Vida pregressa: começou o caso a caso
Justiça de SC cassa registro de candidatura com base em “vida pregressa”
Amaro Terto
O juiz Luiz Fernando Boller, titular da 33ª Zona Eleitoral de Tubarão (SC), decidiu nesta quinta-feira (24/7) cassar o registro da candidatura à prefeitura da cidade de Genésio de Souza Goulart (PMDB) por ele responder a 18 processos —a maioria por improbidade administrativa. Goulart está agora inelegível nas próximas eleições, em 5 de outubro de 2008, mas ainda pode recorrer ao TRE-SC (Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina). É a primeira vez neste ano que a Justiça caça o registro de candidatura com base na “vida pregressa” do candidato. Na sentença, à qual Última Instância teve acesso com exclusividade (leia a íntegra ao final do texto), o juiz aceita os argumentos apresentados pelo MPE (Ministério Público Eleitoral) ao impugnar a candidatura de Goulart —hoje deputado estadual e que figurava como candidato da coligação “Viva Tubarão”, formada por PC do B, PSL, PTC, PRTB, PT do B, DEM e PSB. Boller afirmou à reportagem que levou em consideração a extensa lista de processos contra o deputado e uma condenação que ainda tramita na Justiça, mas que não poderá ser modificada porque a defesa de Goulart não recorreu.
Nesta terça-feira (22/7), a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) divulgou uma relação com candidatos a prefeito e a vice-prefeito que respondem a processos na Justiça, a chamada “lista suja”. Goulart, no entanto, não foi citado pela AMB. Ele diz, por meio de seu advogado, que irá recorrer e que a condenação citada pelo juiz é de um processo que prescreveu (saiba o que diz Goulart).
Ao pedir a cassação do registro da candidatura, o MPE listou a existência de inúmeras ações civis públicas do candidato. Por ato de improbidade administrativa, Goulart tem 12 ações que foram apresentadas pelo MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina). Segundo informações presentes na decisão, o deputado estadual possui duas ações populares, duas penais, quatro inquéritos, nove ações civis públicas e uma ação de execução, totalizando 18 procedimentos jurisdicionais ativos —ao todo, são 74 processos ativos e inativos, de 1993 a 2008.
Entre os processos que envolvem Goulart listados na decisão, há menção a uma condenação penal por desvios de R$ 20 mil dos cofres municipais de Tubarão. “Não estamos diante de um pré-candidato que possui contra ele apenas uma ou duas ações que eventualmente possam não macular a sua conduta, mas de pessoa que responde a diversos processos de natureza cível e criminal, inclusive já tendo sido proferida contra ele condenações em primeiro e segundo graus de jurisdição, as quais, embora não com trânsito em julgado, demonstram não estar ele em condições mínimas de assumir novamente o comando do Poder Executivo municipal”, diz o juiz. Mesmo reconhecendo a inexistência de trânsito em julgado de decisão condenatória (quando não há mais recursos possíveis), o MPE invocou o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal para sustentar a necessidade de preservação da probidade e moralidade dos candidatos com base em sua vida pregressa.“Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”, diz trecho do parágrafo 9º. Para o MPE, “longe de se constituir numa violação de direito pessoal de determinado candidato, é necessária para a garantia dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito e da própria soberania popular, a qual restará perigosamente ameaçada, caso ela se estabeleça sob pilares que não se encontrem em terreno sólido e de extrema confiança”.Em outro trecho da sentença, Boller afirma que é “fácil perceber que o impugnado vem, ao longo de sua vida, mantendo relação de considerável proximidade com a delitividade, demonstrando pouco ou nenhum apreço ao cumprimento da lei”. “Principalmente quando incumbido da administração ou gestão do interesse público, o que faz dele pessoa irrecomendável ao exercício de funções públicas”, diz o juiz.
Para Boller, que citou a coluna “Candidatos e idoneidade moral e ética” de Hélio Bicudo em sua decisão, nenhuma sociedade deve ficar à mercê de pessoas “que não reúnam as condições mínimas de credibilidade e de confiança, principalmente por parte daqueles que já demonstraram, em tempos anteriores, não ter apego aos princípios éticos e morais que todo o administrador público deve possuir”.
Em junho deste ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou que os candidatos com “ficha suja”, desde que não tenham condenação definitiva, podem concorrer às eleições municipais de 2008.Segundo avaliação dos ministros do tribunal superior, a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990) já limita os critérios para concessão de registro de candidaturas. Os ministros Carlos Ayres Britto, presidente do TSE, Joaquim Barbosa e Felix Fischer foram contrários à decisão. No entendimento do presidente do TSE, os ministros deveriam reconhecer que a Justiça Eleitoral tem o poder de apreciar os pedidos de registro de candidatura a cargo público na perspectiva da vida moral pregressa do político.
Leia mais:Para defesa de candidato, decisão em SC contraria resolução do TSEÍntegra da Resolução 22.842/08 do TSE
Última Instância, Sexta-feira, 25 de julho de 2008
Um comentário:
Fala Mauro,
Neste semestre estou lecionando Direito Eleitoral e Partidário na Faculdade Atual da Amazônia. Indiquei o seu blog como referência na internet.
Grande Abraço,
Marcus Gil
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