quinta-feira, 31 de maio de 2007

Debate n'APonte

Anônimo disse:

Será que apenas o financiamento público de campanhas eleitorais resolve o problema? O problema não parece ser só atribuível a questões eleitorais. Se existe tanta obra e contrato superfaturado é porque, independente da idoneidade e das dívidas do agente político eleito, existem os burocratas, servidores efetivos ou não, que estão por aí, em todas as ramificações da Administração Pública, desde a federal até os municípios mais longínquos, levando o seu por fora, desrespeitando a coisa pública, se vendendo aos empresários gananciosos e corruptores. Não que isso exima a responsabilidade dos políticos. O problema da corrupção é generalizado na nossa sociedade. As campanhas eleitorais são só um pedaço da história. Os eleitores perdoaram o Lula e outros mensaleiros... porque eles não têm sentimentos arraigados e apaixonados pela separação entre o público e o privado, sobre a honestidade, nada disso. Aliás, esses mesmos eleitores vão ser os primeiros a reclamar de ter que pagar por uma campanha, porque eles não conseguem enxergar também que quando pagamos um tributo estamos contribuindo para o Estado e para o bem da coletividade, e se puderem, tentam sonegar, porque afinal o dinheiro vai sempre para o lugar onde não devia. Toda essa noção de Estado, de política, democracia, tudo parecem belas canções de ninar que só apetecem aos nossos juristas, tidos por arrogantes e separados das massas, e quem sabe, os políticos, que precisam se proteger quando são pegos. Os doutos. Os doutores. A nossa cultura cartorial, nossos séculos de colônia e escravidão, um jeitinho só nosso. É triste.
31 de Maio de 2007 19:21

Mauro Noleto disse...

Sou tentado a concordar com tudo que anônimo disse em seu comentário, até com a parte em que chama nossos juristas de arrogantes e separados das massas, sem esquecer da cultura cartorial, colonial etc. Mas, não posso. Porque isso seria renunciar a uma crença. A crença no Direito, na vida civilizada, na reciprocidade, em tudo que representa a tentativa de organização da liberdade que é o Direito. Além do quê, tratar todos os profissionais ou estudiosos do Direito, os juristas, como pedantes, burocráticos e desonestos não faz justiça a muita gente. Bem, de todo modo, agradeço pelo comentário, anônimo porém cheio de personalidade e convicção. Sobre ele, diria que, sim, que o financiamento das campanhas é somente uma parte do problema da corrupção, uma parte e tanto, afinal o investimento feito é para assumir o poder político, o poder decisório, poder que não está ao alcance dos servidores públicos que o anônimo põe sob suspeita, mas que nunca foram tão auditados, sindicados, investigados, pelo controle interno de cada órgão, pelo TCU, pela Polícia Fedreal, pelo Ministério Público, pela imprensa, ufa! Para os servidores públicos já podemos dizer que existe suficiente accountability. Para os agentes políticos começa a se desenhar um cenário mais alentador. Basta olhar a história recentíssima e perceber que, democraticamente, pela via judicial, os agentes políticos, e não apenas os servidores públicos, estão a perder antigas imunidades que a democracia abomina. Os casos de corrupção estão saindo da sombra. Acho que é preciso crer e aprender a viver no Direito. Quem sabe não diminuimos a taxa de improbidade nas relações privadas, familiares, laborais, no trânsito. O Direito é a negação da violência. É a saída para o estado belicoso de natureza. Mas não apenas o Leviatã. O Direito não é apenas a lei, os cartórios, os clichês, embora tenha por essência funções regulatórias mais que evidentes. Tenho certeza que, há 50 anos, mulheres, idosos, consumidores, trabalhadores, homossexuais, eleitores, motoristas etc. eram bem menos emancipados do que hoje, malgrado os desvios morais e as tragédias socioeconômicas que se repetem insistentemente. Mas, não quero crer que a sociedade brasileira esteja destinada a errar tanto e sempre. Sou um otimista trágico, tal como Boaventura de Sousa Santos.
31 de Maio de 2007 21:38
Participe, comente!

2 comentários:

Anônimo disse...

É bom alternar pessimismo com otimismo. O pessimismo serve como autocrítica. E o otimismo para lembrar que nem tudo está perdido, e que o copo pode, de fato, estar, metade cheio, realmente houve conquistas no campo jurídico importantes para a sociedade civil brasileira nos últimos anos.
E obrigada por dedicar um espaço aqui para a minha resposta, ou seja, vc deixou eu manifestar meu pensamento sem censurar meu anonimato (risos).

Anônimo disse...

Para meter a colher nesse debate reproduzo aqui um pequeno trecho de um clássico do Huntington (aquele da "terceira onda" de democracias) em um livro de 1968: "A ordem política nas sociedades em mudanças". O meu objetivo é mais provocar do que defender um ponto de vista, até porque me senti provocado quando o li pela primeira vez. Ao trecho:

"A corrupção pode ser mais predominante em algumas culturas do que em outras, mas na grande maioria das culturas parece ser mais predominante durante as fases mais intensas de modernização. (...) a modernização estimula a corrupção pelas mudanças que produz na parte dos resultados (outputs) do sistema político. A modernização, especialmente entre os países em fase de modernização, implica a expansão da autoridade governamental e a multiplicação das atividades sujeitas ao controle do Estado (...) É por isso que numa sociedade onde a corrupção esteja disseminada a aprovação de leis severas contra a corrupção serve apenas para multiplicar as oportunidades de corrupção. (...) Em sociedades em modernização os ideais de honestidade, probidade, universalismo e mérito muitas vezes tornam-se tão exarcebados que indivíduos e grupos passam a condenar como corruptas práticas que são aceitas como normais e até mesmo legítimas em sociedades mais modernas... paradoxalmente, essa mentalidade anticorrupção fanática produz efeitos finais semelhantes aos da própria corrupção. Ambas ameaçam a autonomia da política: uma substitui os objetivos públicos pelos particulares e a outra substitui os valores políticos pelos técnicos."

Para debatermos: Será que nosso ressentimento pode nos levar a concluir que se política é igual à corrupção só há um caminho para nos livrarmos da corrupção? Será esse um caminho mais fértil para nossas demandas?