segunda-feira, 2 de abril de 2007

Sobre os dilemas da Justiça Eleitoral II

Sempre que julga um processo cujo desfecho pode resultar na cassação do registro de candidato ou do diploma de candidato eleito, a Justiça Eleitoral encara seu dilema mais profundo. De um lado a vontade popular manifestada nas urnas (eletrônicas), de outro as alegações de prática de ilícitos eleitorais que podem ter provocado desequilíbrio na disputa.

Como em toda situação dilemática, o mais prudente é não abraçar nem uma coisa nem outra acriticamente, isto é, claro que a vontade popular é e deve ser vista como soberana, mas como desconsiderar os abusos de poder eventualmente praticados pelos candidatos eleitos? Práticas ilícitas que a legislação pune com a aplicação da sanção jurídica mais severa nesse terreno, o cartão vermelho, a expulsão do jogo eleitoral.

É da própria natureza do direito eleitoral condicionar a eleição de quem se apresente ao povo a pedir votos ao preenchimento de certos requisitos de elegibilidade. Ninguém se assusta quando a Constituição aponta como uma dessas condições a nacionalidade brasileira, ou a idade mínima, ou ainda o alistamento eleitoral. Tais condições em geral são aferidas antes de iniciar-se a campanha, na fase de registro de candidaturas. Mas a legislação eleitoral é mais extensa e prevê uma série de hipóteses em que as práticas de campanha, que acarretem ilicitamente desequilíbrio na disputa, devem receber a sanção de perda do registro ou do diploma do candidato-infrator.

Entre as práticas mais comuns, estão:

  • O abuso de poder político;
  • O abuso de poder econômico;
  • O abuso dos meios de comunicação;
  • As condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral
  • A captação ilícita de sufrágio (compra de votos)
  • A captação irregular de recursos de campanha

As cláusulas constitucionais das condições de elegibilidade, das inelegibilidades, da proteção da liberdade do voto e da igualdade na disputa contra o abuso do poder político e a má e abusiva influência do poder econômico são o núcleo fundamental do Direito Eleitoral.

Inevitável que, com essa farta regulação das condutas que os agentes políticos impuseram a si próprios, as disputas, em alguns momentos, passassem a ser travadas também no processo judicial. Acessada pelos competidores ou pelo Ministério Público, a Justiça Eleitoral acaba por intervir no jogo político, julgando os litígios. Decide sempre pressionada pelo fator tempo e, quando sua decisão é posterior ao resultado do pleito, também recebe o peso da manifestação dos cidadãos que, bem ou mal, fizeram sua escolha pelo sistema mais seguro contra fraudes jamais praticado em nossa história de eleições, o voto eletrônico. Sistema que foi desenvolvido e é administrado pela própria Justiça Eleitoral.

Por outro lado, quando é o próprio Direito (constitucional, complementar e ordinário) que ordena a repressão ao abuso de poder nas práticas eleitorais, promove também uma relativização do postulado talvez mais essencial à idéia de democracia, a soberania popular.

Por isso não me assustam decisões do TSE como a da semana passada que impôs a fidelidade partidária.

O que preocupa é que depois de décadas defendendo o fim do positivismo jurídico, os professores progressistas não tenhamos notado que esse paradigma não é nada mais que um fantasma. Que já foi sucedido por outro, onde predominam os princípios, a hermenêutica teleológica, em suma, o poder decisório dos juízes, que têm na lei um parâmetro entre outros para tomarem suas decisões.

O que está faltando construir agora é uma nova teoria jurídica que permita exercer algum controle racional sobre essa nova forma de julgar, para que não resulte em mero decisionismo a serviço da moral subjetiva de quem tem competência para decidir.

Passada a fase da objetividade dogmática defendida pelo positivismo jurídico, estamos redescobrindo a subjetividade no Direito, mas que não seja esta novidade deturpada pelo voluntarismo dos intérpretes.

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