sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Terceiro turno em São Paulo

CONRADO CORSALETTE da Folha de S.Paulo

A campanha de Marta Suplicy (PT) entrou ontem com uma representação na Justiça eleitoral na qual pede a cassação da candidatura reeleitoral de Gilberto Kassab (DEM), seu adversário no segundo turno da sucessão em São Paulo. O comitê petista acusa o prefeito de usar a máquina municipal em benefício próprio durante evento anteontem no qual anunciou um investimento da prefeitura de R$ 198 milhões nas obras do Metrô. Kassab posou ao lado do governador José Serra (PSDB), seu padrinho político, segurando um grande cheque simbólico com o valor do investimento. Ontem, o site oficial da campanha do candidato do DEM estampava em sua capa uma foto registrando o evento público. A solenidade teve clima de comício e foi organizada pela MPM, uma agência de publicidade contratada pelo Metrô. Segundo o advogado da campanha petista, Hélio Silveira, só a confecção e exibição do cheque simbólico já fere a Lei Eleitoral, que proíbe "propaganda institucional" durante o período de campanha. "Foi um ato político feito para que a equipe de Kassab divulgue no horário de TV, tudo pago com dinheiro público", afirmou o advogado. Além da cassação do registro da candidatura, a campanha de Marta pede a punição de Kassab e do presidente do Metrô, José Jorge Fagali, com multa. A campanha do prefeito diz desconhecer o teor da representação, mas ressalta que "estranhou" a iniciativa: "O evento público aconteceu de forma absolutamente apropriada e foi testemunhado por toda a imprensa. É mais uma tentativa da campanha do PT de, no desespero com o resultado das pesquisas, tentar ganhar a disputa no tapetão".

Comentário: É pode ser que o Kassab tenha razão sobre as pesquisas, mas acho que o ato público de doar o "checão" para as obras no metrô de São Paulo pode sim caracterizar uma das diversas condutas vedadas pelo art. 73 da Lei das Eleições. Esse artigo é um sub-sistema punitivo do abuso de poder político, o popular "uso da máquina", em benefício de candidato. Vejamos. Em primeiro lugar não se trata de inauguração de obra (vedação do art. 77), nem se trata de repasse proibido de verbas (transferência voluntária de recursos públicos) porque a lei só proíbe esse repasse quando ele é feito de cima pra baixo, ou seja, da União para os demais entes, e dos Estados para os Municípios. No caso, o "checão" foi doado pelo Município ao Estado de São Paulo. Certo, mas há a alegação da campanha petista de que o ato é alcançado pela vedação da alínea "b" do inciso VI do art. 73 da Lei das Eleições:

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

Claro que o candidato acusado vai alegar que aquele ato não configura "publicidade institucional", mas um simples ato público, divulgado pela imprensa, de bom relacionamento entre os poderes estadual e municipal para o bem comum, sem impacto eleitoral algum... Pela letra fria da lei eleitoral, acho até que haveria como afastar a ilicitude. Mas, tem um porém. O sistema das condutas vedadas não é a única forma jurídica de coibir o abuso de poder. É que o abuso de poder tem uma definição bastante genérica na legislação eleitoral, o que permite a construção argumentativa dos casos em níveis muito elevados. Por isso, o ato considerado ilícito tanto pode caracterizar apenas uma conduta vedada, quanto abuso de poder político, tal como descrito no art. 22 da Lei das Inelegibilidades (LC 64/90):

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...)


A condenação pela prática gera, no mínimo, perda de registro ou diploma, mas pode também acarretar decretação de inelegibilidade por três anos. É isso, parece que, além de Recife e, talvez, Rio, teremos terceiro turno em São Paulo.

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