sábado, 26 de janeiro de 2008

Sobre as bolsas do Pronasci

Deu na Folha de hoje:

O PSDB protocolou ontem no Supremo Tribunal Federal uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra a criação de cerca de 650 mil bolsas para o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). O governo criou as bolsas por medida provisória. A MP já havia sido editada em 2007, mas foi retirada do Congresso no final do ano para não atrasar a votação da CPMF. A ação do PSDB diz que a criação das bolsas agora fere a Lei Eleitoral. A Advocacia Geral da União diz que não.

Ora, uma ADIn para dizer que a medida provisória violou a lei eleitoral? A notícia foi mal dada. No Consultor Jurídico a informação é mais completa:

O PSDB entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, contra os artigos 2º e 3ª da Medida Provisória 416/2008, que permite ao Poder Executivo conceder auxílio financeiro de até R$ 400 para os participantes do Pronasci, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. O partido diz que a MP, ao conceder auxílio financeiro em ano de eleições, afronta a legislação eleitoral vigente, que proíbe “a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública” em ano eleitoral. O PSDB afirma, ainda, que a norma afronta a Constituição Federal, que no artigo 16 diz que qualquer lei que altere o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra no período de um ano — conhecido como princípio da anualidade eleitoral. Para o partido, como a norma só poderia vigorar a partir de 2009, não existe a urgência que justifique a necessidade de se editar Medida Provisória. A ADI pede a suspensão liminar dos artigos 2º e 3º da MP 416/2008, e solicita que, no mérito, seja confirmada a liminar, com a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos. ADI 4.011

Revista Consultor Jurídico, 26 de janeiro de 2008

O que os tucanos alegam então é que a MP cria regras que alteram o processo eleitoral em ano de eleição? Não é bem assim. Vejamos o artigo da lei das eleições que estaria sendo afrontado pela MP. É o parágrafo 10º do art. 73 da Lei das Eleições, a 9.504/97. O detalhe é que esse parágrafo foi incluído pela lei 11.300 de 2006, a mini-reforma eleitoral. A mesma lei que o STF permitiu vigorar desde sua promulgação em pleno ano de eleições, porque entendeu que suas regras não alteravam o "processo eleitoral". Pois bem, eis o texto:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

O Governo sustenta que a ampliação do PRONASCI está autorizada em lei (a MP 416/2008) e que o programa já estava em execução orçamentária desde o ano passado. Precisa dizer o que é execução orçamentária, e precisa aprovar no Congresso a MP para que ela se torne lei. O Governo tem que demonstrar que a ampliação do programa não fere a regra eleitoral. E ainda poderia pedir o acompanhamento do Ministério Público dessa execução (passo mais complicado), conforme manda a lei. Agora, me parece que a tarefa da oposição é juridicamente bem mais difícil, pois precisa convencer que a MP não viola simplesmente a lei eleitoral, mas, ao fazê-lo, agride também o art. 16 da CF, isto é, que a MP, ela própria, promove alteração das regras do processo eleitoral em ano de eleição, pois entende que o parágrafo 10º do 73 da lei das eleições impõe que a medida provisória questionada só possa valer em 2009.

Tudo muito confuso não é? É a fase tópica do debate. Todos levantam suas armas retóricas sobre o fato e seu enquadramento jurídico, mas ninguém tem segurança em relação à solução correta, leia-se, jurídica do problema. Quando a resposta não está clara no sistema, não é que o problema (o caso) não tenha solução ou que a demanda deva ser ignorada (não conhecida - que aliás é uma forma de decisão), quando isso ocorre, ao debate tópico dos argumentos sucede a construção também argumentativa da decisão judicial. E aí tudo é possível. Sem dedução, sem prognóstico lógico, sobram os alinhamentos ideológicos, morais, pragmáticos, para dizer o que que está na lei e na Constituição, mas também para dizer o que não está lá. Vamos acompanhar.

Um comentário:

Anônimo disse...

vamos acompanhar