terça-feira, 20 de março de 2007

Os partidos políticos III

A trajetória instável dos sitemas partidários brasileiros obedeceu na realidade a três formatos, ligados a etapas bem definidas na história do país:o regime monárquico, a descentralização fomentada pelo regime republicano e a posterior nacionalização do processo político-partidário, que se desdobrou no quadro atual.

Otávio Soares Dulci

Durante o Império, praticamos o bipartidarismo nacional (liberais e conservadores). Ambos monarquistas.

Há uma passagem no livro de Jairo Nicolau, História do Voto no Brasil, em que ele registra as estatísticas eleitorais do período imperial logo depois de duas das várias reformas. Reparem que curioso. Este é o resultado da primeira reforma, em 1850 (pp. 18-19):

"Os resultados das duas eleições realizadas nessa época não deixam dúvidas: na legislatura de 1849-52, 99% dos deputados eram conservadores, enquanto na seguinte (1853-56), todos os deputados eram conservadores."

Neste outro trecho (p. 21):

"Duas legislaturas foram eleitas por esse sitema: 1876-78 e 1878-81. Na primeira, os liberais elegeram 13% dos representantes, mas na seguinte voltou-se à unanimidade: todos os deputados eleitos eram do mesmo partido (Liberal)."


Nosso bipartidarismo do período imperial não chegava a assustar o poder moderador, e com a chegada da República, é extinto, dando lugar a um novo sistema partidário fortemente marcado pelo federalismo que passamos a adotar.

Foi uma descentralização à brasileira, de país imperial e unitário para república federativa. Não houve aqui a força aglutinadora que gerou a federação norte-americana, sim o contrário. Mas a idéia foi copiada.

Os partidos passaram a ser estaduais. Segundo Dulci, quase todos se chamavam partido republicano, os PRs. Eram controlados, em suas bases locais, por elites rurais de triste memória, os coronéis.

Na era Vargas, o regime dos partidos estaduais iria perdurar ainda depois da revolução de 30, vindo a extinguir-se apenas com a ditadura do Estado-Novo, em 1937, que, de resto, interrompeu a própria trajetória do país rumo à democracia, ainda não experimentada. A resposta fascista de Vargas aos grupos que lhe faziam oposição, organizados na Aliança Nacional Libertadora, uma agremiação política, representa o período mais longo de ausência de eleições na história republicana, 11 anos.

Na abertura de 1945, uma nova forma de organização partidária vem à luz, com a instituição do pluralismo partidário de configuração nacional, sistema que perduraria íntegro até hoje, pelo menos no plano formal, não fosse a ruptura provocada pelo regime militar (extinção dos partidos em 1965 e o retorno do bipartidarismo controlado: Arena e MDB).

Apesar da visível distição entre os três períodos acima indicados, Otávio Dulci afirma que a descontinuidade da vida partidária é apenas parte de uma história que tem se repetido bastante. A cada nova ruptura processa-se uma recomposição de forças no regime vitorioso que sempre guarda um lugar para acomodar as lideranças do regime anterior: os partidos monarquistas acabaram, mas seus membros conseguiram abrigo nas agremiações republicanas; acabou-se o regime dos partidos estaduais, fundaram-se a UDN, o PSD, logo depois convertidos em Arena, que virou PDS, pai do PFL, do PPB, transformado em PP e do PL, agora PR. De outro lado, o MDB, saído das forças de esquerda do período anterior ao golpe de 64, basicamente o PTB, daria lugar, com a abertura, ao PMDB de onde nasceu o PSDB, que agora vive uma crise de identidade perceptível... Outros partidos não seguem essa mesma linha evolutiva. O Partido Comunista Brasileiro (donde PCdoB, PPS, PSB) foi-se incorporando ao jogo político, resistindo muitas vezes na caldestinidade. E o PT (PCO, PSTU e PSol), de bases sindical e universitária, partido que não remonta à velha tradição política de rupturas e reacomodações, mas, que hoje é um partido batizado pelo peso político da tomada e do exercício do poder.

Os partidos estão em crise no Brasil há muito tempo na verdade. Até porque tempo é o que não houve, longo e contínuo de liberdade democrática, tempo nem prática de cidadania necessários para operar coesão política e representatividade suficientes, na história nacional. O tempo em que vivemos será o maior período de estabilidade institucional e democrática jamais experimentado por um brasileiro adulto em toda nossa breve história como civilização.

Em crise, mas vivos, estão os partidos. E, apesar da desconfiança, são eles que abrigam os candidatos, segundo a lei brasileira, mesmo que essa personalização do voto contrarie e, às vezes, inverta a sentença normativa. Partidos com proprietários, partidos de aluguel, etc. Os partidos brasileiros precisam melhorar a sua legitimação social. Seria muito mais sadio para a vida nacional se não fossem vistos pela população apenas como legenda para individualidades e desonestos poderosos. Partem agora para a reforma política, que deverá ser basicamente uma reforma partidária, ou, na melhor das hipóteses, o aprimoramento da fórmula de representação da soberania popular. Aliás, reforma essa que, ou se faz durante este ano, ou não se faz mais, pois 2008 já será ano eleitoral e, depois dessa primeira rodada de disputas, o Governo entrará em rota de campanha presidencial para a sucessão de Lula e aí concordam (ou apostam) os analistas que não haverá mais clima para reformas no processo eleitoral que, afinal, colocou a todos os reformadores no poder.

Ah, é sempre bom lembrar que existe o art. 16, da Constituição: reforma eleitoral só pode ser feita com antecedência de um ano das eleições.

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