"Seja bem-vindo, visitante. Mas não faça movimentos bruscos".
O Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar do Rio matou 38 pessoas, prendeu 45 e apreendeu 73 armas, em 57 operações em favelas neste ano até 15 de outubro, contando mais de 543 horas de ação. A proporção é de seis presos para cada cinco mortos.A Folha obteve com exclusividade dados operacionais da unidade, inspiradora do polêmico filme "Tropa de Elite". O Bope foi responsável por 4% das 961 mortes de civis em suposto confronto com a polícia do Rio, que neste ano bate recorde. Tendo em vista que 923 foram na região metropolitana, com 35 batalhões, a média do Bope -especializado em confrontos em favelas e situações hostis, que fogem ao controle da PM convencional- não é tão superior à das demais unidades (2,8%), que têm menos ações de risco. Para o comandante da tropa, tenente-coronel Pinheiro Neto, 43, 13 anos de Bope, "a técnica substitui a violência. O Bope é a polícia que resolve". Além de operações em favelas, mais freqüentes e que ocupam metade de seus homens, o batalhão tem 30 homens em unidade de intervenção tática, para resgate de reféns. Em 2007, a média do Bope foi de 0,67 morto, 0,79 preso e 1,28 arma apreendida por operação, que pode durar mais de um dia -no complexo do Alemão, houve uma de 11 dias e outra de 12. Em 2 de maio, também no Alemão, depois de três anos, um PM do Bope (Wilson Santana Lopes, 28) foi morto em ação -o último havia sido em 2004. Treze membros se feriram neste ano (um a cada cinco ações). O número real de mortes em operações policiais, porém, costuma superar com folga o dado oficial, dizem os próprios policiais. PMs contam que criminosos recolhem corpos e armas antes que a polícia se aproxime. Os tiroteios em favelas são cada vez mais à distância (100 m, 150 m), e é difícil progredir sob fogo nesses locais. Recolher corpos "minimiza a derrota moral", explicam." O Bope tem atividade especial, que não é para ser rotina policial, senão sai todo mundo dando tiro. Qualquer ação que termina com morte deve ser considerada frustrada. Bandido é para ser preso", diz o antropólogo Roberto Kant, doutor por Harvard e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense). Para o ex-secretário nacional de Segurança José Vicente da Silva Filho, não é possível prescindir do Bope. "O Estado precisa ter um grau de intimidação dos grupos, que têm de ser intimidados por algum meio. Talvez o número de mortes do Bope não seja tão alto proporcionalmente pelo preparo. O Bope vem se especializando, até pela geografia, e é uma das tropas mais bem treinadas do mundo em combate localizado, porque aprende fazendo. Não é na escolinha cenográfica do FBI." Tida como tropa disciplinada -segundo o corregedor da PM, coronel Paulo Ricardo Paúl, "um batalhão de excelência"-, o Bope teve neste ano quase 10% do efetivo punido: dois PMs licenciados por responderem a processo na Justiça, um cabo excluído, dois oficiais e 33 praças punidos disciplinarmente. A Corregedoria não informou os motivos das sanções. Pinheiro Neto afirmou que as punições foram por deficiência tática, indisciplina, problemas de relacionamento. E que nenhum integrante do Bope foi investigado por corrupção. Para entrar no Bope, é preciso ser PM há dois anos e não ter punição grave ou responder a processos criminais. Munidos de fuzis FAL 7.62 mm ou Colt 5.56 mm, pistola .40, coletes balísticos à prova de projéteis de fuzil e carregadores extras, os policiais chegam nos três Caveirões (blindados) disponíveis -o quarto está em manutenção- que ostentam a caveira com o punhal na lataria. Na placa na entrada do batalhão, no alto de morro em Laranjeiras, vista para a Baía de Guanabara, está escrito: "Seja bem-vindo, visitante. Mas não faça movimentos bruscos". Contrariando moradores da vizinhança, Pinheiro Neto nega que a tropa ainda cante "Homem de preto, qual é sua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão! Homem de preto, o que é que você faz? Eu faço coisas que assustam Satanás!""O Bope não é uma seita. Aqui não se adora o diabo, como não se adora santo. Só recebemos voluntários", diz ele.
Folha de São Paulo.
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