Flávio Dino justifica a "janela"
AO CONTRÁRIO do que afirmou editorial desta Folha ("Resposta mesquinha", 14/11), a "janela" criada em projeto de minha autoria para permitir a políticos trocar de partido em algumas situações não é reação corporativa e oportunista à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre fidelidade partidária.
Apresentei uma proposta de instituição da fidelidade, com certa flexibilidade, em fevereiro de 2007, antes mesmo da primeira decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema.
Agora, é urgente que o Congresso Nacional exerça sua competência, pondo fim à anomalia de uma resolução, ato hierarquicamente inferior, regular assunto tão relevante.
O projeto da minha autoria cuida de preencher essa lacuna, dispondo sobre todo o procedimento para a perda dos mandatos, bem como sobre as exceções ao regime de fidelidade.
Essas exceções são admitidas por todas as decisões do Judiciário acerca da temática, já que, no direito, a única regra sem exceção é a que dita que toda regra tem exceção. Um exemplo extremo: matar alguém é crime, mas não quando em legítima defesa. É exatamente essa a idéia da "janela" -uma espécie de legítima defesa do sistema representativo. Explico.
Não temos no Brasil um sistema de lista fechada, na qual o eleitor vota em um partido. Temos um sistema de voto nominal, com lista aberta. Os eleitores são chamados a votar em pessoas e, apenas indiretamente, em um partido. Isso gera como conseqüência uma dupla fidelidade dos eleitos, isto é, ao seu partido e também aos eleitores.
Imaginemos um deputado eleito em uma região agrícola. Contudo, o seu partido sistematicamente determina que tal parlamentar vote contra os interesses dos produtores rurais.
Pela nossa proposta, ele deverá cumprir a orientação partidária. No entanto, terá a chance de, ao final do mandato, sair da agremiação que lhe impediu de bem exercer as suas tarefas representativas.
Como a "janela" apenas se abrirá uma vez, imediatamente antes da eleição seguinte, nesse caso caberá à sociedade julgar a conduta do hipotético deputado. Afinal, somente uma concepção aristocrática pode sustentar que os supremos julgadores dos políticos devem ser sempre os juízes, e não o povo.
Tivemos o cuidado de estabelecer essa "janela" exclusivamente no final dos mandatos justamente para evitar o troca-troca fisiológico, o qual ocorre logo após as eleições -como as estatísticas comprovam. Isso continuará proibido. Porém, precisamos abandonar a idéia de que toda mudança partidária é fisiológica.
Partidos importantes, como o ex-PFL (hoje DEM), surgiram exatamente de atos de "infidelidade". No caso do PFL-DEM, foram parlamentares que "traíram" o PDS em nome da transição democrática para eleger Tancredo Neves, do PMDB.
Aliás, é curioso que sejam justamente os filhos da infidelidade que queiram agora ser os pais da fidelidade absoluta, invocando um discurso moralista que, em verdade, esconde uma dura luta pela sobrevivência contra partidos do mesmo campo político (o centro e a direita).
A fidelidade partidária absoluta é uma tentativa de congelar o futuro, como se isso fosse possível.Não podemos imaginar um sistema partidário inglês sem que sejamos a Inglaterra. Aqui, sucessivas rupturas institucionais impediram a formação de partidos sólidos e enraizados. É preciso fortalecer os partidos brasileiros, mas compreendendo que se trata de um processo político, não de uma "canetada".
O Poder Judiciário acertou ao decidir a favor da fidelidade. Cabe agora ao Congresso Nacional estabelecer regras claras e que sejam balizadas pela autonomia da política e dos fatos que lhes são próprios.
Temos um sistema partidário em construção e em busca de legitimação perante os cidadãos. A fidelidade absoluta e incondicional poderá levar os representantes a se distanciarem ainda mais dos representados, sem a possibilidade de reaproximação que a "janela" propicia.
Ou seja, substituiremos o lamentável troca-troca de partidos por algo igual ou pior: a oligarquização do sistema político, com cúpulas partidárias com poder de vida e morte sobre os eleitos -e para todo o sempre.
É preciso avançar, mas na direção correta e sem darmos passos maiores do que as nossas pernas. Fidelidade partidária com bom senso. Essa é a nossa tese.
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FLÁVIO DINO, 40, deputado federal (PC do B-MA), é vice-líder do seu partido. Foi presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).
Folha de São Paulo, 21 de nov. 2008.
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