quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Estadão: ressalvas à judicialização da política

Ao referendar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proíbe a troca de partidos pelos parlamentares das câmaras legislativas, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a interferir no funcionamento dos demais Poderes. A exemplo do que ocorreu em outras disputas políticas, entre as quais o caso do “mensalão” talvez seja o mais ilustrativo, o Supremo somente agiu após ter sido acionado por partidos. Esse é o principal traço do STF: por sua natureza e função, ele não pode deixar de decidir sempre que provocado, principalmente quando a ordem jurídica não for clara e a legislação contiver lacunas e antinomias. Essa regra garante o funcionamento do Estado de Direito.O número de casos com grande repercussão institucional submetidos ao STF tem crescido extraordinariamente nos últimos anos. Muitas vezes, a última instância do Judiciário é acionada quando os conflitos políticos entre o Executivo e o Legislativo culminam em impasse. Outras vezes são as lideranças partidárias que, incapazes de chegar a acordos no exercício de suas atividades parlamentares, acabam batendo nas portas do Supremo pedindo a arbitragem de seus ministros. Foi exatamente isso que ensejou a decisão do STF sobre a fidelidade partidária. Pela Constituição, a reforma política é matéria de competência do Legislativo. Como esse Poder não se dispõe a promovê-la, a questão foi deslocada para o Judiciário. Algo idêntico ocorreu há um mês, quando o STF decidiu que as greves do funcionalismo serão disciplinadas pelas mesmas regras aplicáveis aos trabalhadores da iniciativa privada até a aprovação da lei complementar prevista pelo artigo 37 da Constituição. Quase 20 anos após a promulgação da Carta, nem o Legislativo nem o Executivo cumpriram o que é atribuição sua. Há três semanas, líderes do PSDB e do DEM cogitaram de levar ao STF a polêmica em torno da imposição do voto fechado no julgamento, pelo plenário, do processo aberto pela Comissão de Ética contra o presidente do Senado, Renan Calheiros.Em todos esses casos, o STF somente entrou em cena porque o Legislativo não cumpriu o seu papel. Esse crescente protagonismo da magistratura constitui o que juristas e sociólogos chamam de “judicialização da política”. O fenômeno não é novo e ficou conhecido na Itália, na década de 1990, quando os juízes passaram a autorizar a prisão de líderes políticos acusados de envolvimento com a máfia. A Operação Mãos Limpas foi um sucesso, mandando para a cadeia personalidades até então tidas como insuspeitas. Mas muitos magistrados italianos passaram a interferir excessivamente na vida administrativa e econômica do País, o que levou à chamada “politização da Justiça”. Com sentenças ideologicamente enviesadas e justificadas em nome da “depuração da classe política”, os juízes exorbitavam de suas prerrogativas, tomando iniciativas que não lhes cabia tomar sem serem provocados para isso, o que resultou em confusão institucional. Evidentemente, ainda que a decisão do STF com relação à fidelidade partidária tenha sido aprovada pela maioria esmagadora da sociedade, o Brasil não está imune ao efeito colateral da “judicialização da política”. Como a Constituição de 88 é repleta de princípios vagos - as chamadas “ normas programáticas”-, ao interpretá-los os ministros dos tribunais superiores dispõem de tantas possibilidades hermenêuticas que, na prática, podem acabar legislando embora não tenham mandato para isso. É a “politização da Justiça” que o sociólogo Fábio Wanderley Reis chamou, em artigo publicado no jornal Valor, de “pretorianismo da toga” - numa alusão à intervenção das Forças Armadas na vida política. É claro que a democracia brasileira não está correndo riscos, mas, em vez de gerar certeza do direito, os juízes do STF podem acabar aumentando a insegurança jurídica. Quando tribunais e juízes ultrapassam os limites que o sistema jurídico lhes impõe, politizando a aplicação do direito, o que se tem é confusão institucional. É esse o risco que o STF tem de aprender a evitar quando chamado a fechar lacunas abertas pelo Congresso.

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