A discórdia
A reforma política virou uma espécie de missão impossível para o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia(PT-SP), que tenta encontrar uma resposta para o desgaste dos parlamentares provocado pela crise ética que afeta a vida política nacional. É que sete propostas de mudança na legislação eleitoral e partidária que compõem a reforma não têm consenso entre os partidos, nem mesmo dentro do PT. O partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há duas semanas, tenta chegar a um acordo sobre a reforma e não consegue. Chinaglia pretende iniciar a votação da reforma política na próxima semana, segundo entendimento feito com os líderes partidários, mas em todas as bancadas há uma espécie de rebelião. “A reforma será feita de forma absolutamente democrática, ao longo da próxima semana”, acredita o vice-líder do governo, Henrique Fontana(PT-RS), que articula a reforma com aval do Palácio do Planalto. A idéia é arquivar os projetos já aprovados no Senado, renumerar o projeto de lei do deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO) e iniciar a apresentação de emendas diretamente em plenário, sem passar pela Comissão de Constituição e Justiça.
(...)
Sete propostas compõem a chamada reforma política, na verdade uma reforma
de caráter eleitoral e partidário. Nenhuma delas é consensual:
FINANCIAMENTO PÚBLICO
O financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais
substituiria o sistema atual, que se baseia em doações privadas. Seria criado um
fundo partidário eleitoral, controlado pela Justiça Eleitoral, cujos recursos
seriam distribuídos proporcionalmente aos partidos. Vantagens: todas as despesas
de campanha seriam pagas com cheques do fundo partidário, com plena
transparência, inibindo o abuso de poder econômico, a mercantilização do voto e
clientelismo. Desvantagens: aumento dos gastos públicos e engessamento do quadro
partidário. Dúvidas: o financiamento por si só não garante o barateamento das
campanhas, nem impede a existência de caixa 2.
VOTO EM LISTA
O eleitor deixaria de votar no nome do candidato — a vereador, deputado
estadual ou federal — e passaria a votar no partido. Elegeria uma lista de
candidatos, cujo número seria proporcional à votação de cada legenda. Por
exemplo, se a legenda conquistar cinco cadeiras, serão eleitos os cinco
primeiros nomes da lista. Vantagens : o sistema fortaleceria os partidos
políticos e sua estrutura, limitaria o personalismo e o caudilhismo na política
brasileira. Teoricamente, os programas partidários teriam mais peso do que suas
personalidades. Desvantagens: o poder das burocracias partidárias cresceria em
demasia, pois quem atualmente controla os partidos passaria também a controlar
as indicações dos primeiros lugares na lista. Dúvidas: alguns defendem uma lista
mista, facultando ao eleitor votar na lista partidária e, depois, escolher o
nome de sua preferência, como candidato avulso.
FIM DE REELEIÇÃO
Emenda constitucional acabaria com a reeleição em todos os níveis do
Executivo, sepultando a experiência iniciada durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso, que foi reeleito, e que continua com o segundo mandato do
presidente Lula, reeleito no ano passado. Vantagens: ficaria assegurada a
alternância de poder, pois a reeleição favorece quem já está no exercício do
cargo e possibilita a utilização da máquina pública na campanha eleitoral.
Desvantagens: interrompe a experiência de continuidade administrativa nos casos
em que os governantes se saem razoavelmente bem no exercício do primeiro
mandato. Dúvidas: alguns defensores do fim da reeleição propõem a ampliação dos
mandatos executivos para cinco anos, com coincidência das eleições para os
executivos e legislativos a cada 20 anos, ou prorrogação de mandatos de
prefeitos e vereadores para a realização de eleições gerais a cada cinco anos.
FIM DAS COLIGAÇÕES
Acabaria com as coligações para as eleições proporcionais (vereadores,
deputados estaduais e federais), ao impedir que os pequenos partidos peguem
carona na legenda dos grandes para elegerem seus representantes. Vantagens:
acaba com as distorções na representação, em que o eleitor vota num candidato de
um partido e acaba ajudando a eleger o de outro. Desvantagens: engessa o quadro
partidário, dificultando a sobrevivência dos pequenos partidos já existentes.
Dúvidas: fala-se na formação de federações nacionais de partidos, para garantir
a sobrevivência dos pequenos dentro das novas regras.
FIDELIDADE PARTIDIÁRIA
A proposta parte do princípio, já consagrado pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), de que os mandatos pertencem aos partidos. Seria exigida a
filiação partidária com um ano de antecedência das eleições para os candidatos e
proibida a mudança de partido nos três primeiros anos de mandato. Vantagens:
acabaria com as mudanças de partido depois das eleições, em troca de cargos, e
criaria mecanismos de controle partidário mais rigorosos sobre a atuação dos
parlamentares. A proposta fortaleceria a identidade partidária. Desvantagens:
concentra poder nas burocracias partidárias e inviabiliza o “voto de
consciência” em matérias polêmicas. Dúvidas: há dúvidas com relação aos prazos
para troca de partido e os limites para “fechamento de questão” em relação à
orientação partidária.
VOTO DISTRITAL
Outra emenda constitucional acabaria com o sistema de eleição proporcional,
como o que existe hoje. Os estados e municípios seriam repartidos em distritos
eleitorais, nos quais os candidatos disputariam a eleição pelo sistema
majoritário. Seria eleito o mais votado. Vantagens: a eleição ficaria mais
barata, os eleitores poderiam fiscalizar melhor a atuação de seu representante.
Desvantagens: um partido poderia ter até 49% dos votos e ficar sem representante
no distrito; a formação dos distritos, se respeitar o número proporcional de
eleitores, favoreceria a representação dos grandes estados e das grandes cidades
nos legislativos. Dúvidas: alguns defendem o sistema misto, como na Alemanha, no
qual metade do Parlamento é eleito pelo sistema proporcional com lista fechada e
metade pelo voto distrital majoritário.
PLEBISCITOS
A idéia é ampliar a participação da população nas decisões do Congresso,
com elementos de democracia direta, do tipo plebiscito, referendo e o orçamento
participativo. Vantagens: a proposta tornaria possível a tomada de decisões
sobre temas polêmicos, que dividem a sociedade, como a legalização do aborto, a
dscriminalização do uso de drogas, etc. Desvantagens: decisões definitivas podem
ser tomadas em função de conjunturas específicas e do clima emocional provocado
por fatos de muita repercussão. Dúvidas: há dúvidas de que a existência desses
dispositivos possa servir de pretexto para alteração de cláusulas pétreas da
Constituição, favorecendo projetos autoritários.
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