terça-feira, 29 de maio de 2007

Financiamento privado: quem paga a conta é o público

A operação navalha, seus desdobramento e suas antecessoras comprovam a tese. A conta das campanhas eleitorais é paga depois, no exercício dos mandatos, em afronta ao princípio republicano da impessoalidade, entre amigos, ao afago de presentes mimosos e, para o bem da democracia que reclama transparência, por celular.

E não há outra forma de combater essa crônica de um escândalo anunciado senão extinguindo completamente o financiamento privado da política. Não é possível continuar fingindo que os agentes privados que financiam os futuros agentes políticos estejam apenas cumprindo deveres patrióticos, ou reforçando opções ideológicas. Não é e nunca foi crível que tal ocorresse. Mas, foi somente depois do último escândalo (mensalão) que o véu caiu. De repente, todos passaram a abominar o "caixa 2", prática sabidamente executada por todas as agremiações. Tanto era assim que a prática não constituía sequer ilícito eleitoral, até ser tipificada pela Lei 11.300/06 (mini-reforma eleitoral), artigo 30-A, se não me engano.

Pois bem, passou o mensalão, atravessamos outra crise, vieram as eleições e agora a navalha da Polícia Federal nos apresenta Zuleido Veras, sua Gautama e CIA LTDA. O problema é que as companhias de Zuleido foram eleitas pelo povo. Povo que merece mais respeito, que não suporta mais ouvir falar de política, que ignora os partidos, que vai se tornando cada vez menos disposto a manter os vínculos sociais de civilidade, que, pressionado e desalentado, é vencido pela violência e brutaliza-se, fazendo deboche da própria democracia, da presunção da inocência, do devido processo, da isonomia...

A conta do financiamento privado de campanhas eleitorais é muito mais alta do que o caixa 1 e o 2 juntos. Ela é paga, como as evidências não cansam de nos mostrar, na elaboração dos orçamentos do Estado, no dia-a-dia das comissões de licitação, nas repactuações e/ou nas contratações sem licitação. A conta é paga pelo contribuinte, que, no entanto, não fica sabendo, não pode controlar, pois.

Por isso defendo o financiamento público, por mais caro que possa parecer (R$ 7,50 por eleitor, esse parece ser o parâmetro atual). Será muito mais barato para a comunidade, desde que haja a devida fiscalização (PF, MP, TCU, TSE etc) e na expectativa de que as campanhas diminuam seu tamanho. Não será possível haver desequilíbrio econômico entre concorrentes, pois os recursos seriam mais escassos, o pluralismo partidário se encarregará de pulverizá-los. Se uma determinada campanha for desproporcionalmente maior que outra, bastará investigar as contas e provar o dinheiro privado a infiltra-se na política. Nessa situação, a regra já determina a cassação de registro ou do diploma, com sanção de inelegibilidade (art. 237, CE).

E tem mais, o financiamento privado de hoje serve mesmo é para pagar o marketeiro que habilidosamente transforma candidato em sabão em pó, que limpa mais branco. Imagem é tudo! Quero ver o dia em que o bordão político seja outro, quem sabe algo como: Mensagem é tudo!

2 comentários:

Anônimo disse...

Será que apenas o financiamento público de campanhas eleitorais resolve o problema? O problema não parece ser só atribuível a questões eleitorais. Se existe tanta obra e contrato superfaturado é porque, independente da idoneidade e das dívidas do agente político eleito, existem os burocratas, servidores efetivos ou não, que estão por aí, em todas as ramificações da Administração Pública, desde a federal até os municípios mais longínquos, levando o seu por fora, desrespeitando a coisa pública, se vendendo aos empresários gananciosos e corruptores. Não que isso exima a responsabilidade dos políticos. O problema da corrupção é generalizado na nossa sociedade. As campanhas eleitorais são só um pedaço da história. Os eleitores perdoaram o Lula e outros mensaleiros... porque eles não têm sentimentos arraigados e apaixonados pela separação entre o público e o privado, sobre a honestidade, nada disso. Aliás, esses mesmos eleitores vão ser os primeiros a reclamar de ter que pagar por uma campanha, porque eles não conseguem enxergar também que quando pagamos um tributo estamos contribuindo para o Estado e para o bem da coletividade, e se puderem, tentam sonegar, porque afinal o dinheiro vai sempre para o lugar onde não devia. Toda essa noção de Estado, de política, democracia, tudo parecem belas canções de ninar que só apetecem aos nossos juristas, tidos por arrogantes e separados das massas, e quem sabe, os políticos, que precisam se proteger quando são pegos. Os doutos. Os doutores. A nossa cultura cartorial, nossos séculos de colônia e escravidão, um jeitinho só nosso. É triste.

Mauro Noleto disse...

Sou tentado a concordar com tudo que anônimo disse em seu comentário, até com a parte em que chama nossos juristas de arrogantes e separados das massas, sem esquecer da cultura cartorial, colonial etc. Mas, não posso.

Porque isso seria renunciar a uma crença. A crença no Direito, na vida civilizada, na reciprocidade, em tudo que representa a tentativa de organização da liberdade que é o Direito. Além do quê, tratar todos os profissionais ou estudiosos do Direito, os juristas, como pedantes, burocráticos e desonestos não faz justiça a muita gente.

Bem, de todo modo, agradeço pelo comentário anônimo porém cheio de personalidade e convicção. Sobre ele, diria que, sim, o financiamento das campanhas é somente uma parte do problema da corrupção, uma parte e tanto, afinal o investimento feito é para assumir o poder político, o poder decisório, poder que não está ao alcance dos servidores públicos que o anônimo põe sob suspeita, mas que nunca foi tão auditado, sindicado, investigado, pelo controle interno de cada órgão, pelo TCU, pela Polícia Fedreal, pelo Ministério Público, pela imprensa, ufa! Para os servidores públicos já podemos dizer que existe suficiente accountability. Para os agentes políticos começa a se desenhar um cenário mais alentador. Basta olhar a história recentíssima e perceber que, democraticamente, pela via judicial, os agentes políticos, e não apenas os servidores públicos, estão a perder antigas imunidades que a democracia abomina. Os casos de corrupção estão saindo da sombra. Acho que é preciso crer e aprender a viver no Direito. Quem sabe não diminuimos a taxa de improbidade nas relações privadas, familiares, laborais, no trânsito. O Direito é a negação da violência. É a saída para o estado belicoso de natureza. Mas não apenas o Leviatã. O Direito não é apenas a lei, os cartórios, os clichês, embora tenha por essência funções regulatórias mais que evidentes. Tenho certeza que, há 50 anos, mulheres, idosos, consumidores, trabalhadores, homossexuais, eleitores, motoristas etc. eram bem menos emancipados do que hoje, malgrado os desvios morais e as tragédias socioeconômicas que se repetem insistentemente. Mas, não quero crer que a sociedade brasileira esteja destinada a errar tanto e sempre. Sou um otimista trágico, tal como Boaventura de Sousa Santos.