Noblat indignado
Que democracia é essa?
É preciso atentar para uma diferença brutal. O Supremo Tribunal Federal reuniu seus dez ministros durante cinco dias em agosto e decidiu aceitar, depois de 112 votações, quase toda a denúncia do mensalão preparada pelo procurador-geral da República. A sessão foi transmitida ao vivo pela TV Justiça e milhares de brasileiros puderam acompanhar os debates. No plenário do STF, havia 200 lugares – para advogados, procuradores, jornalistas. No segundo andar do prédio, dois telões para a imprensa. Os microfones em que os ministros falavam não se limitavam ao plenário. As falas eram transmitidas para os telões, no segundo andar. Com isso, cada ministro falava para um prédio inteiro. Ouvia-se a voz do ministro relator, Joaquim Barbosa, até quando se ia ao banheiro. Todos ouviam: os seguranças, os porteiros, os copeiros, além de advogados, procurador, jornalistas. E, pela TV, o país todo. Tudo tão aberto, tão livre, tão acessível que, depois do julgamento, sabemos exatamente quem votou com quem e com que argumentos – voto a voto, incluindo todas as 112 votações realizadas durante os cinco dias.
Um show de transparência.
Daqui a pouco, os senadores se reunirão a portas fechadas para decidir o destino de Renan Calheiros. Não poderão usar lap-tops, gravadores ou celulares - embora um deles, Cristovam Buarque (PDT-DF), tenha adiantado a este blog que o fará. Ao final, não se saberá quem votou pela cassação ou pela absolvição. Uns dirão que votaram assim, outros que votaram assado – e ninguém saberá se falam a verdade ou se mentem. Não se saberá com que argumentos uns votarão pela absolvição e outros votarão pela cassação. O país, os eleitores, os cidadãos brasileiros ficarão às cegas.
Uma vergonha de obscuridade.
Alguém pode dizer: os ministros do STF ocupam cargos vitalícios e, não importa como votam, não correm o risco de perder seus postos ou ser pressionados pelo governo, pela imprensa, pela opinião pública. Já os deputados e senadores estão em situação inteiramente inversa: seus mandatos não são vitalícios e eles ainda estão sujeitos a todo o tipo de pressão.
A resposta talvez seja uma só: exatamente porque, como país, como democracia, achamos que os parlamentares precisam estar sujeitos à pressão, venha de onde vier, é que seus cargos não são vitalícios. E, exatamente por isso, pela exposição à pressão e pela necessidade de renovar seus mandatos de tempo em tempo, é que os parlamentares deveriam votar à luz do dia. Quando fazem o contrário, votando às escondidas, agem como portadores de gazua na calada da noite. Já poderiam ter mudado isso há tempos. Não mudaram porque não quiseram. Preferem a gazua ao voto aberto. Não é essa a democracia que queremos.
Ricardo Noblat
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