Por João Marcelo Garcez
Havia pressa. Milhares de torcedores iam e vinham em direções desencontradas ao cair da noite. Havia também esperança, muita esperança, sentida no olhar de cada tricolor que chegava ao Maracanã. A festa era linda; o Coliseu carioca estava inteiramente lotado à espera dos gladiadores tricolores, que foram encobertos por uma gigantesca nuvem de talco quando entraram em campo. A festa pó-de-arroz fez até o bumbo da pequena - porém barulhenta - torcida argentina desafinar.
A bola rolou e o Flu se via em dificuldades. Sem saída de bola, o Tricolor era dominado pelo Boca, que, em desvantagem no confronto, buscava uma vitória. A torcida, nervosa, era o reflexo da atuação do time em campo. O primeiro tempo terminou e o empate sem gols dava a classificação ao Flu. Em todo o estádio, o pensamento era o mesmo: “Se não mudar a postura, vai levar gol”. Não deu outra: aproveitando-se de um cruzamento no segundo pau, Palermo acertou uma cabeçada fulminante e calou a imensa maioria.
À direita das cabines de rádio, torcedores do Boca uivavam de alegria com o que imaginavam ser mais um Maracanazo. Um homem trajado com a camisa da Fla-Boca (agora Fla-LDU?) era retirado pelos policiais.
O Boca bem que tentou “cozinhar” o jogo com a sua velha e tradicional catimba, mas nem houve tempo para isso. A exemplo do que acontecera contra o São Paulo, o Flu empatou rapidamente. Em falta cobrada com perfeição, Washington, o Coração Valente, deixou novamente o Flu com a mão na vaga.
O gigante argentino sangrou. Pela primeira vez, havia sentido o golpe e baixou a guarda. Gravatinha, do alto de sua ira, rompeu o gramado em disparada e mexeu com os brios dos jogadores do Fluminense. “Vamos, gente, vamos! Mostrem para o mundo que o Fluminense é mais time, é mais coração, é mais valentia. O time do Boca é bom, sim, mas eles são humanos. Humilharam vocês, espinafraram vocês. Agora, ninguém está rindo. Mandem o gigante a nocate”.
Criado no rival River Plate, o argentino Conca, justo um compatriota dos hermanos, colocou a faca nos dentes e, ajudado por sabe-se lá quem (aliás, sabemos), marcou o gol da virada tricolor, após desvio na marcação adversária. Delírio e êxtase no Maracanã.
“Vocês estão fazendo história, vocês estão fazendo história”, gritava exultante Gravatinha.
O golpe de misericórdia aconteceu já nos acréscimos, quando Dodô aproveitou-se de uma falha incrível na saída de bola e mandou o gigante, hexacampeão continental, beijar a lona.
O Maracanã ferveu. Uma energia incrível tomou conta dos quase 90 mil felizardos presentes ao estádio. Jogadores se abraçavam emocionados ao fim da batalha campal. Telê Santana e Nélson Rodrigues apontavam para as bandeiras confeccionadas em homenagem a eles e comandavam o delírio de outro ilustre tricolor, Chico Buarque, que redescobriu sua paixão pelo clube que está a um passo de se tornar campeão da América e de brigar por um título mundial, no Japão.
Chorando muito, mestre Telê, abraçando-se ao grande dramaturgo, repetia por diversas vezes o que todos já sabiam. “O Fluminense é a minha vida”.
“Desde 1963, com o Santos de Pelé, um clube brasileiro não eliminava o Boca Juniors da Libertadores. O Fluminense está orgulhando milhões em todo o Brasil”, disse Nélson. Feliz o Fluminense por contar com uma família como essa. Como é bom ser Fluminense. A torcida, agradecida, rende homenagens a você, Tricolor! Que deu mesmo a vida! E venceu! Como fazem os gigantes!