obama, de que há algo “desconhecido e perigoso” nele. Caindo essa premissa, a campanha de McCain fica meio desprovida de ângulo de ataque.
Ao lançar essa barragem de ataques, McCain está repetindo incontáveis campanhas republicanas que deram certo, como por exemplo contra John Kerry, em 2004. O problema é que o contexto hoje é outro. Na pior crise econômica das últimas oito décadas, com o sistema financeiro em colapso e milhões de americanos perdendo suas casas e indo para a fila do desemprego, o discurso do medo já não cola como antes. No caso desta campanha, há um problema extra para McCain. Até muito recentemente, ele era visto por boa parte da base do Partido Republicano – cada vez mais reacionária e religiosa nos últimos anos – como um conservador “independente demais”. McCain precisou conquistar essa base. O problema é que o discurso raivoso necessário para mobilizá-la assusta os independentes, justamente os eleitores que McCain precisa conquistar. A oscilação entre baixaria e civilidade na campanha é a expressão desse impasse. McCain não é esquizofrênico nem burro. Simplesmente está numa encruzilhada matemática e política que gera essa gangorra discursiva. A outra alternativa – voltar a discussão para os temas econômicos, que são os que mais interessam aos americanos – seria suicídio para McCain. Nesse quesito, Obama janta-o com ketchup e mostarda. Os fatos hoje não estão do lado de quem sempre defendeu a desregulamentação e a sapiência infinita do mercado.
Na Gallup nacional diária, a vantagem atual de Obama é de sete pontos. Até mesmo no quesito “líder mais forte” -- no qual os candidatos republicanos sempre levam vantagem – Obama lidera as pesquisas com 54% contra 40% de McCain. Deve ser uma estatística inédita numa corrida presidencial americana. Para piorar, uma das três pessoas que McCain citou como as mais "sábias" do país (e de quem ele dependeria para conselhos) comparou-o a um dos maiores racistas dos tempos modernos. A cereja do bolo é o relatório da comissão -- de maioria republicana -- que investigou a perseguição de Sarah Palin ao seu ex-cunhado, policial no Alaska, o chamado “Troopergate”: o veredito unânime foi de abuso de poder. Trata-se de uma história que a campanha de Obama certamente não vai explorar, não por magnanimidade, mas porque não interessa a Obama atacar Palin agora. Ela já é cachorro morto (aliás, gostaria de convidar a que se manifestassem nesta caixa os leitores que vieram me falar da “jogada de mestre” que teria sido a escolha da Vice de McCain).
Piores que os números da Gallup nacional são os números dos estados decisivos. No Colorado, estado tradicionalmente republicano, Obama abriu dez pontos. No Novo México, que Bush venceu em 2004, a diferença atual em favor de Obama oscila entre oito e onze pontos. Na vermelhíssima Carolina do Norte onde, no começo, até setores do Partido Democrata não acreditavam na possibilidade de vitória, Obama lidera por seis pontos. A Pensilvânia, que a campanha de McCain tinha esperança de trazer para a coluna republicana, já está merecendo abandonar a condição de swing state. Se excetuarmos uma pesquisa de setembro conduzida pela desmoralizada Zogby, não há uma única enquete que tenha dado McCain na frente durante toda a campanha. A vantagem atual de Obama oscila entre doze (pdf) e quinze pontos.
Está decidida a parada? Não. Há um exemplo anterior de um candidato que saiu de desvantagem comparável e venceu: Reagan contra Carter, em 1980. Na quarta-feira, McCain terá a última chance de reagir através de um debate. Ele andou prometendo “dar uma surra" em Obama (whip, literalmente, “chicotear”) no próximo encontro cara-a-cara. Se não o fizer de forma bem convincente, ficará dependendo de um acontecimento fora do ordinário para ter chances de virar o jogo. Afinal de contas, erros graves, na campanha de Obama, não vêm ocorrendo em grande profusão.
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