quinta-feira, 21 de junho de 2007

A Imprensa em pauta: questões políticas, por Renata Leonel

Nos últimos dias a sociedade brasileira tem passado dias agitados em razão da grande quantidade de denúncias envolvendo parlamentares acusados de práticas de corrupção e abuso de poder.

Essas situações não são novas na história do nosso país e há muito tempo temos vivenciado avanços e recuos nas questões que envolvem o direito eleitoral e a política brasileira. Nesse contexto, a imprensa, principalmente depois da abertura proporcionada pelo regime democrático, tem exercido um papel capital na universalização da informação e nas investigações e denúncias sobre as práticas ilícitas de governantes e parlamentares.

Nesta entrevista, João Domingos fala sobre temas importantes como a reforma política, corrupção e combate à impunidade. São questões que interessam não só as pessoas que acompanham a política de perto, mas também a todos aqueles que se propõem a lançar um olhar crítico sobre o atual momento que estamos atravessando no Brasil.

João Domingos é formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua há 28 anos como repórter. Trabalhou em diversos jornais, como o Jornal do Brasil, O Globo, Gazeta Mercantil e a Folha de São Paulo onde foi coordenador de Política, chefe de Redação e repórter, tendo coberto a Assembléia Constituinte. Atualmente trabalha no jornal O Estado de São Paulo. De Brasília ele concedeu por e-mail a entrevista que segue.

Brasília, 11 de junho de 2007.

Renata Leonel


1. Como você define a atual conjuntura política do país?

Como uma demonstração de que a democracia está realmente consolidada. Os escândalos têm sido muitos e chegaram aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Nem por isso houve qualquer ameaça de ruptura institucional.

2. Os escândalos recentes trazidos à tona pela operação Navalha revelaram intensa participação de membros do Congresso Nacional em licitações fraudulentas. Podemos dizer que a atividade parlamentar está servindo de moeda de troca para beneficiar determinados grupos econômicos?

Efetivamente serve de moeda de troca. Mas observe que, apesar do tráfico de influência feito pelos congressistas para determinada emenda, a fraude nas licitações não foi cometida por eles, mas por empresários e, certamente, gente do governo. Esse tipo de fraude não se dá sem o envolvimento do Executivo, que é o dono das obras. É uma engrenagem complexa de corrupção.

3. Existiria algum instrumento eficaz para combater esse tipo de corrupção estrutural que tomou conta do sistema?

Acho que o fim da impunidade ajudaria a reduzir um pouco a corrupção estrutural, mas não acredito que ela venha a ser totalmente debelada. O corruptor vai atrás de onde está o dinheiro. Então, vai atacar onde houver alguma coisa de seu interesse. A corrupção ocorre não só no Brasil, mas em todos os locais do mundo, em maior ou menor escala. Infelizmente, essa é a realidade.

4. Qual a análise que você, como jornalista que cobre o dia-a-dia do Congresso, faz das propostas de reforma política? São meramente paliativas ou podem produzir algum efeito prático para quem realmente precisa da atuação transparente do poder legislativo?

Podem ajudar um pouco a transparência do Poder Legislativo. O troca-troca partidário de hoje é um absurdo. Não se dá por convicção política, mas por compra de apoio. É comum o partido do governo avançar sobre as legendas de oposição. A fidelidade partidária poderia ajudar.

5. A reforma deve ser política ou eleitoral?

Política. Com fidelidade partidária, principalmente. Hoje a pessoa não pertence a um partido por identificação política com ele, mas por conjunturas locais.

6. Partindo do que se discute hoje acerca da reforma política, o que realmente interessa e o que ficou de fora?

Acho que o mais importante é a fidelidade partidária. Não sei se o financiamento público de campanha vai resolver alguma coisa. Se não houver uma fiscalização adequada, não resolverá, porque as contribuições particulares continuarão ocorrendo.

7. Dentro da atual conjuntura política quem é o grande vilão nessa história: o financiamento privado de campanhas que compromete o mandato do parlamentar, a falta de preparo e moralidade de alguns parlamentares ou a impunidade?

A impunidade. Nos Estados Unidos há financiamento privado e o cara que deu mais dinheiro chega a tirar fotografia com o que recebeu. A falta de preparo e de moral de alguns parlamentares também ajuda, porque muitos deles vão para o Congresso para fazer negócios.

8. O financiamento público de campanha no Brasil pode representar um avanço ou um retrocesso? Em que sentido?

Não acho que vá representar grande avanço. A raiz da corrupção não está somente no financiamento da campanha. Um cara pode ser eleito com o dinheiro do financiamento público e se meter nos mais diversos tipos de roubo. Sabe que vai ficar impune.

9. Esse tipo de financiamento pode acabar com o caixa 2? Em caso negativo, como combatê-lo?

Não acho que vá acabar com o caixa 2 nem com a corrupção. Entendo que só a transparência das doações acaba com o caixa 2. Sendo abertas, não é preciso esconder o nome de quem doou o dinheiro.

10. Uma mudança no sistema eleitoral seria eficaz para coibir a corrupção?

Não vejo como a mudança no sistema eleitoral poderia coibir a corrupção. O que pode coibi-la é o fim da impunidade.

11. Qual o sistema eleitoral que deveríamos adotar?

Entendo que o sistema de listas fechadas vai fortalecer os partidos. Mas não acho que seja suficiente para acabar com a corrupção.

12. Como combater as ações dos parlamentares que fazem uso das garantias do mandato, como o foro por prerrogativa de função, para transformar a máquina pública numa empresa privada?

Com o fim da impunidade. Roubou, perdeu o mandato.

13. Recentemente o TSE através de consulta disse que o mandato pertence ao partido e não ao parlamentar. Como você avalia esse posicionamento?

Considero que é uma medida muito importante. O mandato deveria mesmo ser do partido e não do candidato.

14. A fidelidade partidária deve ser imposta ou deve ser um compromisso moral e ideológico do parlamentar?

O ideal é que fosse um compromisso moral e ideológico. Como isso é impossível, que seja imposta.

15. Você defende a reforma política com participação popular? A sociedade está amadurecida para esse tipo de debate?

Acho que a sociedade está amadurecida sim para este tipo de debate. Mas, ao mesmo tempo, não esqueçamos que a democracia brasileira é representativa e não direta. Então, que o representante popular o deputado, com todos seus defeitos e virtudes é quem deve fazer a reforma. Se a sociedade quiser dar palpites, que dê o quanto quiser. Mas a palavra final é do parlamentar. Ele foi eleito para isso.

16. A mudança do nome da legenda de alguns partidos, a exemplo do que ocorreu com o PFL que se tornou o DEM, é capaz de promover uma renovação de fato e uma mudança significativa na atuação e peso político dos partidos?

Não acredito que mude nada. O DEM será sempre o PFL; o PR será sempre o PL. Não se muda a ideologia das pessoas por uma troca de nomes.

17. Já que falamos sobre partidos políticos e fidelidade partidária, para o senhor, o que é ser da esquerda hoje?

Entendo que hoje conceitos como o de esquerda e direita não são mais os clássicos do Século 20, em que defender mudanças era moderno e de esquerda e lutar para que nada fosse feito de diferente era arcaico e de direita. Acho que hoje a luta principal é buscar formas de salvar o planeta de nós mesmos, que ameaçamos destruí-lo.

18. Apesar de a corrupção estar intrinsecamente ligada à política no imaginário popular, aparentemente ninguém resiste ao poder e a trocar o interesse público pelo privado, tanto que sabemos de casos de corrupção e ilegalidade nos quadros da polícia, do judiciário, e de tantos outros setores. A imprensa está imune a isso?
Acho que a imprensa faz tráfico de influência, porque não podemos nos esquecer de que por trás dela existem empresas, que buscam o lucro. Mas acho que é uma situação diferente da dos Três Poderes. Por exemplo: o repórter que está na rua ralando busca apenas receber dignamente seu salário no fim do mês. Ele não está envolvido num caso de extorsão, de roubo.

19. Qual é o papel da imprensa dentro do cenário político brasileiro?

Esse que ela tem exercido o de denunciar sempre, mesmo que às vezes contenha exageros. É muito melhor assim do que uma imprensa servil ao Estado.

20. Tendo em vista os temas suscitados na entrevista e o perfil dos estudantes de direito, qual a pergunta que você gostaria que tivesse sido feita? E qual seria a resposta?

Na minha opinião, você não deixou nada para trás. Acrescentaria só uma opinião pessoal. Você é estudante de direito e, como tal, convive com gente das mais diferentes ideologias, consideremo-las corretas, ultrapassadas, avançadas, despirocadas ou não. Na sociedade há espaço para todas elas. Principalmente se forem discutidas pela juventude. Essa energia da juventude é que faz o mundo andar. A História dirá se estavam ou não certos.


Renata Leonel é estudante de direito.
renattaleonel@gmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Professor Mauro

Obrigada pelo espaço disponibilizado aqui no blog, pelo semestre, pelos debates, pela troca de conhecimento e principalmente pela paciência.
Já está tudo favoritado: o blog e o direito eleitoral.
Oxalá outros estudantes possam tê-lo como professor, incentivador e amigo.

Abraços fraternos

Renata Leonel