quarta-feira, 16 de abril de 2008

O último escândalo da política americana

Por Idelber Avelar


Na semana que vem, depois que chegarem os resultados das primárias da Pensilvânia, no dia 22, vocês me cobrem uma reflexão sobre o poder eleitoralmente demolidor que pode ter, na política americana, o simples ato de dizer a verdade sobre a classe trabalhadora. O problema da verdade dita por Obama na semana passada – e que simplesmente não para de ser tema de debates, programas, comerciais e ataques, tanto de Hillary como de McCain – é que se tratava de uma verdade que escondia uma verdade maior.

Ao ser perguntado, num evento de campanha, sobre como ele conseguiria os votos da classe trabalhadora da Pensilvânia, Obama fez alusão às frustrações causadas pelas muitas promessas não cumpridas pelos políticos. Para arrematar, ele disse: não surpreende que eles [eleitores de classe trabalhadora] se sintam ressentidos [bitter, "amargos"]; eles se agarram às armas ou à religião ou à antipatia contra as pessoas que não se parecem com elas ou aos sentimentos anti-imigrante ou anti-comércio como forma de explicar suas frustrações.

Soltaram os cães de dentro do inferno. Seguiram-se quatro dias de ataques pesadíssimos a Obama, “o elitista”. Hillary não resistiu e soltou mais um comercial negativo sobre o tema. McCain atacou com o bordão de que Obama está “fora de sintonia” [out of touch] com a América. Mesas-redondas, debates, programas televisivos, manchetes de jornal, tudo girou em torno disso nos últimos dias. A campanha de Hillary na Pensilvânia passou a distribuir adesivos que diziam we are not bitter. Enquanto tece loas ao papa, a campanha de Hillary também coleciona manifestações de ultraje contra o horror das declarações de Obama.

Para quem só lê o escrito, fica difícil entender o que está implícito ali. Qualquer pessoa familiarizada com a política americana, no entanto, extrai o subtexto. A pergunta não o dizia, mas se referia obviamente à questão racial. Traduzida em linguagem direta, a indagação era: como você vai ganhar esses eleitores de classe trabalhadora branca que se recusam a votar em um negro? Claro que Obama poderia simplesmente ter respondido vou fazer o possível para conquistá-los, ou qualquer generalidade do tipo. Mais uma vez, pode ser que tenha que pagar o preço por tocar temas tabus. Mas pode ser que isso acabe funcionando a seu favor. Pessoas que não se parecem com elas significa, em linguagem codificada, negros. Obama disse o óbvio: brancos de classe trabalhadora com freqüência usam negros ou imigrantes como bodes expiatórios para suas frustrações com a perda de empregos. Não o disse assim, claro. Usou a frase citada acima. Tentou um circunlóquio que talvez tenha sido uma emenda pior que o soneto. Talvez.

Na Pensilvânia, o apoiador mor da campanha de Hillary Clinton, o governador Ed Rendall, disse claramente, quando perguntado sobre a elegibilidade dos candidatos: acho que alguns brancos não estão dispostos a votar num candidato afro-americano. A frase não era uma simples constatação. Era um ato de campanha. Era um argumento acerca da elegibilidade. É como se o porta-voz mor da campanha de Clinton na Pensilvânia estivesse dizendo: votem em Hillary, pois ela tem melhores chances de vencer, por ser branca. A isto está reduzido o debate das primárias democratas. Enquanto isso, McCain vai surfando na sua condição de darling da mídia. Resta saber se todo esse imbróglio afetará a performance de Obama na Pensilvânia, o estado natal de Clinton, no qual uma derrota por menos de 10 pontos já será, para ele, um ótimo negócio. A julgar pelas últimas pesquisas, a barragem de ataques ainda não surtiu efeito; a vantagem de Clinton, que chegou a ser de mais de 20 pontos, está bem reduzida. Talvez seja porque, pela primeira vez em muito tempo, ao ser demonizado por um comentário controverso, um candidato democrata escolhe reafirmar o dito, ao invés de jogar o perene joguinho do recuo.

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