quinta-feira, 29 de março de 2007

Justiça consultiva

Quando, em 2003, fui para o TSE a convite do Ministro Pertence chefiar o gabinete da Presidência tive que me inteirar das "peculiaridades da Justiça Eleitoral". E são muitas as tais, nem caberia no espaço deste post examiná-las uma a uma. De todas elas, a que mais me causou surpresa foi a competência atribuída ao TSE e aos TREs para responder consultas:

Art. 23 (Código Eleitoral)

XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou ]órgão nacional de partido político;

Ora, como assim? Eu me perguntava. Quer dizer que os tribunais eleitorais têm competência consultiva? Qual o valor das respostas, fazem coisa julgada?

Depois fiquei sabendo que não, que as consultas devem ser feitas em tese e as respostas são dadas em tese também; que não têm força vinculante para os órgão públicos, nem firmam jurisprudência. Mas, então para que servem? Servem para aclarar o sentido e a interpretação correta da legislação eleitoral. Deveriam, pois, eliminar dúvidas e facilitar o cumprimento da lei, antes, por exemplo, do registro da candidatura de alguém (em tese) que eventualmente tenha dúvidas sobre suas condições de elegibilidade ou sobre impedimentos, as chamadas inelegibilidades.

Mas, olhando para a história recente (verticalização e agora fidelidade partidária) tenho muitas dúvidas sobre os efeitos pacificadores das respostas oferecidas por nossas Cortes eleitorais. Ao contrário, o que essa resposta do TSE à consulta feita pelo DEM está criando é mais confusão e incerteza, porque desestabiliza o jogo político que, se não tem sido lá muito limpo, pelo menos deveria ter regras imunes à alterações a qualquer tempo (vide o art. 16 da CF) e, no caso, pelo próprio árbitro da peleja.

Mas, pariu Mateus, ele quer ser embalado.

Ontem mesmo chegou nova consulta, dessa vez, feita pelo PSL. Hoje a Agência TSE (no meu tempo não tínhamos uma agência, things change) dá notícia de que mais uma consulta foi encaminhada. Trata-se da Cta. 1405, formulada pelo Dep. Eduardo Cunha do PMDB do Rio de Janeiro, olha só:

Na primeira indagação, o parlamentar quer saber a quem pertence o mandato de deputado eleito com número de votos inferior ao quociente eleitoral, mas cuja votação tenha acrescentado uma cadeira à legenda. Caso a resposta seja de que o mandato pertence ao partido, o parlamentar pergunta o seguinte: “pertencerá [o mandato] ao partido pelo qual foi eleito, ou ao partido que caberia à cadeira, caso os votos do deputado não fossem contados na legenda?”A terceira dúvida do parlamentar é sobre quem declararia a vacância ou a perda do mandato do deputado que sair de uma legenda. Por último, pergunta a quem pertence a eventual vaga de um deputado eleito por uma coligação partidária: se à legenda ou à coligação.

Há um problema em se manter no Poder Judiciário essa competência consultiva. Os consultores são juízes e das mais altas Cortes do país. O que eles dizem pode não ter força normativa imediata, mas alguém duvida de que vão manter suas posições quando eventual processo lhes for apresentado para julgamento? Devem manter, até por coerência. Mas, se a resposta à consulta é interpretação da lei, é também antecipação de juízo e sinaliza para toda a sociedade o pensamento jurídico dos "consultores" sobre um assunto que pode chegar-lhes pela via do devido processo legal.

Sei não, mas a classe política, mordida, com uma penada pode revogar o dispositivo supra. Não seria nada estranho se isso acontecesse.

2 comentários:

Unknown disse...

Situação complicada! Independência e harmonia entre poderes são conceitos que, sinceramente, acredito não existirem desde muito tempo atrás. Se é que um dia existiram. O que se passa, a meu ver, é capaz de confundir a cabeça de qualquer um.

Um órgão do Judiciário competente para responder consultas feitas em tese por aqueles que exercem o poder Legislativo. Quer dizer, o Legislativo elabora as normas e, em seguida, faz uma consulta ao Judiciário porque não sabe ao certo o que pretendeu com a norma por ele elaborada. É brincadeira! E mais: a resposta é dada por ministros que compõem as mais altas cortes julgadoras da nação. É brincadeira! E de mal gosto...

O perigo é que o Judiciário caia no mesmo descrédito em que está prostrado o Legislativo.

Tomara que não!

Thiago Manzoni.

Mauro Noleto disse...

Caro Thiago, concordo que está tudo muito confuso, parece a você que alguns conceitos não se encaixam mais como deveriam? Segurança jurídica, por exemplo. E não se trata de se apegar a conceitos acriticamente, mas notar o fato, tentar entendê-lo, não ficar assim tão surpreso.

O que acontece com a Justiça Eleitoral é mais agudo, talvez mesmo só pela matéria prima, mas acontece também nos demais ramos do direito, é o que a gente poderia chamar de guinada interpretativa e a consequente ascenção do Judiciário à cena política. O problema é os sistemas (política e direito) são diferentes, as regras idem e não há acordo possível entre poderes quando um deles julga e o outro é julgado. Percebe a dificuldade.

Eles têm lei, nós temos princípios.

Mas, estou com você, tomara que junto com os princípios decisórios venham também a prudência e a probidade.

Amém.