terça-feira, 26 de agosto de 2008

O Direito perdido na Veja

Como bacharel em Direito e participante de um sério trabalho do grupo O Direito Achado na Rua, o jornal Constituição & Democracia, não poderia me calar diante da discussão que a revista Veja lançou e acalorou na sua última edição. Segundo o artigo públicado nas páginas 64 e 65, sob autoria de Reinaldo Azevedo, há uma discussão se o Direito é achado na lei ou nas ruas.

É verdade que o ilustre Ministro do STF Gilmar Mendes disse que "O direito deve ser achado na lei, não na rua" (grifei). Mas em nenhum momento foi dito o que o autor do artigo estampou em seu título: "O Direito só pode ser achado na lei" (negritei e sublinhei para destacar a má interpretação sobre o que o ministro disse). Segundo o GIlmar Mendes, e isso é notório, o direito deve ser encontrado na lei. E não só na lei. O Direito pode, e deve, ser amparado por muitas outras faces: princípios, costumes, ética, moral, jurisprudência, doutrina e, (porque não), na própria sociedade, seja nas ruas, nos movimentos sociais ou nas necessidades de classes.

"Aplausos, então, para o árbitro", como o autor do artigo propõe, fazendo alusão ao paralelo que em seu parágrafo introdutório faz com o Futebol, é um absurdo. Primeiro porque em nenhum momento parece haver oposição direta e concreta entre a frase de Gilmar Mendes e o O Direito Achado na Rua. Segundo porque qualquer comparação do Direito com o Futebol é rebaixar aquele a um nível que não merece nem medalha de bronze.

O Direito está além dessas discussões que, às vezes, o sensacionalismo tenta levantar. Não importa onde o Direito é achado. O que importa é que ele chegue até às classes.

A sociedade não existe para atender às leis. É o inverso que vale. E, no melhor entendimento de O Direito Achado na Rua, o trabalho do grupo NÃO visa "praticar de 'ilegalidade não-selvagem' em nome da 'igualdade de classes'". Sua missão NÃO é "se opor ao legalismo". Do que, então, reclama o respeitado autor? Para quem ele bate o martelo? A verdade é que ele tenta cravar prego em pedra, ou seja, buscou polêmica fora da temática em questão. Mas com que propósito? Estaria aqui estampado o tal partidarismo de que ele tanto fala?

É óbvio que não é função do Judiciário legislar. Para isso, existe o Legislativo, ora. Mas se lacunas precisam ser preenchidas, antes que isso seja feito por membros do Judiciário do que por membros da imprensa que mudam as aspas para destacar um título e causar polêmica.

Gustavo Di Angellis
Bacharel em Direito
Pós-graduando em Direito Penal e Crime Organizado

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Joaquim Barbosa

FOLHA - A mídia o aponta como o ministro que mais se desentende com os colegas. O sr. é uma pessoa de temperamento difícil?


JOAQUIM BARBOSA - Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de relacionamento, uma pessoa difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz tudo que quer. Se enganaram os que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo Tribunal Federal, a Corte iria ter um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui desde a mais tenra idade. E tenho certeza de que é isso que desagrada a tanta gente. No Brasil, o que as pessoas esperam de um negro é exatamente esse comportamento subserviente, submisso. Isso eu combato com todas as armas.

FOLHA - Gilmar Mendes chegou a dizer que o sr. "tem complexo". A ministra Carmen Lúcia insinuou que haveria um "salto social", com sua evidência no caso do mensalão. Como o sr. recebe esses comentários?

BARBOSA - A imprensa se esquece de dizer quais foram as razões pelas quais eu tive certos desentendimentos. Quase sempre foram desentendimentos nos quais eu estava defendendo princípios caros à sociedade brasileira, como o combate à corrupção no próprio Poder Judiciário. Sem aquela briga com o ministro Marco Aurélio, o caso Anaconda não teria condenação e cumprimento de penas pelos réus.

FOLHA - No julgamento de uma ação da Anaconda houve o comentário de que o sr. teria "complexo"...

BARBOSA - Achei apropriado naquele momento dar uma resposta dura. Falaram que eu sou encrenqueiro. Eu tenho amigos espalhados pelo Brasil e pelo mundo inteiro. São pessoas decentes. E eu não costumo silenciar quando presencio algo de errado, ainda que no âmbito do tribunal ao qual eu pertenço.

FOLHA - O sr. se sente isolado no Supremo?

BARBOSA - Nem um pouco. Eu tenho meu leque de amizades, que são pessoas que têm afinidades comigo, com aquilo que eu gosto, que não necessariamente coincide com o gosto da maioria do tribunal. Mas tenho boa relação com ministros.

FOLHA - Uma crítica recorrente é que o Supremo favorece as elites. Como o sr. vê essa observação?

BARBOSA - Eu ainda não amadureci a minha reflexão sobre isso. Mas há uma coisa que me perturba, que me deixa desconfortável aqui no tribunal e na Justiça brasileira como um todo. É o fato de que certas elites, certas categorias monopolizam, sim, a agenda dos tribunais. Isso não quer dizer que eu esteja de acordo com a frase de que o tribunal favorece as elites. Monopolizam a agenda.

FOLHA - Como isso ocorre?

BARBOSA - Nós temos na Justiça brasileira o sistema de preferência, tido como a coisa mais natural do mundo. O advogado pede audiência, chega aqui e pede uma preferência para julgar o caso dele. O que é essa preferência? Na maioria dos casos, é passar o caso dele na frente de outros que deram entrada no tribunal há mais tempo. Se o juiz não estiver atento a isso, só julgará casos de interesse de certas elites, sim. Quem é recebido nos tribunais pelos juízes são os representantes das classes mais bem situadas. Eu não posso avalizar inteiramente essa frase [de que o Supremo favorece as elites], mas acho que um país em que a Justiça está completamente abarrotada tem que ter atenção muito grande para esse perigo de que a agenda dos tribunais seja monopolizada por certos segmentos sociais. Basta prestar a atenção, durante cada ano, no tempo que o STF gasta julgando questões de interesse corporativo. É enorme.

FOLHA - O sr. costuma receber advogados em seu gabinete?

BARBOSA - Recebo, mas nenhum advogado, por mais importante que ele seja, monopoliza o meu gabinete [o ministro informa que concedeu 244 audiências, em 2006 e 2007].

FOLHA - Sua decisão de quebrar o sigilo do inquérito do mensalão contribuiu para a abertura do Supremo à sociedade. Quais os aspectos positivos e negativos dessa exposição?

BARBOSA - Eu acho que o lado bom é o pedagógico. Aproxima o tribunal da sociedade. Quebra com uma tradição tipicamente brasileira, ainda forte, de o juiz estar distante do cidadão. O tribunal entra nos lares dos brasileiros. As questões importantes da cidadania são debatidas, são absorvidas pelo cidadão. Acho isso muito positivo. O lado negativo disso é que essa superexposição traz uma carga de pressão muito grande em cima do tribunal. Essa hiper-exposição atrai cada vez mais demandas para o Supremo. Uma tendência natural de outros poderes e de segmentos da sociedade é pensar que tudo pode ser resolvido no Supremo. Não é tão fácil assim vir até o Supremo, e é extremamente caro.

FOLHA - Diante das decisões recentes do tribunal, alguns juízes dizem que o Supremo está se distanciando da sociedade, do mundo real.

BARBOSA - Teoricamente, acho que isso possa existir. Não quero falar sobre decisões. Em tese, o juiz não pode se desgrudar da sociedade. Ele não pode desprezar os valores mais caros da sociedade na qual opera. Seria suprema arrogância -e isso eu noto em alguns juízes brasileiros- achar que não interessa o que a sociedade pensa sobre determinadas decisões. O juiz é fruto do seu meio. Seria o supra-sumo da arrogância entender que o juiz poderia ter uma escala de valores que não leve em conta o sentimento da sociedade sobre questões que lhe são trazidas para decidir. Em um sistema judiciário que não leva em consideração o sentimento da sociedade sobre determinadas questões, a tendência é ele perder credibilidade e se transformar em monstrengo inútil, do ponto de vista institucional, a médio ou longo prazo.

FOLHA - O Supremo carece de especialistas em direito penal?

BARBOSA - Eu discordo. O Supremo não precisa de especialistas em direito penal. É verdade que na atual composição não há especialistas em direito penal. Mas uma pessoa com uma boa formação em direito público, com uma boa formação humanística, uma boa visão de mundo, que não seja paroquial, é isso que se espera do membro de uma Corte Suprema e não uma especialização exacerbada nesta ou naquela matéria. O que se espera é, sobretudo, prudência. Uma clara visão da sociedade.

FOLHA - Quantos membros do Supremo já interrogaram réus?

BARBOSA - Isso é irrelevante. Eu presido quatro grandes processos criminais, jamais vistos na história do tribunal. Eu não vou interrogar ninguém. Eu delego. Eu não preciso interrogar. A lei me dá esse poder. Não é uma corte para resolver questões pontuais. É um tribunal que julga casos com profunda repercussão na sociedade. Aqui não se cuida do varejo. Já interroguei réus. Fui procurador da República por 19 anos. Minha especialização é direito público, mas isso é bobagem, não tem a menor relevância.

FOLHA - Em que medida o foro privilegiado dificulta uma avaliação mais precisa do Supremo?

BARBOSA - Eu acho o foro privilegiado nefasto. O foro privilegiado e outras medidas são processos de racionalização da impunidade. Já disse e repito.

FOLHA - O Supremo é mais rigoroso para receber denúncias de crimes de colarinho branco?

BARBOSA - O Supremo é bem mais rigoroso em matéria penal em geral. O tribunal tem a tradição de mais rigor, nesses últimos anos. Vejamos o caso do mensalão. Com a importância do STF, com o número de causas e problemas seríssimos que tem para resolver, é racional que o tribunal gaste cinco dias inteiros só para julgar o recebimento de uma denúncia? Com todas as dificuldades que o Brasil inteiro assistiu ao vivo?O recebimento de uma denúncia como aquela, no primeiro grau, seria um despacho de duas páginas.

domingo, 24 de agosto de 2008

Constitucional 1

APonte agora tem um vizinho, o Constitucional 1. Eu criei outro blog para me auxiliar nas aulas de direito constitucional do UniCEUB. É extamente a mesma motivação inicial deste (direito eleitoral), mas por enquanto ainda não "diversifiquei" tanto a postagem lá no vizinho. Quero manter a didática para não confundir os novos alunos, quase calouros, do 2º semestre. De todo modo, fica aqui o convite.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Algemas mentais

Por Cristovam Buarque


Nenhum dos advogados que criticou o uso de algemas em suspeitos ricos denuncia a falta do serviço de educação para os pobres. A Constituição garante o direito à educação, o poder público se omite e a criança permanece analfabeta até a idade adulta, mas esse fato continua invisível à Justiça.

Só agora, no século 21, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a polícia não pode constranger um cidadão, colocando-lhe algemas desnecessariamente. A demora não foi por maldade dos juízes. Eles simplesmente não tinham notado ainda a existência das algemas no cenário policial brasileiro. Elas eram invisíveis nos pulsos de centenas de presos que aparecem todas as noites no noticiário. Foram necessários 400 anos de correntes de ferro maltratando escravos, durante a Colônia e o Império, e 120 anos de República, para que os juízes brasileiros percebessem as algemas que estavam nos punhos de pobres sem bermuda, sem camisa, inclusive nas últimas décadas, nas telas da televisão, quase todos os dias.

O atraso na percepção não decorre apenas da falta de sensibilidade que caracteriza a elite brasileira, mas também do fato de que, na nossa lógica jurídica, os juízes só vêem o que é mostrado sob a óptica e o argumento de advogados. Temos uma parte da população invisível aos olhos da elite, inclusive parlamentares, juízes, políticos, professores universitários. Não temos Justiça, temos um marco legal. E ele depende da capacidade dos advogados que representam os réus. Quando a ilegalidade é cometida contra quem paga um bom advogado, os juízes do Supremo tomam a decisão e, democraticamente, determinam que o benefício da legalidade se amplie para toda a população.

A Justiça não é discriminatória contra os pobres, simplesmente eles são invisíveis para ela. Os olhos vendados da deusa da Justiça só percebem parte da realidade, aquela que chega a eles pelos argumentos dos bons advogados, representando a parte rica da sociedade que pode pagar altos honorários. Foi preciso que a Polícia Federal usasse algemas em suspeitos ricos e bem-vestidos, e que seus advogados protestassem, para que elas fossem percebidas e abolidas tanto nos ricos quanto nos pobres. Sorte do pobre, quando seu julgamento coincide com o processo contra um rico pela mesma causa. Não ser atendido e morrer na porta de um hospital, por falta de dinheiro ou de seguro médico, não é ilegal; portanto, a Justiça brasileira não vê, nem age. Até que um rico brasileiro morra na porta de um hospital e um bom advogado entre com processo pedindo indenização para seus herdeiros. Só assim, será possível que a Justiça se pronuncie considerando ilegal a omissão de socorro, tanto para o rico que provocou o assunto, quanto para os pobres que, democraticamente, receberiam os benefícios das legalidades. Não por justiça, mas porque o fato ficou visível e adquiriu lógica legal. Sem o advogado e seus argumentos bem convincentes, o morto na porta de um hospital é um ente invisível, seja ele rico, seja pobre.

Na saúde se passou algo parecido no país. Foi quando uma epidemia de poliomielite assolou sem discriminação de classe social as crianças no Paraná, nos anos 70; quando os autoritários dirigentes militares viram o que os civis democratas nunca tinham percebido. Iniciaram então a mais ampla campanha de erradicação da poliomielite já feita no mundo. O Brasil também é exemplo mundial no atendimento público aos portadores de HIV, porque o vírus não escolhe classe social. As doenças dos pobres só são vistas quando também atingem os ricos. Por isso, não há um programa radical para a erradicação do analfabetismo, nem para que todos os brasileiros, independentemente da classe social, cheguem ao fim do ensino médio em escolas de alta qualidade. A falta de escola é um problema dos pobres, não é visto pela Justiça nem representado pelos advogados.

A algema mental continua sendo permitida pela omissão dos governantes. É a pior de todas as algemas - porque é invisível, tira a liberdade que vem do conhecimento e dura décadas -, e só atinge os pobres. Os juízes não têm forma de perceber a injustiça porque o assunto não chega a eles. Nenhum dos advogados que criticou o uso de algemas em suspeitos ricos denuncia a falta do serviço de educação para os pobres. A Constituição garante o direito à educação, o poder público se omite e a criança permanece analfabeta até a idade adulta, mas esse fato continua invisível à Justiça. Está na hora de um bom advogado entrar no Supremo pedindo indenização em nome de alguém mantido algemado pela omissão do poder público que não lhe garantiu educação. Talvez então se junte ao habeas corpus para os ricos o habeas mens para os pobres; pois libertar a mente é tão importante quanto libertar o preso.

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 16/8/2008.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O pensamento de Ayres Britto

Do blog do Josias


Ayres Britto falou ao repórter Klécio Santos. Vai abaixo um extrato:

O eleitor e a eleição: “Os índices de abstenção são decrescentes no Brasil (...). Há uma consciência maior de que sem a política não há democracia (...). O grande problema não é a política, mas o descompasso entre a política e a classe política.”

O eleitor e os eleitos: “Quanto à classe política, sobretudo a parlamentar, o Brasil vem experimentando um certo desalento. Mas eleição é sempre um momento bom para dar a volta por cima, para aquecer as turbinas da democracia.”

Os ‘fichas-sujas’: “Apesar da decisão do Supremo, pondo uma pá de cal no tema, do ponto de vista jurídico, conseguimos colocar na agenda nacional o tema da vida pregressa. Ela é condição para essa investidura nos cargos públicos (...).”

O legal e o imoral: “Torço para que não fique na comunidade essa impressão de que a legalidade está a serviço da impunidade. Não foi isso que passou pela cabeça dos ministros [do STF] que votaram com a tese vitoriosa. No fundo, o fato de você alertar o eleitorado para a necessidade de conhecer o histórico de vida dos candidatos nunca eclodiu com tanta ênfase.”

O tráfico, as milícias e suas malícias: “É da máxima gravidade você apoderar-se de toda uma comunidade e tirar dela o livre arbítrio para votar. Isso vai ao ponto em que traficantes e milicianos negociam o voto coletivo.”

As Forças Armadas e o Rio: “Isso tem uma tríplice perspectiva: as comunidades se sentirem livres para votar, os candidatos fazerem suas campanhas com todo desembaraço e a imprensa fazer o seu trabalho.”

O caixa dois e suas tentações: “(...) Um candidato, quando está no auge da campanha, tende a afrouxar o seu compromisso com a legalidade. A tentação de chegar ao poder é forte demais para a fragilidade humana. Se instituíssemos o financiamento público, esse processo seria muito mais fácil de se fiscalizar.”

Lula e os palanques: “Legalmente, ele pode subir nos palanques dos candidatos de sua preferência. Contanto que não associe o êxito do governo dele à participação daquele candidato. O presidente Lula pode falar bem de si mesmo, mas não pode falar bem do apoiado.”

A campanha e a internet: “Este ano é propício para se aprofundar discussões sobre o uso da internet como espaço de propaganda eleitoral. O TSE decidiu resolver caso a caso. A minha tendência pessoal é não criar embaraços. A internet é democrática, econômica e instantânea.”

O STF e suas decisões: “Nos últimos cinco anos o Supremo vem tomando decisões mais compatíveis com os avanços consagrados pela Constituição, tirando-a do papel para que não seja um elefante branco.”

As algemas e a opinião pública: “(...) Não se pode permitir que a polícia faça das algemas uma ferramenta de humilhação ou uma oportunidade de sensacionalismo às custas do ser humano. O Judiciário não pode ser refém da opinião pública, como também não pode se lixar para ela.”

sábado, 16 de agosto de 2008

A base X o cimo

Liga da Justiça
Fausto De Sanctis ataca HCs e reclama de quem o critica


por Anderson Passos

Para um auditório tomado por mais de cem estudantes, o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, voltou a defender o uso de interceptações telefônicas, disparou contra o uso de Habeas Corpus e disse que quem critica suas decisões não leu o teor. Para o juiz, os HCs são muitas vezes usados como instrumentos para impedir a tramitação dos processos. O desabafo, com direito a socos na mesa e fala não raramente alterada, aconteceu durante o debate As funções manifestas do Poder Judiciário na atualidade, organizado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, na noite de sexta-feira (15/8). O evento teve ainda como convidados o procurador regional da República, em São Paulo, Rodrigo De Grandis, o advogado criminalista Roberto Delmanto e o desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch.

“Estou há 17 anos na magistratura e, nesse tempo todo, os direitos individuais são invocados para interromper a tramitação dos processos na Justiça. Cada decisão de um juiz tem um HC que é usado como instrumento”, comentou De Sanctis. Segundo o juiz, “Direito é fato e não se pode criticar decisões não lidas. Eu venho sendo atacado, inclusive por professores dessa universidade, que não leram a minha decisão [da Operação Satiagraha]”. De Sanctis pediu licença para ficar em pé durante sua palestra. O juiz federal completou que suas decisões não são simplesmente um referendo às investigações da Polícia Federal e do Ministério Público e sim fruto de suas convicções.

“A decisão tem 170 folhas com base em informações telemáticas. Ninguém publicou isso. Ninguém fala nada. O juiz trabalha, prisões são decretadas, há ameaças de provas serem destruídas”, protestou, ao se referir às prisões feitas durante a Operação Satiagraha. A que causou mais polêmica foi a do banqueiro Daniel Dantas. Motivo: o juiz mandou prendê-lo duas vezes e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, mandou soltá-lo duas vezes também. Fausto De Sanctis disse, sem modéstia, que se tornou um símbolo da primeira instância e que, como ele, há muitos outros. Para o juiz, as prisões temporárias não são uma forma de arbitrariedade.
Sobre a Súmula Vinculante 11, do STF, que restringiu o uso de algemas, ele disse que no mundo inteiro as algemas são usadas como medida de neutralização da força. Com ironia, o juiz federal disse acreditar que há decisões anteriores que justificassem a edição da Súmula.

Embora tenha aberto sua palestra dizendo que não ia comentar a Operação Satiagraha, por impedimentos previstos na Lei Orgânica da Magistratura, ele deu um exemplo de sua iniciativa para reverter uma decisão do STF sobre o destino do banqueiro Toninho da Barcelona.

“O STF simplesmente concedeu um Habeas Corpus para liberar o paciente. Então eu tomei uma decisão, contra a vontade dos meus colegas e liguei para o ministro que tinha concedido o HC. Perguntei se ele tinha lido o processo e expliquei o teor da decisão. Acabei revertendo a decisão e mantive a prisão”, contou orgulhoso como um advogado que ganha uma causa.

De Sanctis defendeu que o número estimado de 409 mil interceptações telefônicas no país ainda é pouco, dada a generalidade dos crimes de colarinho branco no país.

“Vou repetir o que disse na CPI. Parem de fazer pânico, 400 mil é pouco. A criminalidade tomou tal proporção no país a ponto de estados serem interditados. Por que, será? Gente, eu já ouvi interceptação de um sujeito que estava preso dizendo ‘vou sair em seguida porque eu já comprei ministro’. Pode não ser verdade, mas isso demonstra que acabou o ‘romantismo’ do criminoso nesse país”, reagiu.
Ao final de sua palestra, recomendou aos estudantes que não desistissem de seu ideal e defendeu-se da alcunha de justiceiro dirigida a ele. “Não sou justiceiro, não faço justiça do bem contra o mal. Não vou recuar. Não vou me intimidar. Não é pra isso que vocês me pagam”, encerrou sob urros da platéia.

Leia mais:

Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2008

Elegibilidade é isso aí

O nome dela é Adalgisa.

O marido, senador Mão Santa, não se farta de citá-la. Nos discursos que pronuncia para as câmeras da TV Senado, ele a chama de "bela Adalgisa."

Nas eleições de 2008, a "bela" lançou-se na disputa pela prefeitura de Parnaíba.

É o mais famoso município do Piauí depois da capital, Teresina.

Porém, um juiz eleitoral da cidade, José Olimpio Passos Galvão, se interpôs no caminho de Adalgisa Moraes Sousa.

O magistrado indeferiu o registro da candidatura de Adalgisa. Alega que ela não possui filiação partidária.

Potoca, responde a mulher de Mão Santa. Adalgisa jura ter sentado praça no PMDB, partido do marido, em 1993.

William Guimarães, advogado da "bela", afirma que tampouco se pode questionar o domicílio eleitoral de sua cliente.

Adalgisa teria transferido o título eleitoral, as armas e as bagagens para Parnaíba em 1º de outubro de 2007. Dentro do prazo legal, diz o advogado.

O defensor de Adalgisa recorreu da decisão do juiz José Olimpio. A despeito disso, Francisco Iweltnan Mendes, coordenador da campanha, saiu-se com uma novidade.

Novidade inusitada: revelou que, inviabilizada a candidatura de Adalgisa, o marido tomaria o lugar dela na chapa.

Mão Santa deixaria o senado para concorrer à prefeitura de Parnaíba. Primeiro, tiraria uma licença.

Eleito, renunciaria ao mandato de senador, que só expira em 2010.

Desprendimento? Nem tanto. O nome da suplente de Mão Santa é Adalgisa. A mesma que o juiz José Olímpio afirma não dispor de filiação partidária.

Seria, por assim dizer, um negócio em família. Lula haveria de gostar.

Deixaria a tribuna do Senado o político que mais o critica. Mão Santa só o chama de Luiz Inácio.

Alveja o presidente dia sim e outro também. Já levou à tribuna até os produtos de beleza de Marisa Letícia.

Produtos comprados, segundo disse, com verbas secretas do cartão corporativo.

Em vez da "fera", Lula passaria a lidar com a "bela". Que há de dispensar-lhe tratamento mais lhano.


Josias de Souza

Vox Populi


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A Lei e a Rua

O Min. Gilmar Mendes afirmou, quando do julgamento da ADPF n. 144, que "cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua".

No Estado Democrático de Direito, este tipo de afirmação merece maiores explicações, para que não crie uma falsa oposição entre lei e rua. Pois se é certo que o Direito não deve ser reduzido à vontade não-mediada institucionalmente de maiorias conjunturais, por outro não pode ser reduzido à mera estatalidade.

Afinal, as decisões estatais no Estado Democrático de Direito só são válidas se garantirem suas pretensões democrático-constitucionais.

Gilmar Mendes, ao assim pronunciar-se, estaria se referindo "pejorativamente" à importante escola de pensamento jurídico liderada por este grande intelectual que é José Geraldo Souza Júnior, na esteira de Roberto Lyra Filho?

E também a todos os que em algum momento lutaram contra o "Direito" (sic) da ditadura sob a bandeira do então chamado genericamente de "Direito alternativo" e lutaram justamente para o que naquele momento era alternativo à Ditadura se tornasse o Direito democrático de pós-1988?

O certo é que ele atinge também a todos nós que não reduzimos o Direito à mera estatalidade.

É claro que todo o Direito é público, não resta dúvida quanto a isso. Mas o público não se reduz ao estatal, no Estado Democrático de Direito. E que está numa relação pública de equiprimordialidade entre público e privado.

O pluralismo jurídico que Gilmar Mendes critica com seu pronunciamento não coloca em risco a constitucionalidade democrática. Numa sociedade democrática, aberta de intérpretes da Constituição, o pluralismo jurídico é interno ao próprio Direito democrático e é condição de racionalidade discursiva para que publicamente possamos no exercício da cidadania construir, ao longo da história da nossa comunidade jurídica, os ideais de justiça e de bem-comum que devem dar sentido a essa história (art. 1.º, V, da CRFB). Assim é que a coerência normativa exigida pela integridade do/no Direito é de princípios e não a meras convenções do passado.

Se o Direito não nascer na rua, se a legalidade não nascer da informalidade e na periferia, e não se sustentar com base em razões que sejam capazes de mobilizar os debates públicos pela atuação da sociedade civil e dos setores organizados da sociedade, e assim, sem uma perspectiva generalizada, universalizanda, instaurada pelas lutas por reconhecimento e inclusão, não ganhar os fóruns oficiais, não ganhar o centro do sistema político, e não se traduzir em decisões participadas, como falar-se em legitimidade democrática?

Somente o Direito "achado" (sic) na lei será legítimo, se for construído publicamente a partir da rua... É na mediação discursiva entre a informalidade e a formalidade, garantida pelos processos deliberativos constitucional e democraticamente institucionalizados, legislativos, administrativos e jurisdicionais, que o poder político é gerado comunicativamente e a legitimidade é gerada pela legalidade...


Abraço a todos, Marcelo Cattoni.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

A luta continua

MANIFESTO PÚBLICO DOS JURISTAS EM PROL DO DEBATE PÚBLICO NACIONAL SOBRE O ALCANCE DA LEI DE ANISTIA

A comunidade jurídica abaixo assinada assiste a manifestações públicas em oposição ao debate sobre os limites da Lei 6.683/1979. Imprescindível, portanto, que venha a público manifestar:

1. Encontramo-nos em pleno processo de consolidação de nossa democracia. Dito processo dar-se-á por concluído quando todos os assuntos puderem ser discutidos livremente, sem que paire sobre os debatedores a pecha de revanchismo ou a ameaça de desestabilização das instituições. Só são fortes as instituições que permitem o debate público e democrático e com ele se fortalecem;

2. A profícua discussão jurídica que ora se afigura não concerne à revisão de leis. Visa, em verdade, a aferição do alcance de dados dispositivos. É secundada por abundante doutrina jurídica e jurisprudências internacionais, de que crimes de tortura não são crimes políticos e sim crimes de lesa-humanidade. A perversa transposição deste debate aos embates políticos conjunturais e imediatos, ao deturpar os termos em que está posto, busca somente mutilá-lo e atende apenas aos interesses daqueles que acreditam que a impunidade é a pedra angular da nação e que aqueles que detêm (ou detiveram) o poder, e dele abusaram, jamais serão responsabilizados por seus crimes;

3. O Brasil é signatário de numerosas convenções internacionais relacionadas à tortura e à tipificação dos crimes contra a humanidade, considerados imprescritíveis pela sua própria natureza e explicitamente assim definidos. Desde 1914, o Brasil reconhece os princípios de direito internacional, mediante a ratificação da Convenção de Haia sobre a Guerra Terrestre, que se funda no respeito a princípios humanitários, no caráter normativo dos princípios do jus gentium, preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública? O Estado brasileiro reiterou o compromisso com a comunidade internacional em evitar sofrimento à humanidade e garantir o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, ao assinar a Carta das Nações Unidas, em 21 de julho de 1945. O Estatuto do Tribunal de Nuremberg ratificado pela ONU em 1946 traz a definição de "crimes contra a humanidade", as Convenções de Genebra de 1949, a Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Genocídio e o recente Estatuto de Roma, enfatizam a linha de continuidade que há entre eles, não deixando dúvidas para a presença em nosso ordenamento, via direito internacional, do tipo "crimes contra a humanidade" pelo menos desde 1945. Além disso, é consenso na doutrina e jurisprudência internacionais que os atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, neste sentido, consolidou entendimento que os crimes de lesa humanidade não podem ser anistiados por legislação interna, em especial as leis que surgiram após o fim de ditaduras militares.

4. A jurisprudência internacional reputa crime permanente o desaparecimento forçado, até que sua elucidação se complete bem como considera crime contra a humanidade o crime de tortura. Pleitear a não apuração desses crimes é defender o descumprimento do Direito e expor o Brasil a ter, a qualquer tempo, seus criminosos julgados em Cortes Internacionais ? mazela que, desafortunadamente, já acometeu outros países da América Latina. Lembremos que ademais da jurisdição nacional, há a jurisdição penal internacional e a jurisdição penal nacional universal.

5. Nunca houve no Brasil uma legislação de anistia que englobasse os crimes praticados pelos agentes do Estado brasileiro durante a ditadura militar instaurada em 1964. A Lei 6.683/1979 concede anistia apenas aos crimes políticos, aos conexos a esses e aos crimes eleitorais, não mencionando dentre eles a anistia para crimes de tortura e desaparecimento forçado, o que afasta sua aplicabilidade nessas situações. A Constituição de 1988 que em seu art. 8º do ADCT, anistiou todos os perseguidos políticos e assim é feito pela Lei 10.559/02, não refere, em nenhum momento, a anistia às violações de Direitos Humanos. Nesse sentido, não cabe afirmar que os crimes de tortura e de desaparecimento forçado foram anistiados. Tais crimes são, portanto, crimes de lesa humanidade, praticados à margem de qualquer legalidade, já que os governos da ditadura jamais os autorizaram ou os reconheceram como atos oficiais do Estado.

6. Os cidadãos brasileiros que se insurgiram contra o regime militar, e por contestar a ordem vigente praticaram crimes de evidente natureza política, foram processados em tribunais civis e militares e, em muitos casos, presos e expulsos do país mesmo sem o devido processo legal. Além disso, quando presos, sofreram toda sorte de arbitrariedades e torturas. Depois de julgados, foram anistiados pela lei de 1979 e pela Constituição. Por que os crimes dos agentes públicos, que nem sequer podem ser caracterizados como crimes políticos, devem receber anistia sem o devido processo? Não se trata de estabelecer condenação prévia, ao contrário, o regime democrático pressupõe a garantia do mais absoluto e pleno direito de defesa, devido processo legal e contraditório válido a qualquer cidadão.

7. O direito à informação, à verdade e à memória é inafastável ao povo brasileiro. É imperativo ético recompor as injustiças do passado. Não se pode esquecer o que não foi conhecido, não se pode superar o que não foi enfrentado. Outros países tornaram possível este processo e fortaleceram suas democracias enfrentando a sua própria história. Ademais, nunca é tarde para reforçar o combate contra a impunidade e a cultura de que os órgãos públicos têm o direito de torturar e matar qualquer suspeito de atos considerados criminosos. Os índices de violência em nosso país devem-se muito ao flagrante desrespeito aos direitos humanos que predomina em vários setores da nossa sociedade, em geral, em desfavor das populações menos favorecidas.

É assim que a comunidade jurídica abaixo assinada manifesta-se em apoio a todos aqueles que estão clamando à Justiça a devida prestação. Manifesta-se em apoio ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Justiça e à Secretaria Especial de Direitos Humanos pelo cumprimento de seus deveres constitucionais e por prestarem este relevante serviço à sociedade brasileira e à democracia. E ainda, por fim, presta solidariedade a todos os perseguidos políticos que, a mais de três décadas, fazem coro por uma única causa, a própria razão de ser do Direito: que se faça a Justiça.

Luz sobre a sombra

Juízes e advogados defendem processos contra torturadores. Manifesto de apoio ao Ministério da Justiça já reúne mais de cem assinaturas


MÔNICA BERGAMO

Mais de cem juristas, advogados, juízes e promotores de todo o país assinaram, ontem, um manifesto em apoio à decisão do Ministério da Justiça, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e do Ministério Público Federal de discutir a possibilidade de que civis e militares possam ser processados pela prática de tortura durante a ditadura militar. A coleta de assinaturas deve prosseguir hoje. Entre os signatários estão o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o presidente da OAB, Cezar Britto, juristas como Dalmo Dallari e Fábio Konder Comparato, da USP (Universidade de São Paulo), José Ribas Vieira, da PUC do Rio de Janeiro, José Geraldo de Sousa Junior, da Universidade de Brasília, João Baptista Herkenhoff, da Universidade Federal do Espírito Santo, Ovídio Baptista, do Rio Grande do Sul, e ainda professores de Pernambuco, Santa Catarina, Minas Gerais, Pará e Paraná. O manifesto é uma reação à movimentação de militares da reserva que, na semana passada, se reuniram no Clube Militar, no Rio de Janeiro, e atacaram a revisão da Lei da Anistia e o governo federal. O Comando Militar do Leste, cujas tropas abrangem os Estados do Rio, de Minas Gerais e do Espírito Santo, divulgou mensagem de solidariedade aos militares que se opuseram a "agitadores e terroristas de armas na mão". O documento, intitulado de "Manifesto dos Juristas", afirma que o "processo de consolidação de nossa democracia" só "dar-se-á por concluído quando todos os assuntos puderem ser discutidos livremente, sem que paire sobre os debatedores a pecha de "revanchismo" ou a ameaça de desestabilização das instituições".Problema da torturaDiz também que a discussão "não concerne à revisão de leis", como a da Anistia, mas sim ao alcance dela -que não contemplaria os crimes de tortura. "Crimes de tortura não são crimes políticos e sim, crimes de lesa-humanidade", afirma o manifesto. "A perversa transposição deste debate aos embates políticos conjunturais e imediatos, ao deturpar os termos em que está posto, busca somente mutilá-lo -e atende apenas aos interesses daqueles que acreditam que a impunidade é a pedra angular da nação e que aqueles que detêm (ou detiveram) o poder, e dele abusaram, jamais serão responsabilizados por seus crimes." O abaixo-assinado afirma que a lei brasileira "concede anistia apenas aos crimes políticos, aos conexos a esses e aos crimes eleitorais, não mencionando dentre eles a anistia para crimes de tortura e desaparecimento forçado, o que afasta sua aplicabilidade nessas situações". O manifesto cita ainda tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e que "enfatizam a linha de continuidade que há entre eles, não deixando dúvidas para a presença em nosso ordenamento, via direito internacional, do tipo "crimes contra a humanidade" pelo menos desde 1945". O manifesto termina afirmando que "não se pode esquecer o que não foi conhecido, não se pode superar o que não foi enfrentado. Outros países tornaram possível este processo e fortaleceram suas democracias enfrentando a sua própria história".

domingo, 10 de agosto de 2008

Terceiro Turno, o livro

Imperatrizense que transita com desenvoltura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Mauro Almeida Noleto, mestre em Direito, professor de Direito Eleitoral e de Constitucional no UniCEUB, em Brasília, lançou ontem seu segundo livro — Terceiro Turno: crônicas da jurisdição eleitoral —, durante seminário de combate à corrupção eleitoral, realizado na Faculdade de Educação Santa Teresinha (FEST), promovido pelo Comitê da Cidadania de Imperatriz.

Filho do atual presidente da Academia Imperatrizense de Letras, Agostinho Noleto, Mauro deixou Imperatriz no finalzinho dos anos 80 para cursar Direito na UnB, onde bacharelou-se e posteriormente fez seu mestrado e iniciou atividades docentes. Foi chefe de Gabinete do TSE durante a presidência do ministro Sepúlveda Pertence. Atuou também como consultor jurídico da TV Justiça.

Como ele mesmo diz em seu blog, o livro “é resultado da fusão de um texto acadêmico (minha dissertação na especialização da UnB) com estes apontamentos aqui na blogosfera”. “Precisei chamar de crônicas, não ousaria chamar de doutrina essa análise da jurisprudência eleitoral. Até porque creio que é isso mesmo que são, crônicas, observações contemporâneas sobre o trabalho decisório do Tribunal.”“Boa parte da pesquisa foi feita na internet com informações oficiais do TSE, seja na busca pelos Acórdãos, seja no acompanhamento diário do sítio de notícias do Tribunal… Há fatos que ainda nem esfriaram direito, mas já estão devidamente registrados no livro, como é o caso da fidelidade partidária. Digo isso porque o PGR já pediu ao Supremo que declare a inconstitucionalidade da Resolução que trata do processo de perda de mandato por infidelidade partidária. Falou em usurpação do Poder Legislativo, matéria processual… Veja como é mutante a jurisprudência nessa matéria, as eleições e sua disciplina. É, chamar de crônicas é melhor.”

Ah, sim. A publicação é da Ética Editora. Tem 210 páginas e uma linguagem muito acessível, que evita os vícios e jargões costumeiros do mundo jurídico. O lançamento em Brasília está marcado para o início de setembro.

Adalberto Franklin

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ficha suja: por 9 a 2 o STF manteve o devido processo legal

Terminou. Foi 9 a 2 pela improcedência, com direito a citações da Paixão de Cristo na obra do italiano Zagrebelski. A decisão tem efeito vinculante, isto é, obriga todos os juízes eleitorais e os próprios tribunais regionais, especialmente o TRE do Rio, que há tempos não defere pedido de registro de candidato que responda a processo penal ou que seja acusado de improbidade administrativa. O mesmo STF que, no ano passado, criou a hipótese da fidelidade partidária, dessa vez não quis avançar sobre a lei e sobre a jurisprudência. Não criou nova hipótese de inelegibilidade, optou pela legalidade. O moralismo, ou ativismo, perdeu.

Noblat foi "traído" pela fonte: 9 a 2

O Min. Marco Aurélio subscreveu a totalidade do voto do Relator, disse que o Supremo tem a tarefa de afstar o "justiçamento". Reportou-se ao voto que deu no TSE, quando julgou o caso Eurico Miranda. Ali, prevaleceu a presunção de inocência. O flamenguista Marco Aurélio votou num vascaíno, mas não violou as regras do jogo, disse. Ou seja, Noblat foi despistado ou inventou a fonte. Com os votos da Ministra Ellen e o do Presidente Gilmar, o placar final será 9 a 2 contra a tese da AMB.

Peluso, a razão à opinião.

O Min. Peluso começa seu voto. "Do ponto de vista jurídico-prático não há nehuma diferença entre causa de inelegibilidade e condição de elegibilidade". O juiz eleitoral assumiria o papel de déspota se pudesse emitir juízos morais sobre determinado candidato sem ter acesso aos autos do processo que corre contra esse mesmo candidato em outro órgão do Poder. Devemos opor a racionalidade do Direito à irracionalidade da opinião pública; invoque-se o caso Nardoni, a histeria da mídia competindo pela audiência. Britto aprteia, Peluso não cessa de de falar... Novbamente Sócrates: "Quem dera a multidão fosse capaz de fazer coisas boas ou más, ela não faz nem uma coisa nem outra, age por acaso". O caso reclama interpretação estrita, em analogia com o direito penal. A Constituição criou a reserva de lei complementar para a matéria. Pronto, mais voto contra a tese da AMB. Não se pode deixar para a criatividade judicial criar as hipóteses de inelegibilidade, conforme seu humor... E mais, é dado estatístico - trazido pelo Min. Lew. - que mais de um quarto dos recursos extraordinários criminais são providos pelo STF. Todos esses inocentados pelo Supremo seriam impedidos de se candidatar a cargo eletivo se a tese da AMB prevalecesse. De novo a Declaração de 1789, para lembrar que os réus devem manter sua condição de pessoa humana. Eros também recorreu ao iluminismo. A AMB perde agora por 6 a 2. São 21:38. Ele ainda não terminou, mas já decidiu.

Eros e a Lei

O Ministro Eros Grau trouxe Creonte, para chamar à ordem, para exigir força imperativa para a Lei, em contraposição ao subjetivismo, ou do moralismo dos juízes. Britto assutou-se com a citação do personagem trágico ("prefiro a Ordem à Justiça") - "Que coisa horrorosa"!! Eros emendou "Essa coisa horrorosa nos proteje das tiranias, mesmo a dos Ministros do Supremo". "Sei muito bem que a legalidade protege as classes subalternas". O Ministro Eros acaba de resgatar o positivismo que ele chama de "positividade democrática, sem ceder a um populismo preso à opinião pública". Invoque-se o julgamento de Sócrates, que morre mas preserva a Pólis, pois não foge dela.

O palpite já furou

A Ministra Cármen Lúcia e o Min. Lewandowski votaram com o Relator, ou seja, contra a pretensão de emparedar os candidatos com ficha suja, sem lei anterior que o defina. Votaram também Menezes Direito e Eros Grau com o a tese de Celso de Mello. O Min. Barbosa antecipou voto. Com a divergência, mas com a ressalva de se exigir a condenação criminal em primeira instância. Até aqui, a tese da AMB vai perdendo por 5 a 2.

O voto é um dever

Recomeçou. O Ministro Britto acentuou os aspectos deontológicos da cidadania. O voto é um dever antes de ser direito, a cidadania é responsabilidade, a moralidade, o saneamento moral dos costumes políticos é o caminho dessa interpretação. O candidato que pretenda representar o povo, e não seus próprios interesses, tem que reunir a aura imaculada de uma ficha limpa, uma "vida pregressa honrada", não como causa de inelegibilidade, mas sim como "essencialíssima" condição de elegibilidade. Acabou de misturar os regimes, pois a "vida pregressa" foi chamada pela própria Constituição no art. 14, 9º de causa de inelegibilidade. Tópica. O voto continua. "Candidato é cândido, é puro". "Candidatura é candura, é limpeza, é pureza, é depuração ética".
Taí, eu falei que a interpretação estava no caminho da limpeza moral dos costumes políticos. O voto continua, "não se pode eliminar o mínimo ético". O exemplo dado foi o da reputação ilibada, exigida aos nomeados para o próprio Supremo. "Mas não é só." "Mão e sobre-mão..." Inovoque-se Carlos Maximiliano. "Cada dispositivo tem a sua lógica particular". Há dispositivos que irradiam, "perpassam os poros todos do ordenamento jurídico". Compare-se a redação dos textos constitucionais. O art. 14, 9º originaraiamente não se referia a moralidade para o exercício do mandato, nem a probidade administrativa, nem em vida pregressa. Vale dizer, a LC 64 sofreu uma inconstitucionalidade superveniente. A nova redação da Constituição não foi feita para proteger pessoas, mas para proteger valores (!!!!!!). "É a fim de proteger, tutelar, valores, não indivíduos, não pessoas". Agora me responda, caro leitor, os valores servem para quê? A sentença, "a partir do momento em que não se puder exigir o mínimo ético, eleição será mercado, as trinta moedas que compraram Cristo". Para concluir, graças a Deus e à luta do povo brasileiro, é vedada a cassação de direitos políticos, cuja a perda ou suspensão somente se dará nos casos de cancelamento de naturalização transitada em julgado e condenação criminal transitada em julgado. Fiquemos aqui, por quê a exigência do trânsito em julgado? Porque a suspensão e perda dos direitos políticos irradia para todo o ordenamento jurídico, administrativo, basicamente. Mas inelegibilidade não é a mesma coisa. "Na inelegibilidade os direitos políticos permanecem, o cidadão não perde sequer o seu direito de votar". "É proporcional ou não equiparar causa de inelegibilidade com perda ou suspensão de direitos políticos?" São 20:15.
"Aquela irradia, esta, não". "O momento é histórico, é o melhor possível para que o STF retire a Constituição do papel, impeça que ela se transforme em elefante branco, pra não dizer um latifundio improdutivo, claro, com todo respeito... " Pasra se despedir, votou pela procedência total da ADPF e invocou Gilberto Gil, Drão: "Os filhos são todos sãos, os defeitos são todos meus"

É a coisa julgada, AMB

Está perto do fim o voto do Ministro Celso de Mello. São 19:05, talvez quando eu terminar essa postagem, ele já tenha concluído. Sua decisão, porém, já se podia perceber desde às 17:30, quando começou a invocar toda a tradição liberal para explicar a centralidade democrática do princípio da presunção de inocência. Lembrou que os regimes fascistas, apoiados por uma teoria positiva do direito penal, invertera o sentido da cláusula, para declarar a presunção da culpa, da verdade contida em qualquer acusação. Ali, o Ministro já havia decidido pela improcedência filosófica da ação movida pela AMB.

Curioso é que a Associação dos Magistrados Brasileiros tenha pedido o afastamento, a interdição do direito ao processo judicial, a diminuição do duplo grau de jurisdição e, finalmente, o desapego à coisa julgada, que é a própria razão de existir do Judiciário. Se não fosse a certeza de que todos podemos nos valer do devido processo legal, do direito de defesa, valores inscritos em todos os documentos internacionais de direitos humanos, aí sim, voltaríamos ao Estado-Policial.

Vou tentar explicar melhor isso. Acabou o voto, foi mesmo pela improcedência da ADPF.

Noblat conta o "palpite"

"O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu há pouco seu palpite sobre o julgamento já em curso e que decidirá se políticos que respondem a processo na Justiça podem ou não se candidatar. Ele acredita que o placar ficará em 6x5 pela manutenção da regra em vigor de que políticos só se tornam inelegíveis quando condenados em última instância, sem direito a recurso. O que o Supremo julga é um recurso da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A AMB entende que ser condenado em primeira instância já é o suficiente para o político ter a candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral. Além do seu próprio voto, Marco Aurélio acredita que os ministros Meneses Direito, Eros Grau, Cezar Peluzo, o relator da matéria, ministro Celso de Mello, e o presidente do STF, Gilmar Mendes votarão contra a ação da AMB. Votariam a favor, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Carmem Lúcia, Ellen Gracie e Ricardo Levandovski. A decisão do Supremo, seja qual for, terá repercussão imediata. Isso porque o ministro Celso de Mello, relator da matéria, anotou no processo que “os pedidos de registro de candidatos a prefeito, a vice-prefeito e a vereador, mesmo os impugnados deverão estar julgados até 16/08/2008”. Ou seja: se o Supremo julgar o recurso da AMB procedente, ainda dá tempo de impedir a candidatura de políticos com ficha suja."

Ricardo Noblat