terça-feira, 29 de maio de 2007

Quem é o autor?

Os leitores aqui d'APonte devem ter notado um banner da revista Piauí, com a chamada: eu leio e gosto. Para ilustrar a qualidade dos textos, transcrevo uma parte (inicial) da matéria publicada na revista de abril, cujo título é: Um trabalho de pontos, vírgulas e interrogações. É o diário de uma escritora, ou melhor, de uma ghost-writer, mais precisamente, de alguém que ganha a vida escrevendo monografias, teses e quejandos para seus clientes, alunos de graduação, pós, mestrado e até doutorado. Fenômeno nacional, a compra e venda de textos acadêmicos é um sub-produto da massificação do ensino superior. Depois de ler a matéria, fui tomado de uma enorme simpatia pela escritora fantasma, que, ao seu modo, ganha a vida trabalhando duro e, melhor de tudo, seu trabalho a transformou em estudiosa e amante do conhecimento. Afinal, alguém tinha que aprender alguma coisa!

No começo da carreira, Maria Lopes, paulistana formada em taquigrafia, dizia que seu trabalho consistia apenas em digitar textos, e fazer cartões de visita, em computadores 386. Aos poucos, acrescentou a elaboração de convites, currículos, etiquetas, folhetos, impressões, design de imagens, estampagem em camisetas, transcrições de fitas K-7, apresentações em slides, scanners de fotos, instalação de programas, revisões ortográficas e gramaticais, elaboração de resumos de textos e de livros e traduções. Mais adiante, seu folheto de divulgação foi incrementado com o oferecimento de resenhas de livros, revisão de textos acadêmicos conforme a Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT, ou elaboração total de monografias inéditas, artigos, ou TCC (trabalho de conclusão de curso) de qualquer área. Ela pode até ouvir a voz dos puristas dizendo: Ih, que horror de trabalho! “Entre eles”, acrescenta hoje essa paulista de 53 anos, com dois filhos, “estão muitos dos que levam para casa canetas da empresa e, disfarçadamente, comem umas uvinhas no supermercado. Para todos, digo que entendo meu trabalho como o de uma cozinheira, que recebe encomendas de doces e salgados: entrego o bolo, o cliente paga, leva e, a partir daí, faz o que bem entende com o produto. Pode jogar tudo fora, ou só a cobertura. Pode usar a base e colocar um creme novo e cerejas. Ou pode dizer que foi ele quem fez e promover a maior festança.” Para resguardar a identidade dos clientes, Maria Lopes disfarçou as características deles no seu diário. Os acontecimentos, no entanto, ocorreram conforme o relatado. Para os títulos, escolheu nomes similares aos de alguns trabalhos que fez em épocas anteriores.

(...)

Faço esse tipo de elaboração de trabalho inédito há anos, desde o dia em que descobri que os resumos de livros, pedidos por um mesmo aluno, passo a passo tomavam a aparência de uma monografia de conclusão de curso. Ficou óbvio porque, logo a seguir, ele veio me pedir um paralelo comparativo entre os resumos. Então vi que era melhor assumir de vez meu lado ghost writer. Daí a fazer uma monografia inteira, recebendo apenas o tema do cliente, foi um passo. Comecei a escrever sobre qualquer coisa, de acordo com a demanda do “mercado”. Dormia lendo Philip Kotler, o papa do marketing, e acordava para atacar Freud, almoçava devorando Sócrates e nem acreditava quando me traziam Como se faz uma tese, do Umberto Eco. Esse livro foi tão gostoso de ler que disse à cliente que eu é que deveria estar pagando! Acabei ganhando o livro de presente e o passei para outro cliente que estava precisando. Sempre empresto meus livros, sem custo e de bom grado, para quem precisa... mas foi assim que perdi todos os meus Serpa Lopes! Você, você mesmo que me lê, vê se me devolve, seu ladrão. E, se está com medo de passar carão, então entrega na biblioteca mais próxima como doação, senão invocarei contra você todas as maldições que estão no Tristram Shandy, do Sterne, ouviu? Dessa forma, descobri minha vocação. Vivo feliz trabalhando com o que mais gosto, livros, e até consegui realizar um de meus sonhos: arrumar uma biblioteca. Me senti a própria Guilherme de Baskerville, de O Nome da Rosa, de saias, ainda mais que foi para uma instituição de religiosos franciscanos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei a matéria!!Atuo na mesma área que a 'senhora do tema', e compartilho dos mesmos sentimentos. É maravilhoso ser paga para ler e escrever, seja qual área for...claro que se não tenho 'cacife' para este ou aquele, repasso para 'a rede' de amigos. E a idéia da 'boleira', hahahaha, adorei, é exatamente assim. Se me permite, vou citar seu exemplo (com os devidos créditos é claro). Aproveito para pedir que aos leitores em geral, passem adiante a idéia de que "todo artigo na internet deve ter citação formato ABNT expressa", (igual ao Jus Navigandi e a Wikipédia) não é para facilitar a minha vida, e sim para estimular a cultura de se citar o crédito do autor. Muitos não o fazem, sinceramente, porque não sabem como devem fazer, e modelos e exemplos é a melhor maneira de se educar! Parabéns ao sr. 'blogueiro' Mestre em Direito Mauro Almeida por permitir mostrar o outro lado desta profissão tão discriminada(que é mais antiga do que se imagina...). E desejo muito sucesso a sra. Maria Lopes com o livro...estou até pensando em adquirir um, assim que der...abraços,