Sobre os dilemas da Justiça Eleitoral II
Sempre que julga um processo cujo desfecho pode resultar na cassação do registro de candidato ou do diploma de candidato eleito, a Justiça Eleitoral encara seu dilema mais profundo. De um lado a vontade popular manifestada nas urnas (eletrônicas), de outro as alegações de prática de ilícitos eleitorais que podem ter provocado desequilíbrio na disputa.
Como em toda situação dilemática, o mais prudente é não abraçar nem uma coisa nem outra acriticamente, isto é, claro que a vontade popular é e deve ser vista como soberana, mas como desconsiderar os abusos de poder eventualmente praticados pelos candidatos eleitos? Práticas ilícitas que a legislação pune com a aplicação da sanção jurídica mais severa nesse terreno, o cartão vermelho, a expulsão do jogo eleitoral.
É da própria natureza do direito eleitoral condicionar a eleição de quem se apresente ao povo a pedir votos ao preenchimento de certos requisitos de elegibilidade. Ninguém se assusta quando a Constituição aponta como uma dessas condições a nacionalidade brasileira, ou a idade mínima, ou ainda o alistamento eleitoral. Tais condições em geral são aferidas antes de iniciar-se a campanha, na fase de registro de candidaturas. Mas a legislação eleitoral é mais extensa e prevê uma série de hipóteses em que as práticas de campanha, que acarretem ilicitamente desequilíbrio na disputa, devem receber a sanção de perda do registro ou do diploma do candidato-infrator.
Entre as práticas mais comuns, estão:
- O abuso de poder político;
- O abuso de poder econômico;
- O abuso dos meios de comunicação;
- As condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral
- A captação ilícita de sufrágio (compra de votos)
- A captação irregular de recursos de campanha
As cláusulas constitucionais das condições de elegibilidade, das inelegibilidades, da proteção da liberdade do voto e da igualdade na disputa contra o abuso do poder político e a má e abusiva influência do poder econômico são o núcleo fundamental do Direito Eleitoral.
Inevitável que, com essa farta regulação das condutas que os agentes políticos impuseram a si próprios, as disputas, em alguns momentos, passassem a ser travadas também no processo judicial. Acessada pelos competidores ou pelo Ministério Público, a Justiça Eleitoral acaba por intervir no jogo político, julgando os litígios. Decide sempre pressionada pelo fator tempo e, quando sua decisão é posterior ao resultado do pleito, também recebe o peso da manifestação dos cidadãos que, bem ou mal, fizeram sua escolha pelo sistema mais seguro contra fraudes jamais praticado em nossa história de eleições, o voto eletrônico. Sistema que foi desenvolvido e é administrado pela própria Justiça Eleitoral.
Por outro lado, quando é o próprio Direito (constitucional, complementar e ordinário) que ordena a repressão ao abuso de poder nas práticas eleitorais, promove também uma relativização do postulado talvez mais essencial à idéia de democracia, a soberania popular.
Por isso não me assustam decisões do TSE como a da semana passada que impôs a fidelidade partidária.
O que preocupa é que depois de décadas defendendo o fim do positivismo jurídico, os professores progressistas não tenhamos notado que esse paradigma não é nada mais que um fantasma. Que já foi sucedido por outro, onde predominam os princípios, a hermenêutica teleológica, em suma, o poder decisório dos juízes, que têm na lei um parâmetro entre outros para tomarem suas decisões.
O que está faltando construir agora é uma nova teoria jurídica que permita exercer algum controle racional sobre essa nova forma de julgar, para que não resulte em mero decisionismo a serviço da moral subjetiva de quem tem competência para decidir.
Passada a fase da objetividade dogmática defendida pelo positivismo jurídico, estamos redescobrindo a subjetividade no Direito, mas que não seja esta novidade deturpada pelo voluntarismo dos intérpretes.
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