segunda-feira, 7 de abril de 2008

Eleições 2004 ainda sub judice

Marcelo de Moraes e Felipe Recondo, BRASÍLIA


A menos de seis meses das eleições municipais de outubro, muitos municípios brasileiros ainda discutem na Justiça pendências da votação passada, realizada em 2004, trazendo incertezas para o eleitorado dessas cidades. É uma legião formada por prefeitos cassados que recorreram da decisão e por políticos derrotados que até hoje tentam reverter o placar das urnas, alegando irregularidades dos adversários. Para se ter uma idéia do volume dessas ações, apenas nos últimos 30 dias o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisou se manifestar sobre 88 recursos que abordavam diretamente a situação de prefeitos. O ritmo de julgamentos do TSE em 2008 é muito mais intenso que o do ano passado. Entre a distribuição e redistribuição de processos, interposição de recursos, julgamentos e tomadas de decisões, o TSE já consumou 2.716 ações este ano. Isso dá uma média de 29,8 decisões por dia, mesmo considerando que o primeiro trimestre foi entrecortado por férias e feriados prolongados, como o carnaval e a Semana Santa. Um caso exemplar de como uma disputa jurídica em torno de uma prefeitura produz confusão na cabeça do eleitor é o de Caldas Novas, município de Goiás. Desde 2004, o município já teve quatro prefeitos diferentes e os recursos se sucedem até hoje. Escolhidas nas urnas em 2004, Magda Moffato Hon e sua vice, Silvânia Fernandes, tomaram posse. Pouco depois foram cassadas, acusadas de suposto abuso de poder econômico na campanha e captação ilícita de sufrágio. A decisão do juiz local foi confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás em fevereiro de 2007, dois anos e quatro meses depois da eleição. As duas rechaçaram as acusações e, enquanto recorriam da decisão, permaneceram no cargo até junho, quando o TRE-GO convocou José Araújo Lima, segundo colocado nas eleições, para tomar posse como prefeito.Dois meses depois, a 7ª Zona Eleitoral de Caldas Novas acatou recurso que pedia a impugnação do mandato de Lima, acusando-o de duas irregularidades: ter distribuído gasolina para atrair eleitores e ter usado uma rádio de sua propriedade para divulgar irregularmente sua candidatura. Apesar de Lima ter negado as acusações, seu diploma foi cassado e o presidente da Câmara Municipal, Arlindo Luiz Vieira, assumiu a prefeitura. Em setembro, o TRE-GO autorizou a realização de eleições indiretas, nas quais os dez vereadores do município escolheriam o novo prefeito. Mas o TSE suspendeu a decisão e determinou realização de novas eleições diretas, com participação popular. Em 17 de fevereiro, Ney Gonçalves de Souza se tornou o quarto prefeito da cidade desde a última eleição. Apesar disso, no dia 27 de março o TSE ainda teve de julgar - e derrubar - três recursos apresentados pela prefeita original, Magda Mofatto, contestando a perda de seu mandato. Futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - assumirá o cargo em maio -, o ministro Carlos Ayres Britto acha normal a existência de muitos processos, mas ressalta que a Justiça Eleitoral precisa julgar todos os processos “antes do término do mandato, das eleições subseqüentes”.“Como temos no Brasil eleições de dois em dois anos, isso funciona na subjetividade dos julgadores como uma pressão para um julgamento célere. Todo processo eleitoral é urgente. O tribunal da soberania popular é o TSE, o que mais zela pela soberania popular”, afirma. Mas Britto reconhece que há exagero dos políticos na apresentação de recursos: “A Justiça Eleitoral é peculiar. Ela é célere e muito atenta à versatilidade da vida, porque os candidatos, digamos assim, têm uma imaginação muito fértil e descobrem novos meios de conspurcar o processo eleitoral e a pureza do regime representativo. São métodos espúrios que fazem parte de uma antiqüíssima tradição a desafiar, portanto, a Justiça Eleitoral para conscientizar o eleitor e tornar os seus métodos de trabalho mais e mais eficazes”, diz o ministro. “Vamos mal comparar: é como a luta dos hackers com os antivírus. É uma batalha contínua, incessante, diária.”Mas não é apenas a imaginação dos candidatos que é fértil. Vários casos analisados pelo TSE também beiram o surrealismo. Em Anicuns (GO), o prefeito Lourival Bueno de Souza e o vice-prefeito Roberto Bastos Mendes apresentaram um recurso especial, aceito pelo TSE, em que contestavam o julgamento que decretou a perda de seus mandatos, alegando que não puderam se defender adequadamente. Ambos foram denunciados pela suposta compra do voto de uma eleitora e de seus familiares, a quem doaram um par de dentaduras. Além de alegar cerceamento da defesa, os dois rejeitam, também, a acusação de que doaram as dentaduras para obter o voto da família.Em muitos outros casos, o TSE acaba revertendo decisões tomadas pelos tribunais regionais e até reconduzindo ao poder prefeitos que tinham perdido o mandato na segunda instância. Foi o que ocorreu no dia 25 de março, quando o TSE anulou a cassação do prefeito de Ibaretama, no Ceará, Raimundo Viana de Queirós, decretada pelo TRE.

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